quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Coincidência noturna anterior

Coincidência noturna anterior
parece difícil transformar em texto e realmente é. intimidades elementares só pedem silêncio pra paralisias convulsas e, desse jeito, não se sabe direito como me tornei diversa, como foi que quis te procurar com as mãos e vocalizar sentidos que nunca expressei. são todas imagens que, de tão aproximadas, são muito turvas: te procurar com as mãos, com os dedos e as unhas num movimento tão irreconhecível que é coisa de dar passos pra trás.

ineficiente.

se eu escrevesse a palavra, escreveria num espelho pra ter coragem de olhar (pra ele) em dizeres, de dizer que foi um salto do desejo, suprimir o que até hoje me pareceu proibitivo. saltando pelas sacadas, prestando
uma atenção suicida, aturdi mil beijos pelo seu pescoço e desenhei quadris perfeitos pra encaixe, mas não menti: quis estar infugível contra paredes.
a impressão que se tinha dali era que o querer estava vindo e agora era seu. era eu que te acordava, que achava hora pra parar os seus sonhos, que te procurava com as mãos, que te engolia dos seus sonos, que fazia cercos de língua e de realidade como se fossem cafeína.
e o que mais havia de ser? eu bocejava e sentia os seus dedos em mim. eu reclamava mais cinco minutos e só o que tinha era o preenchimento de todos os vazios universais pelos teus dedos em mim, pelos meus dedos em mim, pela vontade de me esconder, pelo meu excesso de pudores. parece tanto estranho dizer mas, digo, é urgente que se saiba que você circunscreveu meus seios e que você me ladeou e que houve essa posse e que fui pelos cabelos puxada. violentamente estive devota.

simplesmente quis devassar, singelamente forçada, frondosamente aberta. eu quis joelhos, quis ponta dos pés, quis beber e transformar em texto parece fácil, se você soubesse das exigências que... podia mesmo ser toda sonolências e se eu dormir e se você me morde, se eu te chupo; são percepções acetinadas do não comparecimento. apareço esmagada entre os dentes. li teu cartão pela vigésima vez. li teu livro agora e foi pela insistência da sua demora que me toquei gostoso.

domingo, 5 de outubro de 2008

Descobrindo o auto-gonzo

Por que se segurando?

porque se não saem textos não-amadurecidos demais,verdes-limão demais e cheios desses delírios demais. não consigo mais não usar um porra: se o porra e o caralho forem extintos, vou ter de vender laranjas na feira

Descobrindo o auto-gonzo
estou radicalmente poluída por uma série de pessoas que se juntaram nas ultimas semanas: sarah silverman, dahmer, hunter thompson y pereio.


estou sozinha aqui, sábado a noite, ninguém põe as caras, que resta? me recuso a me masturbar. me recuso a escrever.
minha vida social foi enterrada por um namorado violento.


é que minha boca está nos dedos
e que meu corpo inteiro, nas mãos
a minha alma só sabe se escrever, não fala, não mexe
não conversa com as pessoas na rua, não dá bom dia
minha alma é tão gonzo que saiu fora de mim porque sou careta

e aí é que explico: por isso bebo
é quando meu corpo vai descansar e a minha alma pode enfim ir. um saco esse negócio de morar em dedo. quem mora em dedo é unha.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O meu irmão retardado


visão do paraíso
a primeira vez que vi meu filho eu não vi meu filho, eu não vi nada. na primeira vez eu vi e era ele com uma cabeça quase do tamanho do corpo e os tubos que drenavam a água. acho que não gritei porque nunca grito. mas era lá eu, a primeira vez e era meu filho. que mãe animada! ele não tava morto. eu nunca mais tinha acordado.

O meu irmão retardado
Eu tinha tudo para ser infeliz e aí eu sou infeliz uma vez de cada vez, mais só. Tão só que nem em terceira pessoa iria rir e não só por estar vazio de gente: só pelo excesso dos mortos. Lembro que já fui pequena um dia e que dançava, que queria dançar num balé, não dá pra saber agora, mas dançava e dizia que mãe, eu quero mesmo é um dia dançar todos os dias. Naqueles meses tínhamos um sofá vermelho que não dava pra deitar no calor porque virava uma piscina de suor. Ela dizia que, filha, dançar é bonito, mas você não vai dançar. Eu achava muito engraçado esse desentendimento, eu achava muito engraçado que ninguém entendesse que eu ia dançar e então os anos se passaram e as minhas juntas foram ganhando ângulos cada vez menores até que não dançassem mais.
Queria que o Bruno entendesse, quando come um pão barrado de nada que, se eu como Qualy, isso não me deixa mais acesa, isso não me deixa mais esperta, nem mais tranquila. O Bruno achou que não devíamos nunca estar. O Bruno acha que não, nada deve dançar muito, que são planos engraçados, sonhos muito engraçados, lindos, que a gente é bem feliz, muito, muito feliz só quando as juntas atrofiam e você está obrigado a desistir de dançar, de beber e de trepar. Afinal ele me deu um beijo porque o obriguei. Afinal ele iria embora e eu não o veria mais e me encostaria a boca paternalmente, quase maritalmente, dum modo que nunca mais esqueci. Digo do Bruno porque ele me pensa quem eu não sou: alguém que lhe é diferente, e não sou. Digo, sim: danço com as juntas atrofiadas porque juntos e atrofiados ficarão todos os meus enredos.

Minha casa é infinita de absolutos vazios, e de pobreza e de jornais pulp reality fluminenses. Esses de trem, flores cinza-pedaços-de-outros-papéis-cinzas fluminenses. E a minha casa tem mais arte que a privada do Duchamps e a minha casa tem privadas em muitos cômodos e tem uma tampa de privada em baixo do armário da cozinha, e tem uma área de serviço e tem uma escova de dentes muito velha na fruteira depois que alguém pintou os cabelos com ela. Penso que não é por falta de quem bem me queira, porque não é, porque tenho: eu tinha tudo para ser infeliz e sou infeliz por uma vez de cada vez, cada vez que aqui mais cercada da dor dos outros, da mais só. E a casa cada vez mais suja com um saco de lixo guardado não sei porque, e outros, e um fogão novinho, e um microondas novinho, e uma churrasqueira novinha em que nunca faremos churrascos dum lixo novinho que produzimos tentando não comer as peles dos frangos.
Aqui é muito sujo, a vizinha neopentencostal tem uma voz muito bonita mas, se não se cuidar, vai perdê-la, mas Deus deu o dom e vai cuidar. Deus deu o dom e vai cuidar. Deus me deu o dom de escrever porque queria me cuidar. Aqueles hinos evangélicos enchendo o saco e então eu atinei que iria escrever com o desespero de quem toma chá na Colombo sem nem um real no bolso, com o desespero de quem tem uma privada usada na varanda, com o desespero dum cachorro atropelado correndo no asfalto preto e vazio de noite. Eu escrevo como quem achasse que dá pra ouvir música, como quem pudesse esquecer as mortes que as dores dos outros causaram nos outros, como se o guarda-chuvas do Dahmer pudesse me salvar, como se eu pudesse, entrevada, dançar.

Meu irmão retardado jogou fora aquela minha cadelinha, o meu irmão retardado jogou fora a placenta da mamãe, o meu irmão retardado jogou fora o meu contrato de trabalho, o meu irmão retardado jogou fora uns beijos sem língua que me deu, o meu irmão retardado , esse, jogou fora o fio que ligava o som.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Medo e delírio em Abolição: bad trip

Ela é uma caga regra! E elas deram uma lambida na beira do copo de sal do copo de whiskey. E elas subiram em cima do copo de whiskey e elas são daquelas meninas coelhinhas e elas põem as mãos no revólver e aquilo me dá um sono e eu mudo de canal e eu penso no Hunter Thompson e nos copy desks. O Hunter Thompson. O Hunter Thompson sai de casa pra fazer jornalismo afudê, o Hunter Thompson, ele me explica as coisas e ele fala as coisas rápido e eu acho que ele tá dizendo Ela é caga regra e ela lambendo o copo de whiskey, o sal da beirada e daí não dá pra ser serial genius: maldito Lacan.

Bad trip
Ela é uma caga regra, o primeiro pro segundo. Ela caga regra no trabalho, do amor, do horóscopo, caga regra menstrual. E o segundo: ela, ela, ela no rabo da Mirella. E a Cibelle? O segundo: a Cibelle... e tornaram a sair do bar daí um passou o braço em cima da nunca do outro e eles saíram novamente do bar tropeçando num meio fio. Então o primeiro largou a nuca do segundo, então se colocaram para caminhar mais uma vez a rua depois do expediente na garagem do ônibus e já era domingo. O primeiro tem um cabelo e o segundo tem menos cabelo que o primeiro, aí o primeiro pegou o celular e colocou uma música no aparelho de telefone celular daqueles novos que cantam as músicas alta aí ele pensa: posso ligar meu aparelho telefone celular? E o segundo pensa: vamos entrar no ônibus e vamos ouvir o som do aparelho telefônico celular desbloqueado que eu baixei aquela. E eles ouvem, mas, porque eles não estão ainda no ônibus, vão descendo a rua que dá nos Correios.
Bebida e beberam.
O chão preto vazio, os cobradores de azul pretos vazios, o cheiro de álcool branco e vazio os pilotos dos carros estacionados vazios. Tarde e uma lata no chão e um primeiro chuta a lata no chão então eles passam a primeira esquina e o som no aparelho telefônico celular então eles não se preocupam porque essa hora é tranquilo daí passa o mendigo preto vazio e outra lata que é de cola. Um deles fala pro segundo da mãe e o segundo diz que ri, e o segundo diz: preciso levar também a minha mãe pra fazer ultrasom mas o plano não cobre nem um ultrassom e talvez ela precise fazer uma cirurgia e talvez ela possa até morrer se não fizer a cirurgia e o SUS é foda... Deus não ia permitir. Talvez ele tenha de ir amanhã lá na academia porque tem uma menina lá gostosa pra caralho na academia e ele acha que pega a menina lá e o primeiro diz que tá pegando a novinha de quinze, que agora ela ficou grávida por causa de um registro dágua. O segundo fala que ri, e o segundo ri e fala do cachorro latindo longe e passa uma garota linda na rua.

E passa uma garota linda na rua.
A garota preta linda passa pela travessa ou entra na travessa e está usando uma roupa cáqui-telemarketing e a garota tem uns olhos que são doces poesias porque ela tem um namorado e ela é neopentencostal e ela dá pro namorado às vezes porque o pastor é homem e se for seguir tudo dos homens, tudo da bíblia, tudo aquilo que foi escrito hà 200 anos na bíblia sagrada... A garota na travessa indo pro serviço que ela faz: telemarketing filantrópico, ela ajudando as crianças a lavarem dinheiro, a garota linda, linda. Ela se passa na rua com uns olhos cheios de muita poesia de supletivo e uma boca doce, e uma boca de guaraná natural. Passa pela travessa e o segundo diz que ri, o segundo diz gostosa, diz princesa pra garota, belíssima, pernas belíssimas que cruza as mãos na travessa, que tem o trabalho, um namorado e não liga pro gostosa. E o primeiro chega perto dela. Diz: (que...) bolsa linda. Aí ela anda mais pra frente mas o segundo pega ela e o primeiro pega ela pelo cotovelo porque então ela diz: me larga. Porque então ele não larga e eles arrastam ela pra mais longe, pra mais perto do vazio da travessa e metem gostoso numa xoxota que tá gritando.



Ela deu uma lambida no sal do copo da beira do whiskey, e saiu de casa de noite, e escreve antes: Cibelle, o amor só pode existir quando incontornado.


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