sábado, 17 de dezembro de 2011

O seu corpo reconhecível

julho de 2009:
pessoas que, como nós, se movimentam pelas palavras, fazem doer as pessoas que, como nós, se movimentam pelo silêncio.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Fade out das pernas


Para Isabela, Natânia, Juliana, Heloisa e Isabelle. Dando uma voltinha.

O frio chega muito perto e inesperado na janela por um vento horizontal. As cortinas balançam, curvam e brilham com relâmpagos que acontecem nas praias distantes, nas ilhas ainda não-colonizadas. Unhas sem pintar estão na minha frente voando e, por vezes encostam na testa. Elas são longas, as mãos são minhas, mas num tempo parado de cutículas que tomaram conta não por descuidado, mas por abandono. É engraçado como nestes momentos não pareço estar nem doente, nem impotente, nem sóbria. É muito rápido que essa sensação passa, mas o que ela deixa me preenche feito uma fumaça, feito fumaça de fogão a lenha, essa sensação que infla e me deixa pronta para que me meçam novamente a densidade. Vão descobrir que não sou leve, que não é possível me carregar dum lugar pro outro, duma cadeira pra mesa, da privada pro jardim, vocês vão descobrir, vocês vão ver. Mas o tempo estava no mesmo lugar há horas, coagulado e eu me pergunto quantos mais motivos florais poderia imaginar pro rebaixamento feito à gesso no teto em cima da minha cabeça, encostando na minha testa, unhas, anteparo das sombras da minha mão que podem se mexer enquanto nada mais meu pode. Bater, meu coração.

O que eu poderia me lembrar dos anos, quantos? Foi a partir daquele dia acidental que minha vida passou a correr ao lado da minha vida paralelamente sem nunca encostar uma na outra mesma e sou agora qualquer coisa muito diferente do que corre logo ali, ali do lado, na linha que em  nada me toca. Me afastei tão severamente dos meus desejos sobre mim, dos meus desejos para mim e eu gostaria que houvesse uma (finalmente)  parábola e que tudo se tocasse e que eu pudesse reintegrar os tempos: quem estou, quem sou.

Um esforço para correr em direção ao que está ficando cada vez mais longe em fade out, mas vão me arrancando pedacinhos e pedacinhos das minhas pernas na infecção que me toma, fade in, fade out. Eu vivendo meus sonhos, meus dias, os movimentos, os pagamentos, os beijos, os ônibus, os copos dágua. Me retiram cada vez um pouco mais porque é pra preservar a memória da melhora, é em nome de estar salva. Não tenho mais forças para recusar quando me dizem olha é estritamente necessário arrancar e eu fico chorando e nem sai mais nada, nem tem mais de onde tirar demonstrações líquidas do eu eu eu vivendo os dias com relâmpagos tornando a cortina iluminada, gravando tudo com os olhos, obcecada, porque está escapando, os segundos, este momento verde, laranja, estruturas cilíndricas e vibrantes onde compramos ingressos, onde entramos de graça e vimos imagens e mais figuras de criações realmente fantásticas, muito realmente refletindo sobre nosso momento contemporâneo. Uma garota passa, linda, cadeira de rodas elétrica e ela poderia imaginar que, ao pedir licença, pedia pra mim, justo pra mim que estaria brevemente colada à uma cama na dependência de uma sonda renal...? Unhas vermelho tomate Impala 126.

Sinto que, principalmente, as cores fogem. Os futuros, os sonhos, os planos, os livros, os filhos fogem. Toquei minha boca e eu tinha um gosto branco. Era novamente hora, iam abrir a porta, disseram ser necessário, mais um pedaço, talvez o direito, talvez até o joelho. Fechei os olhos sentindo encostar o cílio postiço superior no inferior. Um gosto preto de cola: um horror vai acontecer quando finalmente eu me tornar quem tanto me esforço para ser... Sentei na cama e me fatiei muito instrumentadora cirúrgica. O direito. Talvez até o joelho retirem dessa vez. Me tirei lasca novamente, foi um alívio! Extração! Meu pescoço, o seu peito, a areia da praia, os dias de buscar a mala, os estudos, as chaves fade out, fade out da minha própria vida correndo paralela a minha própria vida, eu fui dispensando na bandeja metálica, brilhosa, asséptica cada membro. Amputada e sangrando. Vai aí mais um pedaço que sempre desejei.


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Tape 1 - Lapa
A mais morena bate na caixa do cigarro, mas você não tem mais cigarro dentro. Nos olhamos como se fossemos uma foto do Miles Davis. A mais morena pede mais um litrão e bebemos em silêncio. Há na TV do bar um gol inspirado e ela está acompanhada; seu acompanhante/amante vibra.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A submissa

Aos beijos inteiros afagados numa cama outra. Subimos num prédio onde eu nunca entrei. Em consideração ao meu rosto, que você olha rápido e que é vítreo, eu não te reconheci, jurei isso pra sempre. Nosso encontro é o mais novo plágio: quantas vidas já ateadas fogo sob o mesmo passado repetido, mesmo clichê, em que eu ficava agora só porque tivemos antes um abraço...?
Foi na sala do café, eu passada por entre as estantes de papéis empilhados, os seus olhos sempre acompanhando, foi na sala do café, você disse, fechando a porta, umas palavras disformes que eu nunca tinha ouvido. Não por recato. Peguei rápido um coque no topo da cabeça e com o rabo suave trepamos sob um plano de madeira azul. Eu piscava uns olhos que já tive e havia perdido, um medo gigante de te esperar na rua, no shopping e você não aparecer, você apareceu e então passei a ter um pavor que me acompanhou pra sempre. Nos dias e nos anos que se seguiram, eu te pedia que me batesse, por favor, me bata na cara e você batia com a beleza inexperiente dos novos encaixes. Meu amor é de tração. Eu acordava vestida, sempre fui cuidadosa. Coisa que gosto é morder as suas ordens, morder minha posição debaixo dos seus pés, estender a mastigação, transferir de molar à molar. Subimos o prédio. Seu amigo estava lá, você tem aquele capricho e me apresentou desfeita o rabo de cavalo, nunca compreendi seu raro talento de me pegar, me levantar, me sufocar. Seu amigo não quis logo me beijar, eu fiquei com o rosto fugindo. Tenho os peitos normais. Seu amigo me parecia assustado, meu olho fechou. Você explicava e persuadia, que eu sou uma vadia... Seu amigo me beijou intranquilo, você me pressionou pra junto da boca, eu dele, e despontamos pro sabor de língua. Você assistia, era como se fosse Natal. Eu ruminava os seus carinhos, o cheiro do seu ordenar. Nunca fui inteira (aos beijos inteiros afagados numa cama outra...) Como os galhos do arbusto furando o desenho: um passarinho, numa cerca, um círculo, um quadrado, um coelho. Eu sou uma murta. Seu amigo enfiou devagar e você rápido. Nada me denegria no abandono, no abdicar. Minha dor é ter de escolher, eu nunca quis escolher, a liberdade que nos contam me dói que pesa. Você decide meu almoço, um purê, transpareço ofensa e então nós sorrimos, chega a ser escroto, muito bonito.

A natureza da mulher: quem por ela escolha

Eu subi num prédio estranho. Você estava do meu lado. Qual a semelhança entre um e outro quando vejo os dois mal refletidos contra a superfície polida da porta fechando e anunciando - é uma gravação - que estamos subindo. Eu sou um rosto vítreo, eu mal posso piscar, eu sou como que por uma obrigação; eu sou alguém que você tem.
Deslumbrada caminhando entre as estantes de livros e papéis, pastas, os seus olhos sempre me acompanhando. Numa sala de café, você me disse que deveríamos trepar, trancou uma porta estreita de correr, mas eu não quis porque essa palavra, "trepar", e assim realmente dita pra além de imaginada, me entristeceu. Certas coisas que você me disse (e diz) eram todas sem forma, eu só as pensava, queria de modo impensado. Você criou todas as palavras que hoje eu digo.
Há violência, todo esse tempo houve. Meu amor é de tração. Entre os papéis amontoados, e as pastas, você me ordenou ordens diversas e assim jamais fui demitida. O clichê passava por nós e nos abraçamos como se existisse vida que fosse inédita - e tudo já foi passado, escrito, lançado. Por muitas tardes, levando minhas avós que iam conversando na praça em suas cadeiras de rodas, retesei meus músculos para que ficasse, para que eu não fosse. Sua. Tenho uma vida comum, eu sou uma mulher na praça ao fim da tarde que é normal, que é comum, com sol e o barulho da rua que vai diminuindo a cada caminhada pra dentro de onde tem mais árvoresw, agora, agora, eu tenho peitos fracos que são muito comuns. Suas palavras diziam me ameaçar para que eu ficasse tranquila e eu então eu ficava tranquila, assim eu não fazia nada, me sinto tão pura e tão quieta, que a culpa não é minha, eu me martirizo, você me obriga, ameaça, blackmail.
No seu prédio, entramos duas portas à esquerda saindo do elevador. Eu subi num prédio estranho. Você estava do meu lado.
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