quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Cisne negro

Você termina o exercício esticada feito uma gata, uma gata parada. Te mostro uma toalha e você se aproxima suada, pelada. A gente sai por aí, a gente já saiu muito por aí. Você me convida pra ouvir música, seus pais sempre por perto. Na casa de amigos, transamos sobre a bandeira do Fluminense você me mandou embora, e eu nem gozara. Aos 16 anos você era aquela que dava, aos 20 frequentava mesinhas de centro, mesa branca, dizia que aquilo era o Brasil, que as carreirinhas te deixavam ligada. Você nunca foi do baseado.

Conheci Altácia na volta do trabalho. Nossa Senhora de Copacabana, sentido Centro, inferno, inferno. O som reverbera pelos prédios, aquele engarrafamento e um calor, porra. Altácia apegada comigo pedindo ajuda e eu ali metendo, metendo, ela chamava e eu alí com deus, e ela aceitara Jesus há mais de um ano e meio e chamava eu e deus e chamava Jesus. Mas não te esqueço com roupa de ginástica, roupa de dança. Era louca, hoje os teus filhos sabem, você era perigosa e babaca pra caralho, nem AnnaKariênina cê tinha entendido, burra, absolutamente burra. Aos 24 começara a carreira de copista, roubava trechos, abria mão das aspas, roubava na caraça, publicara livros na capa dura, meu deus, você era escrota e burra, hoje percebo. Eu desejava uma chuva de xoxotas na minha vida, que houvesse uma porcentagem mínima, que 15% fosse só da sua caindo em cima de mim e eu no meio da rua de boca aberta, você vinha caindo esticada, chegaria ao asfalto de pé, apenas 15%. Altácia disse que eu devia te esquecer. Meu advogado não pensa o mesmo, eu te perdoo, você tem problemas. Tua filha parece contigo pra caralho, Altácia disse que não devíamos deixá-la assim porque você não sabe cuidar. Altácia é uma santa, sério, Altácia filtra o que o pastor diz e só aproveita as virtudes cabalmente necessárias. Sua filha me lembra você, mas não vou dar em cima, não tenho nada com isso, nutro o maior dos carinhos pela menina, o outro eu quero que se foda que tem pai, a pobrezinha não, Altácia vai aos cultos na Universal do Leblon, acha mais mão. A gente nesse sala dois quartos, cara, eu acho que tá bom, pra quem eu sou, pro quanto tu já me sacaneou de roubar o que eu escrevo, minhas matérias, meu suor e meus coitos recheados de juventude trotskista. Pra quem é tá bom. Botafogo é um lugar agradável no fim das contas.
Escuta, você precisa voltar, tem o banco, tem que pagar. Você aparece com roupa de ginástica, você colocava o pé na nuca, de mulher assim nunca se pede o divórcio, me perguntou
- O que é que foi?
Eu não dou mole pra mulher que se faz de gostosa. Eu sempre deixei o cigarro pendurado no lábio inferior querendo que você me dissesse, você não fuma e aí eu acendia e diria
- .. comecei agora...
Escuta, ó, volta que Altácia e tua filha já são mãe e filha verdadeiramente. Não sei como pode. Hoje somos uma família. O pai do Felipinho aparece aqui às vezes e a gente sai, toma uns chopps, porra, as crianças adoram, por mim engravidava logo Altácia, a gente tem tudo a ver, imagino muito ela como mãe. Ela ri. Eu quero logo ter uns crioulinhos, mas meu, sabe. Porra, nunca dei em cima da sua filha. O maior afeto, o maior. Ela entrou outro dia no meu quarto e eu ali de pinto duro, convidei-a a se retirar e ela ali com os bicos do peito armados contra mim. Essa juventude está toda muito sexualizada. Uma chuva de xoxotas, ela disse que queria um número mínimo, 0,5% das xoxotas seriam dela em sua honra, prometeu cair de pé, eu disse que ela devia ser mais amiga da Altácia, aí ela chorou. Tua cara, mas a gente conserta, o pastor é contra essa lei que proíbe palmadas, se depender de quem depender, vai levar porrada.
Ó, volta. Tá foda, cara, você perdeu uma vida aqui.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

[OFF] Sobre o Twitter: da condição humana em meio digital, dos seus microgestos


Eu espero que os analistas de redes sociais, que o pessoal do marketing, que os latu senso em sociologia que trabalham nessa área estejam atentos à beleza da coisa toda. Não digo tanto dos sociólogos, eu confio minimamente que os cientistas sociais leiam quem deve ser lido e tenham o feeling de perceber a bela oportunidade de observação do comportamento humano que se desenham nas redes sociais; porque são modelos tanto isolados, reduzidos e nos permitem perceber coisas que ficam confusas e difíceis de apreender no macro - que seria a própria sociedade. Pensei em escrever, ao invés de "a própria sociedade", a sociedade offline, mas é justamente esse o ponto que eu espero estarem marketeiros, sociólogos, antropólogos e o diabo atentos: que não existe uma sociedade off e outra on, gente é gente e as relações, embora em meio digital, permanecem lá enraizadas na condição humana, nos sentimentos, psicoses, etc, se fundam no real.

Toda essa introdução é para comentar das reflexões que tenho feito desde ontem depois do
stress que se instalou - também entre a gente - quando o Rafael, meu amásio, deu um mass unfollow. O resultado foi desagradável e pedia a gente pensar sobre. Acho uma pena que meus colegas da área de história considerem esse assunto "redes sociais" uma bobagem. Imaginem que se eu chegasse para algum deles e dissesse sobre o quão desagradável podem ser as situações em torno de um unfollow. Por não considerarem parte do real, considerarem redes sociais como quando a gente brinca de Barbie e, tipo, não é real, é apenas a Barbie se arrumando para a festa, é a fala da boneca, não é a sua, é um faz de conta, uma manipulação de avatares, não acreditam fazer sentido que alguém se sinta triste ao parar de ser seguido, ou que parar de seguir determinadas pessoas pode te colocar em situações constrangedoras.

Estou falando, redes sociais, mas, já tá compreendido que estou focando no
Twitter. Acho o Twitter um lugar ótimo! Que oportunidade interessante de observar miudezas cotidianas, comportamentos e relações cercadas de aridez por todos os lados. Porque o Twitter é um meio sintético, não sintético de plástico, sintético porque é um lugar cheio de síntese, onde dezenas de palavras e reações podem ser substituídas/expressas por um #medo. Como nos comunicamos quando há um espaço tão reduzido para comunicação? Que novas comunidades linguísticas surgem nele? Quais são os gestos? Quais são os símbolos que só lá se compreendem e florescem, recriam? Por ter essa forma - micro gestos donos de grandes significados - é que considero os follow/unfollows como os momentos críticos nesta rede social. É neles que podemos apreender a dinâmica da própria rede o que é, por tabela, a apreensão do próprio comportamento humano. Juro por Deus.

Dizem que a moeda de troca do
Twitter é o RT. O que valoriza cada pessoa, ou cada empresa sei lá, é a sua capacidade de ser redistribuida, citada, multiplicada através da replicação do que disse. Quanto maior essa capacidade, mais influente é esta pessoa. Vejam, microgestos, grandes interpretações. É fantástico. E o que mais caracteriza um @ influente? Pois, é o seu número de seguidores. São coisas atreladas: o cara mais seguido tem maior probabilidade de ser mensagens replicadas e, quanto mais tiver mensagens replicadas, quanto mais influente, mais seguidores terá, enfim, é um ser amado. Todo mundo quer ser amado. Receber um follow é saber-se querido, nesse pequeno gesto, há a larga consequência do envaidecimento. Já o unfollow é o contragolpe do ego, é saber-se desinteressante, é ser desconsiderado, considerado desimportante, é perder a real moeda de troca, que são os seguidores, esse distintivo imediato, o cartão de visitas. Enfim.

Ontem fiquei refletindo sobre o mass unfollow do Rafael. Ele depois tentou se explicar porque fazia aquilo, conjurou nas entrelinhas aquilo de que o Twitter é o que o que você faz dele e o que ele queria fazer era um mural de feeds informativos, de música, de ideias, mas então você descobre que não é tão simples, que há vaidades, gentilezas e futuros contrangimentos em bares que devem ser considerados. Talvez ele pudesse ter feito tudo de outra forma, mandado um e-mail para as pessoas explicando tudo, que não era nada pessoal, mas a pessoa tem o direito de ficar puta e ele ficou puto de se ver preso na armadilha da impessoalidade, da relação entre avatares. Ele sabe que é relação entre pessoas e relação entre pessoas é um negócio que sempre dá merda.

O caso é que não há etiqueta para o Twitter nesse momento, digamos, traumático, do deixar de ser seguido. Se, como considero, esta rede se pauta em pequeniníssimos gestos repletos de significados, esse retorno negativo tão singelo, o deixar de seguir, possivelmente equivale a uma cusparada. Agora vocês vejam, eu gostaria de dizer "que bobagem!", mas o que nos escapa é que somos, interpessoalmente, patéticos. Então, se já admiti que tudo é pessoal então ferrou porque é uma cusparada mesmo, às vezes nem é nada pessoal, você só quer seguir sites de música, mas tudo é pessoal, como me ensinou o Manolo Florentino.

Não sei se existe solução para essa falta de etiqueta, não sei se haveria um modo mais
bacana, mais explicativo, não é que eu não te ame, só não quero assinar o seu feed. É fantástico os lugares para onde a condição humana nos leva. Espero que meus colegas estejam atentos à essa oportunidade, à esse microcosmo, essa aldeia indonésia que é o Twitter.

Gostaria de ter mais cabeça e constância e escrever sobre o assunto, debater sobre ele - aliás, outra coisa bárbara no
Twitter é que você pode emitir opiniões, mas, se eu discordar dela, fica chato, ainda não aprendemos a debater; o que é uma incapacidade crônica do país, Twitter é reflexo, tudo é pessoal. Mas não resisti a essa digressão. Adoro o Twitter, adoro o cotidiano e o nada absoluto do vai pra lá vai pra cá das pessoas: cortar o dedo, ir ao médico, parir, mandar beijo. O pointless me fascina. Acima de tudo, espero que meus colegas da história valorizem esses movimentos digitais e que os analistas de redes sociais tenham lido o Questões Fundamentais da Sociologia do Georg Simmel porque eu odiaria descobrir que estou gozando aqui sozinha.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

revisões: a letargia da miséria e "O Morto"

Eu queria tudo diferente... às vezes eu acho que esse cheiro não vai sair de mim e do cabelo. Isso me espanta em você, e acendeu um cigarro, foi pra junto da janela exatamente quando passou um Maverik vermelho escrito vendo raridade. Te espanta porque não precisou comer os ovos empanados do boteco, o moço me dava até um refresco de graça, junto com ovo... ovo cozido empanado, ovo à milanesa e um refresco bem ralo de maracujá. Só queria tirar o cheiro de peão de obra. Não sinto, nunca senti, não gosto de você assim.

É o tipo de assunto sobre o qual não sinto necessidade de falar. Pensava, que sinto vergonha de falar. Justamente deve ser por isso, o sentir vergonha, a gente pensa, falar por que? Noutro lado, há de se avaliar que todas as tristes histórias exigem lucidez, sobriedade e tato para serem contadas já que tudo é repetição, tudo já aconteceu, todos os dramas humanos são repetições infinitas de dramas já ocorridos de modo que apenas para um ele fará sentido e terá força ao ser contado; para o outro é clichê, para o outro é possível alcançar o tédio.

Escrevi algumas vezes sobre a letargia da miséria. Em setembro de 2007 escrevi pela primeira vez sobre essa questão expondo (até muito) sobre as tristes coisas que me aconteceram e que aconteciam - embora aconteçam com muitas pessoas, isso não interessa, aconteceu e foi íntimo, não conheço essas outras pessoas e, mesmo se conhecesse, isso apaga o que te houve? como?
É uma história também claramente queria ser copiada de A Hora da Estrela, mas daí as coisas correram por si mesmas e o enredo terminou sendo muito diferente. Fala sobre uma mulher que trabalha numa papelaria na Saúde. A primeira parte se chama "O morto" (originalmente se chamava "O cavalo morto") e a cena se passa anos depois da papelaria, a personagem está sentada numa poltrona e dialoga com seu companheiro sobre não conseguir esquecer o passado, sobre o quanto lhe custa estar rompida com a letargia da miséria. Acredito que ela, como eu, não ache possível romper completamente. Os gostos, os cheiros, saltam, te assaltam.
Eles relembram que quando ela o conheceu, ela logo viu que ele era casado, ao que ele responde dizendo que ela tinha cara de velha embora contasse 23 anos. Obviamente ali sou eu de alterego. Sinto ainda diversas vezes o cheiro de peão de obra que é um cheiro de concreto molhado e suor rescindido, cerveja de antes de ontem. O amante diz que se espanta dela não ter se esquecido. Certas mortes nos mataram e temos de seguir com o cadáver, isso também é repetitivo na condição humana, devemos carregar nossos mortos porque, como disse Jesus, os mortos devem enterrar seus mortos. Nós, os vivos, carregamos.

Penso hoje, decidindo aqui sobre que disciplinas quero cursar esse semestre na UFRJ, sobre talvez cursar uma disciplina na PUC porque não achei caro e tal, eu conversei aqui com o marido sobre isso, que é interessante. Eu disse a ele que tinha acordado e estava pensando que se não fosse pela delicadeza de Marcelle eu não estaria decidindo essas matérias. Conheci Marcelle na escola, era uma escola particular naquela época em que somos muito novos e costumamos achar que o ideal para existir é fincarmos o pé na certeza de que o mundo é como imaginamos e ninguém deve ou pode fazer nada para mudar isso. Os adolescentes lá eram cruéis nesse sentido. Eles viviam em um mundo onde pobres não existem e eu ali, ora, vamos ignorá-la até que ela deixe de existir, ou, simplesmente ela não existe.
Eu já não existia há algum tempo. Naqueles tempos, vivia perdida em criar histórias, eu vivia das histórias e todas muito românticas, eu lia muito livro Sabrina e eu sonhava com Carlos Eduardo da Maia, vocês calculem, eu tinha fantasias com personagens do Eça de Queirós embora não entendesse completamente Os Maias, entendia o essencial do enredo. Enfim, fui estudar nesse colégio e mal tinha dinheiro pra chegar nele porque era em outra cidade, que dirá tínhamos dinheiro pra que permanecesse lá para as aulas de Espanhol que eram a tarde - porque não havia como voltar para casa, almoçar. O que quero dizer, é que ficava lá sentada criando histórias com cinquenta centavos que era o dinheiro com o qual eu ia almoçar.
Como eu tinha medo de andar pra muito longe da escola, andei por perto e achei um bar desses bares e com cinquenta centavos dava para comprar um ovo empanado; grátis,vinha um copo de refresco ralo, e os homens no bar ficavam me olhando certamente pensando que é que essa porra tá fazendo aqui e porque ela todo dia compra esse ovo. Eu não sabia que era ovo! Eu o vi do lado dos ovos rosa mas eu achei que fosse um salgadinho, imagina um salgadinho! Mas era um ovo empanado, um ovo à milanesa.
Quanto tempo passei com essa dieta? Eu vivia muito nas histórias, criando histórias que me consolavam e eu não lembrava do tempo passando. A Marcelle se tornou minha colega de turma uns dois anos depois, ou três e naquela época eu já não tinha mais bolsa de estudos integral, já era profissional em renegociar os atrasos no pagamento . Naquele período, novamente tínhamos aulas à tarde e eu pensei fodeu, mas aí ela pagava um lanche pra mim., nos acompanhávamos É uma delicadeza que a maioria nem saberia reconhecer quando visse.: ela fazia aquele me comprar um lanche com tamanha falta de compreensão do que fazia e dizia preu pedir o que quisesse porque ela era rica. Ríamos muito. Aquelas tardes foram o que de melhor guardo da escola, nosso afeto. Ela dizia que gostava de me alimentar e eu, ora, eu gosto de comer. Somos amigas ainda porque não poderia ser diferente.

A letargia da miséria acontece nesses longos períodos de fome de tudo, do corpo,, do corpo por dentro, a indignidade consecutiva de não se pertencer, o aprisionamento e, finalmente, a apatia diante dos dias. Houve um episódio em que meu tio - que é um excelente mestre de obras, muito sedutor e que hoje mora numa termas - estava consertando a caixa dágua do condomínio num dia ruim e caiu lá de cima, uns 4 ou 5 metros, quebrou vários dentes. Estava chovendo e ele abriu a porta lá de casa junto com o vento, todo deformado. Disse apenas: tá pegando, que é um bordão até engraçado. Nunca imaginei que o veria dizer aquilo de forma tão séria e trágica. Ele ficou bem, como eu disse, hoje é faz-tudo numa termas, mas usei essa cena, que me impressionou muito, na segunda parte da história Ato contínuo do morto, quando o pai da personagem cai de uma caixa dágua e morre. Mas o pai dela não é meu tio que é uma pessoa pura e alegre, esse personagem era.. isso não sei bem, a materialização da pobreza, o cheiro da pobreza, o cheiro de quem, privado por tantos períodos da integridade de si, cheira de modo permanente ao suor de um mês atrás, urina escorrida entre as pernas e a cimento. A pobreza tem outros cheiros, me lembro de dois, desse e de outro, mas o outro não consigo identificar.

A personagem conhecera seu companheiro enquanto esperava seu amante no Hotel Barão de Teffé. Mas o amante não vem (isto está no trecho O Morto - still life). O amante, Gonçalo, com medo da esposa, manda lá um amigo para avisar à moça e este fica com pena, lhe dá uns trocados pruma Coca e dá o recado-mentira a que fora instruído: ele não fora por causa da apendicite. Depois, por (ainda) pena e fascínio irremediável, esse amigo começa a ir na papelaria da moça (trecho 3 em Ato contínuo do morto), dá desculpa de que foi comprar algo, então já está apaixonado. O amigo, que era como seu irmão, descobre(4) mas aí já não há o que ser feito. Quando ele beija a personagem, a intensidade a faz pensar que ele colocaria a mão dentro do seu sutiã, o que ele não faz, e então ela vai para casa e lhe ataca uma febre, uma doença, pelas imaginações de que a mão deveria ter tocado. No trecho "O morto" a cena do diálogo termina com a personagem sendo seduzida, cotidiana, pelo seu companheiro, ela se abriu ampla como um flamingo. É feliz, então.

Esses são os textos, não coloco aqui pra não ficar uma postagem muito confusa:
O Morto: http://limaoexpresso.blogspot.com/2007/09/o-cavalo-morto.html
O morto (still life): http://limaoexpresso.blogspot.com/2007/09/o-morto-still-life.html
Ato contínuo do morto:
http://limaoexpresso.blogspot.com/2007/09/ato-contnuo-do-morto.html


domingo, 11 de julho de 2010

Tentando usar de cumplicidade com Angella Jolie

I. Dia seco

Pedi um café normal, na xícara, e eles colocaram um biscoito no pires que molhei dentro da xícara e esperei que ficasse macio, finalmente engoli. Angella estava do outro lado da mesa e discava no celular me olhando por cima das teclas e esperava que eu fosse dizer algo e ela fingia, claramente, como se eu houvesse dito pra ela pra ela vir, eu não chamei, eu bebia o café e mergulhava o biscoito para deixá-la a vontade, livre para me contar com sinceridade sua história. No entanto Angella Jolie, boneca, na casa dos 32 anos, acompanhante e depiladora com cera quente preparada por ela própria, fantástica, não agride a pele, dissolve com água, leva vidros de Karo, me olhava de cima e muda, constrangedora: a sua integridade... fincada no orgulho, na arrogância e me prestava aquele favor ali sentada comigo como se fosse meu amante impaciente.
Ela comentou do esmalte, que o acabamento nunca ficava bom mas era uma cor tendência e tinha de usar, tinha de dar um jeito, levava horas pra limpar tudo e ficava com aquele aspecto e saía em duas lavagens de louça. Me estendeu a mão, os seus dedos, eu peguei examinando, não era bonito, mas de longe quem se importa?
- Eu pinto todo dia agora porque isso aqui fica fosco, uma merda, o pior é que é um saco pra tirar ao redor da unha né, mas mulher, mulher é foda. Mas homem sendo mulher é pior né? - aí ela riu, que dentes lindos lindos - Eu faço a chuca quase todo o dia.
Eu não consigo, comentei.
- Dói...
- Dói? Ah, me respeita, passiva não tem isso não, é que mulher tem buceta, com buceta é mais fácil, a passiva só tem ali, então vamos fazer a chuca? Vai lá e faz, não dói, cê aceita os fatos e vai.
Soprava a franja que caia no olho e eu me sentia como numa poltrona morna e confortável porque ela ria, eu era um pivete na porta da lanchonete pedindo pra me pagar um hamburguer, que ela me falasse, me apaixonei e fiquei rindo jogando a cabeça pra trás, ninguém nos olhou mais do que já olhava ao entrarmos, rimos e eu me localizei numa existência que eu sempre gostaria, o meu abismo de falta, eu era um pivete na porta da lanchonete na Rua Uruguaiana roubando um suco como se fosse fome e necessidade.
- Então, como você tá agora? Fui frontal, usei de cumplicidade. Angella Jolie, boneca, 23 motivaços, detalhe de Adão, cabelos implantados na altura da cintura com fios humanos, pele morena clara, adorando anal, o cara sumiu e lhe tinha prometido um dinheiro, agora ela precisava, não queria fazer programa porque estava cansada, gastava muito tempo, ela disse, que não queria aquilo, estava apaixonada, queria calma, amor, dormir. Queria dinheiro, ótimo, eu disse demonstrando o que eu sabia fazer bem: que nada me chocava, me diga, conte. O cara era um executivo e tem essa galera que gosta de companhia pra beber pra comer depois sexo se rolar
- .. mas ele não é assim, eu não sei explicar. Eu preciso de dinheiro, mas preciso mais dele. Ele sumiu, sabe, eu sinto falta porque a gente conversava muito, a gente sonha, né? Eu sonhei que a nossa situação fosse evoluir e que, sei lá, podíamos nos ver sempre, ele podia ficar com a esposa, você já está gravando?
Não.
- Ele deixou um bilhete com o porteiro do meu prédio, fiquei mal à beça. Porque eu acho que pra você terminar a pessoa tem que aparecer, tem que falar na cara, achei muito escroto. E começou a fumar ao que o garçom disse que era proibido e ela guardou de novo o cigarro na bolsa de couro (bolsa da Lóis, bolsa da Louis) e levantamos pra ir pra outro lugar. Eu a chamava no meu íntimo de Gran Titan, usava salto, claro, a Angella tem uma correspondência com os clichês e é por isso que eu não gravo. Ela em si, Angella Jolie em si, travesti, alta, peitos belíssimos, romântica e flamenguista, sabe, o tipo de coisa que você escreve sobre e dane-se isso se vê todos os dias, não, há um toque, eu quero um olhar sobre o furtivo, emoldurá-la, eu a invento e ela não sabe pensando em extorquir o cara, foda-se porque é provável que eu nem escreva nada, pensei, como de fato não escrevi, penso, porque ficamos preocupadas com o sucesso de Armínia como uma não-atriz que protagonizava a novela das oito, assustadas. Ele ia separar de Armínia?
- Ela é linda.. não perco a novela, adoro auqela novela! quando ela fica se agarrando com o Luiz Sandro Alencar de Ferreira e eu penso que o filho da puta, ah! Tá vendo! É a sua mulher! porque ele diz que não tem ciúmes (eu li uma entrevista dele outro dia) mas sente, claro. Eu mesma sinto por ele, fico ali tensa sentindo ciumes pelo pobrezinho. Vamos pra Carioca?

O dia estava frio e por isso as minhas pernas ressecaram que ficou igual couro de cobra, conversamos. Ficou decidido que o melhor era ser na casa dela, que a gente podia tomar uma cerveja com calma. Queria abraçá-la Passiva Gran Titan, você não sabe tudo que eu sei de você e o quanto você é minha e o quanto te adultero quando te imagino sendo eu no seu próprio corpo, se movimentando harmonicamente sendo a minha própria mãe. Eu nunca vi minha mãe, Angella, eu quis contar, mas fiquei com vergonha na hora e com medo dela se sentir desprivilegiada, queria que ela se sentisse protagonizando. A ideia era publicarmos tudo, foder com a vida do cara, ela se faria umas melhorias no nariz na panturrilha, todo mundo quer saber agora disso de celebridade, ia vender. Ela achava que eu era que eu era uma grande escritora, Clarisse uh uh! e ela acendeu o cigarro e foi sincrônico o vento batendo e aqueles shows mambembes no Largo da Carioca. Eu vestia jeans e uma camiseta azul, sapatilhas. Angella Jolie veste peça única estampada, discreta, floral, perfume também floral. Foi a segunda vez que nos vimos e decidi naquela semana que iria ficar sóbria, tomar os antiinflamatórios com maior justeza.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

pequenas revisões: Aspectos cansados do sentido

Escrevi esse texto há mais de dois anos, certamente. Não me acontece agora ânimo de ir procurar a data exata, mas não é particularmente importante. É mais importante a época das coisas e à época eu era apaixonada pelo Bruno e estava conhecendo o Rafael do jeito que dava - porque do jeito que dava pra conhecer o Bruno não dava mais, aquele delicado. Escrevi, era de manhã e eu tinha ido ao mercado e jurava, sabe.. relances, jurava que no chão da calçada tinha sangue e eu desviei da mancha porque achei desrespeitoso pisar num sangue de quem eu nem conhecia. Me ocorreu esse texto porque naquela época eu sambava muito, bebia muito e vivia escrevendo, a época de outro, diz o Ronaldo. Nada.
Lia Anna Karenina que comprara no Al Farabi, todo despencando, em inglês, baratíssimo. Pensava em muitas coisas. Embora fosse a proclamada "época de ouro" eu vivia uma incompletude dessas que você olha pra pessoa e dá até dó, doem um fubá pra pobre, doem sei lá, pega aquela lata de óleo, óleo é não-perecível, né. É assim que as pessoas atendem quando você bate de porta em porta pedindo doação de alimentos, era assim que mais ou menos eu permanentemente me via.
Naquele momento - do sangue - eu pensei que, sei lá, me segura que eu tô escorregando e, porra, igual todo mundo eu queria ser salva e fui. Mais tarde, era o mesmo dia, reli para o terapeuta e ele disse que eu não queria ficar com ninguém porque termina com "Queria ser a mulher do padre". Justo, mas não niguém, hoje.. exatamente agora pensando é que percebo, mulher do padre... não é que era ninguém porque na minha cabeça Rafael era pastor e aí eu já tinha anunciado a escolha mas ia escrever "mulher do pastor"? Seria besta, besta. Pus "mulher do padre" que tem a ver também com corrida, com criança, com boas lembranças lúdicas. Mas no fim, Teresa, ela não fica com ninguém e quem acredita que sendo de alguém se tem tudo. Uma parte deve sempre ser preservada, embora acredite que amor é escravidão. Algum lugar de sombra, terra de Malboro, mata ciliada, eu quero essa parte preservada nas coxas de Teresa.

Teresa e Maria nasciam ali, personagens que apareceriam mais tarde, melhor exploradas embora inacabadas. Nomes clichês, contraposições, uma mulher fraca resignada e entregue ao amor, outra selvagem, escassa de si, desumana e livre. Segue o texto. Pretendo por algumas vezes fazer isso, explicar, me explicar. Acho que é um exercício melhor esse resgate do que insistir em escrever bobagens, tolices rasas como um pires. Esse forte gosto por complicar...

ASPECTOS CANSADOS DO SENTIDO
Passando pela calçada, disseram p'ra tomar cuidado. É sangue! Era sangue dos tiros. Mas passamos pela calçada em cima do sangue mesmo porque não era um sangue nosso, o que achei muito natural; ia ter de haver muita água dentro dos corpos pra se chorar tanta gente desconhecida. De qualquer forma, passamos na calçada e nem havia mancha nenhuma lá; mas houve, eu achava; sangue dum atropelamento. Os dias passam e a calçada desbota mesmo. É coisa do tempo, desbota e apaga que ali tinha tido muita tragédia, tragédia de cruzamentos e que iam sumindo um mais ou um menos.

Pensei que partíamos, mas só andávamos na calçada quase sentidos da pouca certeza que assim entre nós se estabelecia então. Maria não poderia se chamar outro nome se não não seria Maria, seria uma outra pessoa que não faço idéia de quem seja, Maria, se se chamasse
Sandra, talvez fosse até parecida mas, por exemplo, se fosse Laura, ia ser outra sem o menor sentido. Maria se chamava Maria porque Maria é o nome de toda heroína de doçura resignada, retardada; já muito diferente de Teresa. Teresa descia o morro de Santa à pé porque achava desaforo pagar 60 centavos de bonde. Teresa tem umas coxas tão duras que eu queria morar numa casa feita nas coxas de Teresa. Teresa sabe ser doce, mas geralmente nunca é porque são passagens da rudeza da vida, igual a calçada, a doçura em fade in. Teresa nas histórias é sempre toda combatida (ou combalida?) e declara neste ato que gosta mesmo é de ser comida de quatro.

Mas não é de Teresa que íamos dizendo, mas de Maria. Maria apaixonou-se, como já era de se esperar, e íamos todos passando pela calçada. Ele disse: reter a existência me empobrece a alma... Como Maria não tivesse mais nem um centavo e a alma já não lhe nunca pertencesse mais, chamou hipérbole e sacou o próprio corpo, atirou-se em baixo do ônibus vindo, imagino que por pensar muito forte que fosse Anna Karenina. Era assim de fazer tudo nos seus impulsos fracos, mas extremados, porque sentiu-se culpada por não saber fazer mais nada além de querer segurar o tantinho que tinha, não só daquele amor histérico, mas daquela razão calma que lhe dava sentido e identificava para além da inveja que sentia de Teresa, ficava feliz com ele assim de ser Maria por ser bem querida e cantada de tiara branca: nunca antes havia sido notada. Ele disse: isso é coisa que demora, não é assimmas, sabia lá ele que o tempo de Maria, ou o meu, de Sandra, Dita - não o de Tereza que não precisava de ninguém - demorava exactos dois segundos pra fazer uma hora? Ele escorria (o tempo), vazava e correndo no meio fio não há água que fique potável! Ela não pôde e o que fez, implorar, entristecia por gargalhadas a alma do seu rapaz que não a mais quis. My love grows more and more passionate and selfish, while his is dying, and thats why we are drifting apart.

Eu lembrava Maria, devia lembrar porque minha mãe constantemente me chamava assim, mas nunca realmente a conheci.Tinha sangue na calçada, mas algo muito insinuado já tão ido, alguém tinha caído e batido com a cabeça. Eu segurei a sua mão um pouco aflita e disse: me segura qu'eu tô escorregando. Assíndeta nessas coisas imperiosas d'eu ter te conhecido... Queria ser a mulher do padre.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Limão Expresso no Twitter

Salvou-se a nossa alma, como um pássaro do laço dos passarinheiros; quebrou-se o laço, e nós nos vimos livres. (Salmo 124)


Limão Expresso é um fruto do limoeiro pra entregas rápidas. Tambor aforista, traz a pessoa amada em três dias.

Indo na sua vocação, que é velha, em falar pequeno, em falar difícil, em desentender e, PRINCIPALMENTE, em musicar fictiones fictionadas, o Limão Expresso está passarinhando no Twitter.

Administrado por mim e pelo Luis Eduardo - nós dois admiradores daquela fantástica personagem que é a Bicha Android, nós dois que nos amamos e bebemos às 4ª num boteco arrendado pela Irmandade de Ns. do Rosário e Igreja de São Benedito dos Pretos - a conta vem recortando os textos que já conhecemos e outros que não, não sei cadê, e é isso. Está lá.

Proposta: recortar, subescrever, pretender. Ter na timeline uma pausa que, estranha, refresca.



SEGUIR @LEXPRESSO

Setembro de 2008:
(esses povos fronteiriços pensam que devo apenas transitar por eles e há você, meu amor, você que comigo formou um dadosnós; você que agora vai comigo quando páro de ser minha pra dar pra todo mundo, pra todas as gentes no meio do gás, do petróleo, da religião, dos Porcas de Murça e da merda. derretidinha, maníaca, exótica. e a minha mãe)

domingo, 13 de junho de 2010

Sendo a anti-Mulher Perdigueira

12/06/2010
Oi Pri
Realmente, não foi nem um pouco fácil falar com ele. Ele ficou P. da vida comigo, disse que eu achava que ele era um vagabundo e um sanguessuga! Eu fiquei me sentindo muito mal, porque apesar de tudo ele sempre foi um amor comigo. Mas no final das contas, ele prometeu pensar na vida dele e tomar uma decisão. Agora é esperar para ver.
Valeu pela ajuda, vc é muito fofinha e carinhosa!
Bjos

13/06/10
Minha querida, estou pensando aqui agora depois duma briga que tive em pleno dia dos namorados. Não, não foi uma briga, foi eu ter acordado carinhosa e disposta, com planos de um dia dedicado e delicado. Fui frustrada do começo ao fim. Outro dia chorei loucamente porque ele saiu sem me dar um beijinho nem dizer tchau à porta. Penso, há quantas semanas estou correndo atrás e sendo rejeitada sistematicamente.

Então fui e falei. Veja, eu não sou tão incrível quanto gosto de fazer vocês pensarem, não sou. Meu negócio é ser qualquer uma, sabe, uma mulher que lava à louça? Eu queria que ele tivesse catado uma flor na vizinha e colocado no meu cabelo recem escovado e pranchado.
Ele tem estado cansado. Eu disse como me sentia e ele ficou p. da vida comigo, disse que eu estava pensando que era fácil aguentar o cansaço e tanto trabalho como ele estava aguentando. Eu fiquei me sentindo muito mal porque, apesar de tudo, ele sempre foi um amor comigo.

Homens - e quando digo homens digo o homem médio, o homem da vida real consagrado pelo ocidente cristão-judaico-candomblecista - tem esse poder, esse enorme talento e poder de desvirtuar a verdade. E é algo que fala fundo e alinhado com o nosso catolicismo de ver delícias e mais delícias na culpa. Aceitamos a culpa, despercebemos o que pra gente estava claro como a luz do sol: quem está ferida aqui é ela e pelo motivo tal e tal, não vamos ficar concorrendo em quem tá com o joelho mais ralado.

Não sei o que dizer sobre o seu caso, nem sobre o meu. Penso que eles aprendem a fazer isso na escola. O Rafael diz que é por isso que os homens preferem as Mulheres Perdigueiras do Carpinejar.
Concluí que a mulher só pode amar se tiver um revólver.


Espero que as coisas realmente melhorem por aí, que seu rapaz realmente repense e se regenere. E que você permaneça firme da verdade que está posta: é um sanguessuga. Eu que te agradeço o carinho e a fofura que sempre tem tido comigo.

Beijo beijo
Pri


Mulher Perdigueira é o último lindo livro de Fabrício Carinejar

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Show me from behind the wall

Só quero ficar perto dos meus amigos e de quem gosta realmente de mim. Ou pelo menos de quem eu acredito que gosta. é claro que muitas vezes a gente erra feio. Só quero estar em lugares onde sou bem recebido. A vida é curta, meu irmão. Eu sei, porque estive quase do outro lado. E já que não fui, quero passar os anos que ganhei de "bônus" de um jeito que eu me admire por minhas atitudes.
(Bortolotto, em 06/06/10,
Atire no Dramaturgo)

Alguns me desconhecem e não suporto ser desconhecida. Não falo dos de fora, dos que nunca vi eu falo das pessoas da minha convivência, possivelmente do meu afeto e que belo dia chegam e me desconhecem e apontam só o que eu não sou. Vejam o caso da Luana; minha amiga de sempre, minha parte de alma andando por aí com os cabelos compridos e o sotaque do sul. Extremamente viva e forte, gastávamos um tempo na frente do espelho experimentando roupas, comentando nada, colocando óculos, pensando em como se chamaria nossa banda, pensando na melhor posição pra colocar o OB. Nossa banda se chamaria "Chinelo Chinês" porque a gente gostava de usar os chinelinhos da Saara. Minha irmã, não sei se entendem, quem não conviveu conosco não vai entender porque é raro quando duas pessoas cujo útero nem tem nada a ver serem tão fraternalmente próximas. Eu penso nela sempre, que me desconheceu um dia e disse que eu pisava em cima dos mais humildes, que me vangloriava por ser Zona Sul.
Penso nela com freqüência - não sei se já disse - porque ela sumiu depois disso e é como se nunca tivéssemos existido, nós duas e todas as coisas que passamos. Ela conheceu o que eu sou, de onde vim, passou o que eu passei. Agora eu fico nesse velório de caixão vazio sem entender porra nenhuma.

Quem não me entende não me interessa. Ela e os outros, não me interessam. Só quem sabe o que já me houve é que entende a minha felicidade de estar ali com a mão cheia de cloro lavando a privada da minha casa. Uma alegria, um carinho que eu tenho limpando os azulejos em movimentos circulares e sentindo como a esponja escorrega nas partes já sem lodo. Só quero os do meu afeto, que me vejam e onde eu me vejo. Quem me estranha serve pra que eu afirme intolerantemente quem eu não sou e só assim alguém se forja.

Só os do meu afeto.

domingo, 6 de junho de 2010

Rafael me escreve, diz que prefere a fala e duvida dos dedos


Rafael me escreve
06 de junho
de 2010
tem aqueles com dedos mais enrolados que a língua.
nunca sei se convenço porque falo bonito ou porque nunca miro nos olhos.

com os dedos não sei dizer muita coisa; e mal convenço quando passo eles na bunda que gosto.

minha literatura tá na língua, mesmo quando guardada na boca.




E eu lhe respondo
28 de abril de 2008

então... as minhas palavras precisam dumas suas pra soarem um pouco mais que sempre disseram

(com tanto, já desentendem) e precisam reverberar no que você me permite, no que me exige. e se não no corpo, aonde? sinto no corpo, sinto e espero a dor, então preciso das palavras denotadas. você as diz.
queria completar essas frases que são bem simples (imaginei bem simples) foi assim que me esqueci do...
umas tantas vezes fiz só silêncio e você perguntou: pensando em que? perco a expressão em minutos-litros quando te amo e não relembro. uns diálogos massivos com teu olho, e outro olho que ficam olhando em cima de mim. já me vi lá: lugar verde, os cabelos espalhando, uns modos de perdição brutal

sua metalíngua na minha boca.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Esquecidos, imaginários: que presenciara tantos encontros


O reverso da história é nada, creia-me

Diálogos imaginários de histórias imaginadas são a profusão nas idas ao mercadinho, nos cinco minutos antes de dormir. A inventividade, a intimidade com os lugares e as pessoas nos lugares com roupa sem roupa e o que elas trocam, mais do que dizem, como se esfregam extremamente perto do que gostariam de mostrar, o que gostariam de ser. Esbarrar o cotovelo em alguém na saída lotada do metrô, realmente às seis, não deixemos falhar. Não deixemos que de manhã, com luz, eu já não me lembre das histórias nem dos cenários, ou do que disseram e principalmente o que ficou forjado como silêncio, necessário ao segredo da retórica lembrada minutos depois, aquilo de deveria ter sido dito, eu não gostaria que sumisse. O teletrompter dos sem atitude oral, a agressividade de ser, no desejo, a junção sincrônica do ser e estar ali bem ali no movimento perfeito número 3 do seu corpo, do seu corpo.

Bem, se conheciam. O tempo bastante pode variar e neles era curto, com memórias seletivas dos momentos mais duros e importantes, aquilo os ligava. Ele sentado na escada à porta, ela que chega pela manhã com o dia nascendo do trabalho, ela que chega de manhã com sandálias de plástico que lhe deixam os pés levemente tortos, ela que já tem as pernas quase arqueadas. Cheia de varizes. Ele, percebam, de perto, belo e com seu rosto farpado, desses que doem posto que deliciosamente doem na junção dum rosto com um peito, dois mamilos. Ela chega - vemos apenas suas pernas, as ligeiras varizes, a barra de um vestido velho, embora muito social, e que ela pára e o vê sentado. Ela estanca. Não posso me lembrar do que dizem, visto que formulei à noite e agora apenas sinto que sinto que havia um erro lá naquela estada, na escada, dele homem, belo, conhecido, amarelo, consubstanciado ao Pai que ela não merecia e anos depois rejeitara; que lhe fizera um filho e ele não mudou nada, parecia o mesmo encostado na cerca esperando as ordens e os cavalos, na terra. Frondosa Ana Vera que ele fez se abrir e suar demais nas coxas enfiando e enfiando escorregadiamente até que ela pensou que era ali, estava ali consigo mesma no seu auto-endosso, been there done that, até que engravidasse ali mesmo após repetidos encontros com um homem que mal articulava palavras, como todos ali que ela presenciava: a miséria é muda, ao seu redor as pessoas, as coisas e os cavalos não tem nome, a miséria é confusa e ruidosa e a todos nós afoga vez por outra.
Ele parecia o mesmo. Quantas vezes Ana Vera, mulher já refletida, se pensava no espelho e calculava a quantidade de creme aplicável à devolução do passado, para que prosseguisse como era a pele que presenciara aqueles e tantos encontros. Seus. No entanto ele era ali o mesmo e era como nem poderia se lembrar, o mais braços, o mais novela, o mais sabia chupar um pedacinho junto da orelha derramando saliva no inescapável. Ela, tivera o filho. Ana Vera tivera o filho e em toda cidade ela tivera uma filha a qual recebera o nome de dezenas de tias e primas e outras filhas mortas antes de saberem até andar ou que foram atropeladas por algum trem ou tiveram meningite, câncer. Dias depois ainda olhava bem diante dos seus olhos a poeira canalizada pela luz do sol, incapaz do sangue ou do amor, da placenta, de si, das moscas voando porque aquele lugar era sujo, sempre sujo e tinham as moscas.
Fugiu, fez as malas, fugiu e foi como um chá abortivo. A vida oportuna, o esconderijo de um nascimento como se jamais houvera sido, muito menos seu, o encanto com as casas, com a cidade, com os novos sons e as vastas oportunidades de acotovelar-se realmente às seis num comboio cheio e isso não é troca é esbarro e os dois e os demais permanecem desconhecidos e sós numa sensação delirante de corpos não reconhecidos que é assim... agradável. A filha se lembrara que na cidade chovia mais em janeiro como antes, passou-lhe rapidamente a imagem da primeira boneca na cerca onde se abraçara ontem veementemente num sanar da dor. De chinelos e vestido chorou inaudível.

Todos esses anos que se passaram, teve, e era de se esperar, de sustentar por pouco o susto e o pavor. Da volta dos ossos ou da boca. Não me recordo.
Era claro, ele rescindia a mordida e suor. O cheiro impregnou e virou limo nas paredes do corredor que levava à casa simples feita de concreto, tudo cinza e húmido, e agradável, com vasos de planta junto da porta e do carpete. Parada como só quem se vê com as peles caindo lentamente, impossível na contenção dos dias dos homens e das cervejas, os peitos e a bunda e o envelhecimento no encontro com o que não, não que isso não existe mais. Parou com susto, dirão que horror safado. Levantemo-nos honrosamente no momento da volta.
- Ana, tô no Rio pra te achar; ele anunciou.

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imagem: Janteloa, flickr.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Esbofetada

Sigo com Nelson (vou dizer mais tarde que essa é uma semana Nelson Rodrigues e que ela tem sido meu ânimo nesses dias em que ando tão caminhando prum lado de mim onde me descolo exatamente de mim). A Vida chave de Como Ela É: uma das chave de compreensão da obra rodrigueana e delícia perfeita é "A Esbofeteada". Assistam.
No final, depois de respirar, pegar a bicicleta, comprar um sonho na padaria e outros etceteras depurativos, reflitam: quando a Globo produziria algo assim novamente? Reflitam. Elegância e arejamento, never again?


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Retomada: Sobre Pascal e fictionadas fictiones

Escrever não é nunca o caminho mais curto para ir de um ser ao outro; escrever não é mais que perversão e diversão, pretextos falsos e saídas falsas, atalhos, metáforas.
(M. Schneider, sobre Pascal)
Sim, é mera conversa. Mas por que é mera conversa? Porque, meu amigo, beleza, pureza, respeitabilidade, religião, moralidade, arte, patriotismo, bravura e descanso não são nada além de palavras que eu ou qualquer um podem colocar ou tirar como uma luva.
(Bernard Shaw, Don Juan, Ato III)

Me pergunto apenas - a la Borges - se não estamos raciocinado ao contrário. O reverso da história é nada. Creia-me.


Sobre o Pascal, foi perturbador. Como eu disse, fiquei meio ah porra (certamente porque me propus a traduzir) com toda a construção, o formato que o M. Schneider deu ao texto. Aliás, foi desse artigo que você comentou outro dia dizendo que eu ia achar interessante por abordar a forma? Sim, a forma me interessa sempre.

Nunca li o Pascal, quero ir ver o cara, quero ver que porra de bad trip foi essa onde ele embarcou e fiquei tentada a me identificar. Os tempos são outros, mas ficou impossível pra mim não perceber exatamente a ânsia de escrever e pensar. Sabe, falamos outro dia de que bom abrir o jogo, mas há certas coisas que eu ainda não abri. Detesto telefones, pronto. Falar pra mim é uma bosta dum sacrifício e que terapia ajuda? Aliás, preciso de grana pra voltar, tô decaindo. Discordo de você sobre que a química é que funciona melhor. Meu caro Basil, a comunicação falada e escrita já não te provam o suficiente a onda que causam?
Lembro duns dias tenebrosos que passei bebendo e sambando com um amigo. Ele diz que foi minha época de ouro e, de fato, jamais produzi como naquelas semanas fantásticas, jamais cheguei em casa sem fazer ideia de como e sem fazer ideia do que estava escrito pelos braços e pelas coxas - papeis de derme, acessíveis. Era existir de uma forma nova e ilimitada, eu fiz do português a minha droga catalisada pelo álcool, muito bem catalisada.
Detesto ter de falar porque esse nunca foi meu canal. O que sai é um engano mais completo que o habitual e o esperado, porque a comunicação é sempre um mal entendido. Quando escrevo, tenho a oportunidade de malentender menos.

Foi o que admirei naquele dia em que você contou a história da carona na chuva. Dizer escrito, isso é tão raro, momento realmente precioso e te agradeço, não vou esquecer.
Pascal deve ter sido desses voluntariamente mudos, que não suportam os erros grosseiros da língua imposta pela voz, costurada nas conversas faladas. Porque a mente não acompanha. Minto. Por dentro...

O estilo me interessa.

208. Toma consigo Pedro, Tiago e João, e cheio de aflição lhes disse que sua alma estava triste até a morte.
209 Se aproxima deles
210 Mas ou menos a tiro de piedra
211 Reza. 212 Rosto em terra.
213 Três vezes.

(Sequencia do Breviário da Vida de Jesus Cristo)

É cinema. Aproximação sussurrada, de zoom intenso em cima da cena, de desfocar, sabe como é? Cê capta o suor do cara e você sente o cheiro de dor que é o que me interessa. Isso é recriar no outro, leitor/espectador, por memória solidária, o efeito, a química, não sei se consigo explicar.

O que o pessoal lá não entende - e dizer não é meu caminho, não consigo defender nem o que eu amo, caráter fraco - o que não entendem é que literatura não é ficção. Por isso eu perguntei "e vão acreditar?" porque a maioria sequer consegue fazer a associação lógica e correta entre literatura, poesia e ficção. Literatura = ficção, e isso incomoda o Fulano porque aí não é história, é estória, é a metade pra trás do Negras Raízes. Fiction, story, carochinha. Fazer sentir de perto a memória da dor, do problema, do prazer - o que os recria em inegável verdade, memória presente, não apenas lembrança - é arte.

Igualmente incapaz de ver la nada de donde viene y el infinito en el que está ahogado, qué hará pues sino percibir alguna apariencia en medio de las cosas en una eterna desesperanza de conocer ni su principio ni su fin.

Odeio telefones porque aí já é covardia grossa porque eu fico ali sem ter nem um gesticular onde me fiar, não tem nada, fico nervosíssima, mas não tem jeito porque vou ficar sem o celular? Não dá.

Bem, preciso fazer as unhas.
O outro disse que se você me encher muito o saco preu trocar de animal.
Mais vale um cavalo que me derrube

besos
Pri

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email meu dito sobre "La melancolia de escribir", artigo de Michel Schneider

Pausa: Nelson e a mulher batata


Grave e triste, adverte: "Isto que você está fazendo comigo é uma perversidade, uma malvadeza! Vamos que o meu marido não esteja lá. Já imaginou o meu desgosto? Você acha o que? Que posso continuar vivendo com meu marido, sabendo que ele me traiu?" E confessou num arrepio intenso: "Tenho medo! Tenho medo!" Durante toda a viagem para o estádio, a outra foi-se justificando: "Estou até a te fazer um favor, compreendeste?" Rosinha suspira em profundidade: "Se Romário não estiver lá, eu me separo!". A outra ralhou:
- Parei com teu erradismo! Separar por quê? Queres saber duma? A única coisa que justifica a separação é a falta de amor. Acabou-se o amor, cada um vai pro seu lado e pronto. Mas a infidelidade, não. Não é motivo. A mulher batata é a que sabe ser traída.

(Nelson, "Homem fiel" in:
Elas gostam de apanhar. Rio de Janeiro: Agir, 2007.
Imagem: Big Book of the Legs. Alemanha: Taschen, 2009)



quarta-feira, 19 de maio de 2010

Modinhas para fêmeas: Mirtes


Las miradas de tus ojos son tan sutiles que penetran en el alma de quien los mire.

Said she was a killer, now i know, i'ts true [hey, go get the doctor / doctor came too late]

A cidade mais ingênua, replicadora de crismas e parentescos não-permitidos, dessas; sentou-se no bar duma dessas. Sei que fica atento, mas é para incompreender o que lhe escapa, para observar os primos em flerte donde nascerão amores endogâmicos. Velhas senhoras, mendigos inéditos. Me escapa como choram os homens, se com as mãos unidas, se comendo, se silenciosos ou se cansados igual todos a quem a dor se impõe. Esse tinha a cara seca , que se diga pois não mancharia aqui nenhuma honra. O nome que me pronuncia como mais do que deveria lembrar...

Há na dor todas as coisas externas do haver sido bom, digo as dores da alma, do haver sido bom e de se ter perdido - sempre bestamente - o divino paraíso ao qual, não se sabia, estava de acesso. Ela em seus olhos porque tem uma boca que molha vasta e - como mente bonito - casta. Ela é branca e maligna, Mirtes tinha os olhos malignos.

Ele se aproximou arrastando a cadeira com a bunda. Quantos outros mortos, quantos no front dum amor só dela haviam ficado? Tantos muitos outros e, se não se atrevia a contar as mulheres, era por religião. Reconheceu-se mártir na suposição furada de existir e reproduzir-se na identidade mediante as próprias escolhas que nunca fizera; porque Mirtes é mulher de arrastamentos.
- Ela nada reconhece, explicou com a cerveja, tão quente está esta tarde.
Ela, dita Mirtes, nos vinha a todos em promessas escrotamente cálidas de uma aproximação de sua boca, com suas palavras e seus afetos. Quem não se empenhava? Quem não salientava , e mesmo salivava!, ver na própria destruição a reunião possível de si consigo, a paz, em Eva, em Deus, na cobra falante trepada na árvore?
Ela, ditosa Mirtes, tem seus olhos que são malignos e que destrõem a ele, a cerveja do dia quentes, aos incontáveis e a mim. Aquele com sua cerveja à tarde, com o copo entupindo, não lhe descreveria tão bem como eu que lhe conheço em vontades, em vozes e em contornos porque, porra, poesia sou eu. Ela mente com a boca sempre eterna e molhada, é da coqueterie e tem o útero fantástico, um útero mitológico. Se é fêmea!
Mirtes se propõe a uma conversa, a uma fotografia, eu a vejo lá longe em conversas, fotografias, ajusto a máquina quando ela sai rosada já que ela e branca e lindamente má, inescrutável, valorosa mãe. Eu a gostaria.
No domingo, dominós. Belo Horizonte é com seus prédios agora, para o alto como já se disse, mendigos inéditos. Eu imploro com eles o olhar que é dela e consumidor, burning paradise. Ela ama as mesmas ruas de uma cidade onde cresceu, e por onde andou e onde aprendeu a arte do bem querer, da agradável companhia, sua exogamia. Gosto quando ela usa as palavras com a boca nude de olhos pintados: demarcação. Mirtes me elogiou semana passada, quase morri.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Duas histórias de casal


1.
Satisfação completa. Uma reunião entre você e todas as mentiras curtas que me foram contadas nessas últimas semanas, foi com o que sentamos e com o que bebemos. Acredito piamente que tenhamos brindado. Era um restaurante rico em detalhes rendados no teto rebaixado, rico em pessoas se expressando livremente entre uma textura e outra especial de arroz. Você me deixa e me inundo disso, dessa impossibilidade de encaixe em mim causada pela felicidade atroz da certeza de que, no fim, te mato. Divórcio é pros fracos, chadornnei um pouco antes do xixi.

2.
A janela, pela fresta cândida, exibia uma noite com estrelas como é raro porque as luzes vão até muito alto e nos separam do cosmo. Meu cosmo, meu sol em torno de quem eu girava, em torno de quem eu preparava almoços com mãos santificadas, era o cloro. Com você esmaeci minhas digitais, com você esvaziei minhas bolsas, minha carteira. Você tão copérnico, me convenceu de que não deveria girar nunca em minha volta, era eu quem deveria buscar, tonta, me esfolar nas suas explosões nucleares. Mas eu sentia tanto gozo. Eu realmente sentia tanto gozo. Quero de volta os seus abusos, que você me bata, que você me retire. Me arrependo, pois.
Eu disse a todos que o que eu fazia? Eu não sei! Era uma noite como essa, vazia e eu perguntava arroz ou macarrão e via que o alho estava no fim eu não compreendo que tão logo você estaria escorregando vermelho... Me arrependo! Vê? Não vê? Eu amei você mais ali, amei mais do que cosmogonicamente, gimnospermicamente gostaria. Seu peito, seu pau, seus cabelos vermelhos e seu pé escorregando no sangue-piscina que eu formei manchando o recibo apertado do alugel. Aí você foi caindo e não houve mais volta dos seus doces abusos, das suas doces humilhações, sua doce explosão estropiadora. Guardo ainda no cantinho do sutiã o seu horror, com toda candidíase devida nessa noite santificada à cloro. Divórcio é pros fracos.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Preservada a infância

I'm about to drop
My head's a mess
The only salvation is
I'll never see you again

Fazia alguns anos, pensara em se desfazer da boneca. Sentada e de vestido, mas não aconteceu de ter realmente coragem, nem impulso, por isso ficou ali olhando parada com olhos vítreos iguais aos dela agora porque, saciada, nada mais permanecia para ser visto.

Aconteceu que morava ali cerca de dois anos e cinco meses, preservava do mesmo modo a poltrona marrom que integrava de modo inseparável a mesma infância em que passava na casa do avô assistindo à violentos churrascos em domingos chuvosos. Como o pai bebia aos gritos e a queimara com um espeto, assumiu o casamento aos nove e dele não pôde mais quitar como a mãe: companheira e amiga, eterna confidente 1958-1997. Seu visitante, o homem, deitou do seu lado e entrava nela muitas vezes enquanto ela lambia a própria boca. O apartamento era fechado e basicamente úmido, escondido. Sobre a boneca, vestia-se de verde e compunha bem o esquema de cor de árvore, sua alameda. Os visitantes que já recebera... Foi generosa com a lembrança porque a lembrança dos outros sempre lhe ocorria na hora como reunião dos aprendizados anteriores, livro dos prazeres e dos esgotos; ao que ela respeitava. Seu visitante gozara, ela gozara for sure, ele dormia um sono e um suspiro morno. Elas se olharam e, embora possamos todos aqui imaginar nos segredos que as bonecas partilham, elas nada partilham fora do olhar cuidadosamente projetado, replicado pela valorosa indústria de olhos de brinquedo. Nunca houvera testemunha afora ela.

O apartamento é agradável e a geladera cheia. O visitante era doce. É uma babaquice achar que se deve realmente reunir coragem e se desfazer da boneca, do marrom, da missa dominical e dos homens que eram todos maus e que ela fazia questão de escolhê-los assim, evidenciando sua teoria cosmológica. Embora agora não, delícia, assopro na orelha, porra nas coxas, folhas prum chá. Um chá, na cozinha que é singela, mas bem aparelhada, a faria dormir.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Cartas de Alforrias Fluminenses: alguns casos interessantes entre 1830 e 1871


Organizado pela Maffalda e inspirado pelo Fred Guth, o Café 22 é um seminário que reúne pessoas interessadas em partilha de paixões. Sobre tecnologia, psicologia, criatividade ou experiências pessoais, as falas se desenvolvem em 15 minutos que abrem um leque de questões e admirações postos para rodar durante os coffe breaks e por toooda longa noite de lindeza etílica que se segue.

No encontro de ontem , falei um pouco sobre a pesquisa que desenvolvi durante a graduação na UERJ e que pretendo dar continuidade entre ler murs do IFCS; a minha paixão. Nos meus 15 minutos, partilhei algumas histórias curiosas, pertubadoras ou cômicas retiradas de um universo de mais de 17 mil cartas de alforria com que convivi nos últimos 4 anos. Curiosas ou perturbadoras (provocadoras também é uma boa palavra) porque nos dizem de cenários sobre a escravidão brasileira que ultrapassam bastante aqueles do senso comum, das novelas, das aulas da tia Carminha. O regime escravista, integrante nacional íntimo durante mais de trezentos anos, deixou mais do que um país dividido entre brancos e negros, bons e maus, deixou uma bizarra confusão de histórias interrompidas, negociações, trepadas e estratégias de sobrevivência. Certo, já estou alongando.

Fica aí em baixo a apresentação em Power Point que rolou ontem, uma versão melhorada porque repensei umas coisas e apliquei as dicas dadas pela Bia Quadros sobre uma boa apresentação com slides. Enxuguei umas informações e acrescentei outras que faltaram (como o significado da palavra "alforria", tem horas que as coisas fogem da cabeça). Acho que ficou mais bacana pra quem quiser usar em aulas, cursinhos, sei lá. Fiquem à vontade e escrevam se tiverem alguma dúvida.

Obrigada pela atenção, abertura e carinho. Eu não esperava tanto porque história era a melhor aula pra dormir.

Hasta, amigos!

CAFE 22 . APRESENTAÇÃO EM PPT "Cartas de Alforria flumin..." e video da fala


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