quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Coincidência noturna anterior

Coincidência noturna anterior
parece difícil transformar em texto e realmente é. intimidades elementares só pedem silêncio pra paralisias convulsas e, desse jeito, não se sabe direito como me tornei diversa, como foi que quis te procurar com as mãos e vocalizar sentidos que nunca expressei. são todas imagens que, de tão aproximadas, são muito turvas: te procurar com as mãos, com os dedos e as unhas num movimento tão irreconhecível que é coisa de dar passos pra trás.

ineficiente.

se eu escrevesse a palavra, escreveria num espelho pra ter coragem de olhar (pra ele) em dizeres, de dizer que foi um salto do desejo, suprimir o que até hoje me pareceu proibitivo. saltando pelas sacadas, prestando
uma atenção suicida, aturdi mil beijos pelo seu pescoço e desenhei quadris perfeitos pra encaixe, mas não menti: quis estar infugível contra paredes.
a impressão que se tinha dali era que o querer estava vindo e agora era seu. era eu que te acordava, que achava hora pra parar os seus sonhos, que te procurava com as mãos, que te engolia dos seus sonos, que fazia cercos de língua e de realidade como se fossem cafeína.
e o que mais havia de ser? eu bocejava e sentia os seus dedos em mim. eu reclamava mais cinco minutos e só o que tinha era o preenchimento de todos os vazios universais pelos teus dedos em mim, pelos meus dedos em mim, pela vontade de me esconder, pelo meu excesso de pudores. parece tanto estranho dizer mas, digo, é urgente que se saiba que você circunscreveu meus seios e que você me ladeou e que houve essa posse e que fui pelos cabelos puxada. violentamente estive devota.

simplesmente quis devassar, singelamente forçada, frondosamente aberta. eu quis joelhos, quis ponta dos pés, quis beber e transformar em texto parece fácil, se você soubesse das exigências que... podia mesmo ser toda sonolências e se eu dormir e se você me morde, se eu te chupo; são percepções acetinadas do não comparecimento. apareço esmagada entre os dentes. li teu cartão pela vigésima vez. li teu livro agora e foi pela insistência da sua demora que me toquei gostoso.

domingo, 5 de outubro de 2008

Descobrindo o auto-gonzo

Por que se segurando?

porque se não saem textos não-amadurecidos demais,verdes-limão demais e cheios desses delírios demais. não consigo mais não usar um porra: se o porra e o caralho forem extintos, vou ter de vender laranjas na feira

Descobrindo o auto-gonzo
estou radicalmente poluída por uma série de pessoas que se juntaram nas ultimas semanas: sarah silverman, dahmer, hunter thompson y pereio.


estou sozinha aqui, sábado a noite, ninguém põe as caras, que resta? me recuso a me masturbar. me recuso a escrever.
minha vida social foi enterrada por um namorado violento.


é que minha boca está nos dedos
e que meu corpo inteiro, nas mãos
a minha alma só sabe se escrever, não fala, não mexe
não conversa com as pessoas na rua, não dá bom dia
minha alma é tão gonzo que saiu fora de mim porque sou careta

e aí é que explico: por isso bebo
é quando meu corpo vai descansar e a minha alma pode enfim ir. um saco esse negócio de morar em dedo. quem mora em dedo é unha.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O meu irmão retardado


visão do paraíso
a primeira vez que vi meu filho eu não vi meu filho, eu não vi nada. na primeira vez eu vi e era ele com uma cabeça quase do tamanho do corpo e os tubos que drenavam a água. acho que não gritei porque nunca grito. mas era lá eu, a primeira vez e era meu filho. que mãe animada! ele não tava morto. eu nunca mais tinha acordado.

O meu irmão retardado
Eu tinha tudo para ser infeliz e aí eu sou infeliz uma vez de cada vez, mais só. Tão só que nem em terceira pessoa iria rir e não só por estar vazio de gente: só pelo excesso dos mortos. Lembro que já fui pequena um dia e que dançava, que queria dançar num balé, não dá pra saber agora, mas dançava e dizia que mãe, eu quero mesmo é um dia dançar todos os dias. Naqueles meses tínhamos um sofá vermelho que não dava pra deitar no calor porque virava uma piscina de suor. Ela dizia que, filha, dançar é bonito, mas você não vai dançar. Eu achava muito engraçado esse desentendimento, eu achava muito engraçado que ninguém entendesse que eu ia dançar e então os anos se passaram e as minhas juntas foram ganhando ângulos cada vez menores até que não dançassem mais.
Queria que o Bruno entendesse, quando come um pão barrado de nada que, se eu como Qualy, isso não me deixa mais acesa, isso não me deixa mais esperta, nem mais tranquila. O Bruno achou que não devíamos nunca estar. O Bruno acha que não, nada deve dançar muito, que são planos engraçados, sonhos muito engraçados, lindos, que a gente é bem feliz, muito, muito feliz só quando as juntas atrofiam e você está obrigado a desistir de dançar, de beber e de trepar. Afinal ele me deu um beijo porque o obriguei. Afinal ele iria embora e eu não o veria mais e me encostaria a boca paternalmente, quase maritalmente, dum modo que nunca mais esqueci. Digo do Bruno porque ele me pensa quem eu não sou: alguém que lhe é diferente, e não sou. Digo, sim: danço com as juntas atrofiadas porque juntos e atrofiados ficarão todos os meus enredos.

Minha casa é infinita de absolutos vazios, e de pobreza e de jornais pulp reality fluminenses. Esses de trem, flores cinza-pedaços-de-outros-papéis-cinzas fluminenses. E a minha casa tem mais arte que a privada do Duchamps e a minha casa tem privadas em muitos cômodos e tem uma tampa de privada em baixo do armário da cozinha, e tem uma área de serviço e tem uma escova de dentes muito velha na fruteira depois que alguém pintou os cabelos com ela. Penso que não é por falta de quem bem me queira, porque não é, porque tenho: eu tinha tudo para ser infeliz e sou infeliz por uma vez de cada vez, cada vez que aqui mais cercada da dor dos outros, da mais só. E a casa cada vez mais suja com um saco de lixo guardado não sei porque, e outros, e um fogão novinho, e um microondas novinho, e uma churrasqueira novinha em que nunca faremos churrascos dum lixo novinho que produzimos tentando não comer as peles dos frangos.
Aqui é muito sujo, a vizinha neopentencostal tem uma voz muito bonita mas, se não se cuidar, vai perdê-la, mas Deus deu o dom e vai cuidar. Deus deu o dom e vai cuidar. Deus me deu o dom de escrever porque queria me cuidar. Aqueles hinos evangélicos enchendo o saco e então eu atinei que iria escrever com o desespero de quem toma chá na Colombo sem nem um real no bolso, com o desespero de quem tem uma privada usada na varanda, com o desespero dum cachorro atropelado correndo no asfalto preto e vazio de noite. Eu escrevo como quem achasse que dá pra ouvir música, como quem pudesse esquecer as mortes que as dores dos outros causaram nos outros, como se o guarda-chuvas do Dahmer pudesse me salvar, como se eu pudesse, entrevada, dançar.

Meu irmão retardado jogou fora aquela minha cadelinha, o meu irmão retardado jogou fora a placenta da mamãe, o meu irmão retardado jogou fora o meu contrato de trabalho, o meu irmão retardado jogou fora uns beijos sem língua que me deu, o meu irmão retardado , esse, jogou fora o fio que ligava o som.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Medo e delírio em Abolição: bad trip

Ela é uma caga regra! E elas deram uma lambida na beira do copo de sal do copo de whiskey. E elas subiram em cima do copo de whiskey e elas são daquelas meninas coelhinhas e elas põem as mãos no revólver e aquilo me dá um sono e eu mudo de canal e eu penso no Hunter Thompson e nos copy desks. O Hunter Thompson. O Hunter Thompson sai de casa pra fazer jornalismo afudê, o Hunter Thompson, ele me explica as coisas e ele fala as coisas rápido e eu acho que ele tá dizendo Ela é caga regra e ela lambendo o copo de whiskey, o sal da beirada e daí não dá pra ser serial genius: maldito Lacan.

Bad trip
Ela é uma caga regra, o primeiro pro segundo. Ela caga regra no trabalho, do amor, do horóscopo, caga regra menstrual. E o segundo: ela, ela, ela no rabo da Mirella. E a Cibelle? O segundo: a Cibelle... e tornaram a sair do bar daí um passou o braço em cima da nunca do outro e eles saíram novamente do bar tropeçando num meio fio. Então o primeiro largou a nuca do segundo, então se colocaram para caminhar mais uma vez a rua depois do expediente na garagem do ônibus e já era domingo. O primeiro tem um cabelo e o segundo tem menos cabelo que o primeiro, aí o primeiro pegou o celular e colocou uma música no aparelho de telefone celular daqueles novos que cantam as músicas alta aí ele pensa: posso ligar meu aparelho telefone celular? E o segundo pensa: vamos entrar no ônibus e vamos ouvir o som do aparelho telefônico celular desbloqueado que eu baixei aquela. E eles ouvem, mas, porque eles não estão ainda no ônibus, vão descendo a rua que dá nos Correios.
Bebida e beberam.
O chão preto vazio, os cobradores de azul pretos vazios, o cheiro de álcool branco e vazio os pilotos dos carros estacionados vazios. Tarde e uma lata no chão e um primeiro chuta a lata no chão então eles passam a primeira esquina e o som no aparelho telefônico celular então eles não se preocupam porque essa hora é tranquilo daí passa o mendigo preto vazio e outra lata que é de cola. Um deles fala pro segundo da mãe e o segundo diz que ri, e o segundo diz: preciso levar também a minha mãe pra fazer ultrasom mas o plano não cobre nem um ultrassom e talvez ela precise fazer uma cirurgia e talvez ela possa até morrer se não fizer a cirurgia e o SUS é foda... Deus não ia permitir. Talvez ele tenha de ir amanhã lá na academia porque tem uma menina lá gostosa pra caralho na academia e ele acha que pega a menina lá e o primeiro diz que tá pegando a novinha de quinze, que agora ela ficou grávida por causa de um registro dágua. O segundo fala que ri, e o segundo ri e fala do cachorro latindo longe e passa uma garota linda na rua.

E passa uma garota linda na rua.
A garota preta linda passa pela travessa ou entra na travessa e está usando uma roupa cáqui-telemarketing e a garota tem uns olhos que são doces poesias porque ela tem um namorado e ela é neopentencostal e ela dá pro namorado às vezes porque o pastor é homem e se for seguir tudo dos homens, tudo da bíblia, tudo aquilo que foi escrito hà 200 anos na bíblia sagrada... A garota na travessa indo pro serviço que ela faz: telemarketing filantrópico, ela ajudando as crianças a lavarem dinheiro, a garota linda, linda. Ela se passa na rua com uns olhos cheios de muita poesia de supletivo e uma boca doce, e uma boca de guaraná natural. Passa pela travessa e o segundo diz que ri, o segundo diz gostosa, diz princesa pra garota, belíssima, pernas belíssimas que cruza as mãos na travessa, que tem o trabalho, um namorado e não liga pro gostosa. E o primeiro chega perto dela. Diz: (que...) bolsa linda. Aí ela anda mais pra frente mas o segundo pega ela e o primeiro pega ela pelo cotovelo porque então ela diz: me larga. Porque então ele não larga e eles arrastam ela pra mais longe, pra mais perto do vazio da travessa e metem gostoso numa xoxota que tá gritando.



Ela deu uma lambida no sal do copo da beira do whiskey, e saiu de casa de noite, e escreve antes: Cibelle, o amor só pode existir quando incontornado.


terça-feira, 30 de setembro de 2008

Urânio enriquecido

Quando os campos de concentração começaram a aparecer, a coisa das mortes e das pessoas se enfiando ou morrendo afogadas nos dejetos, ou morrendo afogadas no gás e nos fornos com cabelos esvoaçantes no alto dos prédios e pelas cidades, a coisa das mortes e das pessoas não existia. Quando os campos de concentração começaram, eram os internatos e eram os oposicionistas e eram os alienados. Eram os alienados em geral. E os estudiosos: os estudiosos matemáticos que foram mandados para os campos de concentração com os físicos e os biólogos e lhes disseram para fazer a bomba atômica e não podiam sair dali enquanto não fizessem a bomba atômica, que ainda não se imaginava que fosse ser uma bomba, ou atômica à época.

E os estudiosos jogavam seu futebol e o silêncio e faziam seus cálculos.

Quando os campos de concentração apareceram, eu queria me pôr neles e só podem sair depois que fizerem a bomba atômica, mas eu não imaginava ainda que poderia ser uma bomba e nem afônica. O recolhimento, o advir que pode ser cruel com os outros. As cidades e a coisa da morte afogando nos dejetos meus e dos outros, meus companheiros. Aqui todos se igualam, como na placa do cemitério em 1984 quando enterraram as pessoas inebriadas pelo gás, inebriadas pelo incêndio e me aproximei delas por interesse financeiro. Eu queria me pôr no silêncio, na reclusão, e submetida, e ouvir as vozes múltiplas que Hildegard von Bingen, na Renânia, ouvia. Só essas vozes e só saem daí quando tiverem a bomba atômica.

1942, malditos soviéticos.

Quando os americanos, ingleses de zíper, formularem a fórmula do enriquecimento do urânio, algumas pessoas irão gritar e ter os cabelos esvoaçantes arrancados com uma rapidez impressionante, pelo gás, pelo fogo, pelos estudos e pela branca colombiana. E eu estando presa e eu lá estudando e ouvindo as vozes que Hildegard von Bingen ouvia em meio a todo vinho, todas as plantas, todos os escritos e as vozes que me diriam pra fazer logo a bomba atômica e escrever e destruir meia dúzia de amores de vidas que me querem bem.

(esses povos fronteiriços pensam que devo apenas transitar por eles e há você, meu amor, você que comigo formou um dadosnós; você que agora vai comigo quando páro de ser minha pra dar pra todo mundo, pra todas as gentes no meio do gás, do petróleo, da religião, dos Porcas de Murça e da merda. derretidinha, maníaca, exótica. e a minha mãe)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

André Sant’Anna é o Paulo César Pereio da literatura brasileira


O palavrão é o alicerce de sua produção literária, e é o que a define, justifica e celebra. André Sant’Anna é o Paulo César Pereio da literatura brasileira recente. Se hoje fossem abolidas as palavras “porra” e “caralho” o moço teria que vender laranja na praça.
(Garsachen, em 2007)

Espera. É que lembrei que larguei a análise... larguei lá a análise, que merda, vou procurar quem?

(Fazendo um favor: me dão luz vertical). A coisa toda que preciso é da papinha do Nelson, da cirrose do Nelson que nunca colocou um gole de cachaça mineira na boca. Talvez dois, três, mas coisas de molhar a língua, aliás, coisa que eu muito duvido porque todo mundo se lembra bem como se fosse ontem do Mário Rodrigues entrando na casa de Copacabana e caindo escorando num amigo d'A Crítica. Penso: devo falar com o Nelson? Devo falar com o Ruy Castro? Minha fé já foi mais alta, já fui professora de catecismo por quatro anos, juro por Deus e isso vocês não acreditam. Precisava da papinha da úlcera do Nelson, o Nelson com aquela vida santa e eu achando que ele era o John Wayne das cintas ligas nacionais. Minha mãe me proibia, mas eu lia o Harold Robbins e todas aquelas traduções aqueles "Era uma pequena sensacional" mas nunca saía da página dezesseis. Nelson Rodrigues nunca escrevera um tradução do Harold Robbins, não importa, tava o nome dele lá e eu queria ler, embora não passando jamás (rrramás) da linha 16. Tanto faz, eu queria conversar com o Nelson, convidá-lo pruma papinha anti-úlcera e daí falaríamos (finalmente) do André Sant'anna porque eu queria lamber o André Sant'anna sem saber direito porque. Depois eu queria lamber o Paulo César Pereio e que ele me chamasse de putinha ao pé do ouvido. A porra toda é que me lembrei que larguei a análise.
(nove pontos no queixo)
Nada mais daquelas viagens longas e belas escolhendo se vou pela Orla ou se vou pela Lagoa, nada mais de ouvindo Diana Krall no túnel, nem da cerveja em frente à Novo Rio com o cara achando queu queria água pelo julgamento da roupa Zona-Sul. Nada (N-A-D-A) mesmo, e isso é sério, de Shopping Leblon cruzando com o Daniel Filho na esquina da livraria, nesses meus deslumbramentos. Não vejo problema nisso. Tem aquele filme do cara que queria conviver com as elites e fingiu-se de atropelado. Eu queria as elites, eu queria ter as coisas das elites, eu queria beber a cerveja Therezópolis das elites. Seis reais.

Tudo isso eu queria falar com o Nelson, meu em missivas, que inda vejo lá naquelas imaginações de pernas juvenis, com saias de normalistas torneadíssimas, se abrindo em cima lá da mesa do chefe velho que agora é o pai. Nelson me ouviria como Pablo Picasso ouviria Coco se ela tivesse uma miséria de Piaf. Não importa. Nelson, a papinha, a minha cirrose futura e a úlcera como numa saída correta que não acontecia nas sessões com o analista que eu, puta que pariu, larguei sem lamentar e já super pensando nos sapatos lindos que eu ia comprar pra ficar igual a elite, nos cafés, nas elites, nos livros, nas fotografias e no Pereio. Era isso que eu ia falar pro Nelson que meu amor era como um amor que Elza lhe tinha, mesma Elza que disse se você não sair desse apartamento agora eu jogo os nossos filhos pela janela, e você saiu, e o suspensório, e as dentaduras do Nelson... meu deus. Nelson, olha, é que é igual. Você vai morrer e vai ver que é igual, vai ser igual daqui há 40 anos, dois divórcios e duas voltas e toda aquela coisa da divisão da biblioteca, do esse livro é meu, e toda a mágoa que ele vai sentir, e todas aquelas mulheres que ele vai comer e eu vou comprender, Nelson, entende? Igual a Elza e você.

O Nick Drake tinha aquela namorada favorita mas nunca encostou um dedo nela, morreu e tal e nunca nem beijou a mulher de língua; Nelson eu larguei o analista então me ouve, cara: a coisa da literatura não importa, você sabe. Nelson, é que eu sou muito a Elza e eu queira casar mesmo à revelia da mamãe, mesmo ela odiando o Rafael, eu casaria. Embora ela me odiando porque a vida é assim, a gente odeia tomar a papinha anti úlcera, a gente odeia tomar a insulina regular toda vez que vai comer um pão francês com Qualy, a gente odeia a filha dando e gozando gostoso.
Nelson, você é meu pai, me escuta. Eu nunca fui Glorinha, era mentira, eu estava brincando (luz vertical em mim, por favor) eu sou a Noêmia e me entrego num bom dia. Vê, ela lá com o Sabino e ele dizendo prela não fazer barulho e daí a Noêmia não fazia barulho. Isso foi em outra vida, agora é sério: outra vida e eu quero que se foda a literatura porque eu venderia salgadinhos pra aniversário se ele estivesse ali comigo cheirando o meu cabelo com cheiro de gordura e tendo um problema de vesícula por causa do wisky barato que a gente ia ter dinheiro pra comprar e a úlcera porque as pessoas ficam paradas no meio do caminho e ele quer passar, e ele quase o Alvy Singer... lindo! Larguei do analista e aí eu sinto aquele alívio que todo mundo sentiu quando começou a chuva do dilúvio mas sabia ainda era a chuva do dilúvio. Ê chuvinha boa.

Nelson, agora cê é meu pai, como vai ser? Porque te quero por pai sempre sóbrio, sempre sentado no balde e aquele barulho de cigarro, aquele gostoso de Continental que a Tina fumava e que meu pai, que veio antes de você, fumava e eu odiava, mas a Tina fumava e daí eu mandei o Continental pro céu, embora sem largar a cerveja nem a cirrose futura, nem a úlcera causada por honestidade, lerdeza e salgadinhos fritos pra festa, vê isso...
Eu amando o Rafael. Eu me preocupando com a literatura. Eu amando a preocupação com a literatura. Eu ali toda amando a literatura e falando um monte de merda pro Rafael. Vou vender salgadinhos e vão me dar calote, e a gente vai ficar pobre à beça, e o Rafael vai vender os livros mas a gente vai ficar feliz ainda com uns quatro filhos crioulinhos e eu com cinco centímetros de raiz pra fazer e aquele wisky que foi o que deu pra comprar, e a gente lendo o Paul Vegan falando sacanagem e a gente lendo e fazendo as sacanagens do Paul Vegan, e ele me chamando de putinha e eu ali realizada sem pensar no Pereio. Se bem que ia ser demais o Pereio...
Mais demais que os textos longos e os adolescentes preocupados com a LHC dizendo que os meus textos são longos porque as partículas vão acelerar e elis ixtao apavorados e deuz naum vai deicha iso acontesseeeerr, disse o Gentileza.

Pereio ali querendo me chamar de putinha e a minha vulva depilada e a gente discutindo o conceito de conto e eu querendo você comendo a minha vulva depilada, me chamando de putinha e eu parando de pensar no Pereio, no Dahmer, no André e pensando no Rafael Santana fazendo amor na minha vulva depilada em meia hora de depilação com aquela esteira massageadora em baixo e a depiladora falando da novela e eu querendo que se foda a novela que eu queria ter dinheiro pra pagar a TV à cabo, pra ver o Pereio entrevistando os domingos. Tanto faz. Eu amando o Rafael, eu querendo o Rafael mas a crítica dos conteúdos e todo aquele Poe, e todo aquele Umberto Eco na porra do meu ouvido e eu, meu amor, querendo agora conversar com o Nelson prele me explicar porque sou uma zebra, porque os golfinhos se comunicam e eu não me comunico e porque é que infernos que eu te amo tanto que queria ser atropelada pra ter esse desfecho deu falando ao telefone que te amo pagando 16 centavos o minuto. Pra eternizar o momento tipo a Noêmia sendo esfaqueada e admirada e eternizada nos jornais, linda... Dona Noêmia se entregando num bom dia e nunca conhecendo a Glorinha. Eternizando minha declaração de amor mão-única, meu senso de queda, meus Umbertos Eco não lidos, meu Cortázares, meus Dostoevskys meus Márquez advindos de resenhas. Pra eternizar a rodoviária e a tua família no painel das fotos e eu pedindo um beijo e você na cozinha mordendo os meus mamilos eternizados.

N R, a literatura e o culto aos sentidos me cobrando essas coisas que não são você... Meu Nelson Rodrigues, eu quase saindo de pijama pra comprar cerveja pra ter cirrose hepática pra partilhar um câncer de laringe do Dahmer junto às porcelanas de elite dele e as conchinhas da praia de Icaraí e toda aquela coisa das papinhas e do meu pai escondendo oito litros de pura cachaça mineira em baixo do tanque. Essas coisas, e as putinhas. As calcinhas enfiadas na bunda e as meninas no banheiro da academia e o Pereio xingando todo mundo e eu lendo a porra das teorias literárias da Gotlib, do Umberto Eco e nada lá me trás a pessoa amada em 3 dias além da grana em continuar escrevendo textos curtos com figuras que os adolescentes, com medo do apocalipse pela LHC, vão ler e vão ver e vão fazer um vídeo e vão usar kajal stick e vão ouvir a Kate Perry eternizando numa efemeridade e eu vou ficar em casa procurando os livros do Robbins e vou telefonar pro Rafael desejando o Rafael, amando o Rafael, a voz muda do Rafael mas ele ficou com aquela dor misturada com o sono e ele foi dormir como eu não gosto porque sinto falta dele quando ele dorme e eu fico acordada tomando wisky caro, como já sinto falta, como deito e espero ele voltar do trabalho com uma úlcera peptídica linda, me amando...

domingo, 14 de setembro de 2008

Ana Vanessa não vai virar uma Pussycat Doll

este lado para cima
Havia aquele cara, ele dizia que era estranho, mas gostava de punk nazista, aquela energia.... concordei. Tomamos vinho. Algumas noites passam e a gente não sabe de nada, nunca soube. Eu não sabia de você e a sua namorada, eu juro, e você tocava o vestido dela como eu não saberia fazer. Cheguei em casa horas depois da que devia e meus pais recriminaram aquilo tudo, recriminam isso deu gostar de meninos ao invés de meninas. Fui direto, passei, entrei no quarto e olhei pouco pra mim mesma e para todas as coisas que fico caoticamente pensando, caoticamente desenhando, caoticamente pintando.
Mas o pior, me deixe dizer, eu também gosto de punk nazista e toda aquela energia... Mas o que é isso? Ela vai beijar sua boca até começar a sangrar?

Oh stay... Cause Mary Anne's a bitch Mary Anne's a bitch

O pior é que fico te olhando na saída. Gosto da tua namorada, mas mais de você e acho muito, muito absurdo que me digam que isso não dá. A sonda do papai está no lugar, perguntei como foi o médico e ele falou alguma coisa. O médico disse, ele disse, que eles precisavam trocar a sonda mas não dava pra fazer isso no hospital da Posse. A mãe te olhou com apreço, beijou sua boca e ela parecia com sangue, eu disse que você devia usar Listerine. A mãe te tinha muito carinho em 1989, mas é difícil pra ela a coisa da próstata. Voltei ao quarto e achei que mamãe fosse frígida e nisso vivia o melhor da carne no seu casamento hoje. Ai como fiquei encantada com todas aquelas festas pra onde você me convidava a ir com Ana Vanessa...

Oh stay... Cause Mary Anne's a bitch Mary Anne's a bitch

Nos encontramos duas horas depois, você com o chapéu que comprou em Ipanema, viu num holandês e quis copiar. O cara nem era holandês! Você e a sua mania de adivinhar nacionalidades. Erra. Ana Vanessa estava linda de roxo e ela me elogiou, chegou próximo do meu ouvido e sussurrou: quem disse que você não fica bonita assim?
Cruzei o espaço entre a cama e o rádio. Cultivo um urso por recorrer ao passado, tentar remontá-lo, segurá-lo desesperadamente enquanto passo o adstringente e deixo, durante a noite, a pele respirar ao som do bálsamo de vitamina E. Ana Vanessa não tira o vestido pra você, a gente se vê de vez em quando, a gente transa de vez em quando, a gente goza de vez enquanto e eu fingi uma vez de vez em quando. Acho que o teto é interessante e daí fico olhando o teto se mexendo vertical, da minha cama, do meu lustre, do urso da Saara a R$5,00. Haviam algumas reclamações porque você estava de jeans e a minha mão te machucou, não se entendia com o zíper, sabe? A tua namorada ligou, você saiu e disse adeus ao pai. Cheguei nele o beijei até a boca sair sangue.

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ºImagem de Ahnouk Emma.
º" Oh stay... Cause Mary Anne's a bitch Mary Anne's a bitch" é parte integrante da canção "Sailor Song", de Regina Spektor

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Príncipe Hamlet, monólogo freudiano para piauí_24: Gotlib

O MONÓLOGO DE HAMLET
Gotlib
... meu pai que ainda estou pranteando... enquanto minha mãe, a rainha Gertrude, já tornou a se casar com Claudius, meu tio, irmão do morto, de modo que, se tiverem um filho, ele será ao mesmo tempo meu irmão e meu primo-irmão, e se cunhado da enteada...


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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Jantares: esfregando as coxas pelo gerente dos Cohibas

Nota da autora:
agora pouco, e faz dois dias, olhei e vi que os meus escritos não contam histórias com início, começo, tampouco fim. elas falam de coisas que acontecem em rápida duração e, no máximo, montam um conto por juntar todos os acontecimentos banais numa ordem mais ou menos compreensível que, todos juntos, parecem uma história que tem começo, meio e um negócio que se finge de fim. no que eu vejo, e isso é cena, todo acontece desgarrado do lugar donde veio.
essa é a história dum talher que caiu.


Jantar, microfilmagem, o amante e travestis

Arrastando a tarde, se pode até ver o que acontece: as duas pessoas se encontram e começam a fazer traços como se pudessem permanecer juntas por muito tempo. Eu permaneço. De janta fiz o que você gosta de comer e coloquei pouco sal por conta de você ser hipertenso. Coisa estranha, essa, ela vinha calada mesmo. Toda vez que ele dizia umas palavras, parecia que a casa tinha ficado menor; eu queria tanto ouvir as palavras que destruía todos os espaços, todos os móveis, esquecia as cores e não perdia a atenção dos teus ditos. Mastiguei bem usando o lado direito porque o esquerdo da arcada doía, andava doendo fazia dias e daí mastiguei com gosto de alho, no lado direito incisivo. Não me importo, depois que já ouvi eu não me importo. Penso que você trazia dentro dos bolsos, do trabalho, trezentos fantasmas e por causa disso eu nem dormia mais, só dormia quando Augusto Pedro aparecia e me dizia que podia ser.
Nunca me habituei com esses seus modos de jantar como se pudéssemos beber todas as garrafas da casa, como se fosse educado bater o garfo na beirada do prato, mas o pior eram aquelas perguntas que eu queria te fazer mas não fazia, iam me comendo de perto, mais perto que o Augusto Pedro. Parece que não quis dizer a gente, é difícil... Você concordou, aquele trabalho dela na TV, as entrevistas, o que os jornais haviam escrito, as seringas e quem não ia morrer por causa disso? Às seis horas da tarde eu preciso ir ao banheiro trocar as calcinhas, lavo com aquele detergente próprio que deixa tudo com cheiro de loja de departamento, é bom a beça. Eu penso que Augusto Pedro vai chegar e acho que vou levantar e trocar a calcinha novamente, você não sabe. Pergunto do extrato do banco: microfilmaram o cheque, não te disse? Não disse, verdade? Verdade. Aquele rapaz, o de dois nomes augustos, me ajudou. Que rapaz! Avisei à gerência, lhe devo aqueles Cohibas que prometi. Concordei esfregando as coxas. Apaguei novamente os móveis, o sofá, apaguei a máquina de lavar da cabeça. Quando eu te conheci frívola...

Eu prestava atenção, quando ele me conheceu frívola... Você tinha esses teus segredos no bolso, essas pessoas, esses meninos do escritório que você esbarrava a mão na bunda e as meninas do escritório que você gostava de comer o cu, esses seus segredos... esses meninos de boné e grandes peitos que você olhava quando o carro contornava a praça. Esses seus segredos não me deixam mais dormir, faz dias. Eu só durmo quando Augusto Pedro me diz que devo. Esse gerente. Mastigou o suflé de legumes, desferiu golpes de língua pra tirar o resto dos dentes, rasgou a garganta bebendo água com gelo. Eu me sentia sufocada toda vez que ia à praça e via os garotos de boné, com peitos. Pareciam meninas, mulheres com grandes e rosas mamilos. Eu me sentia sufocada quando ia à praça das nove e meia às dez pra te ver, te descobrir e voltar pra casa, fazer teu jantar de hipertenso. Quando eu te conheci frívola... E você senta e coloca o garfo na comida e a comida some nesse seu focinho queu já amei. Às vezes me esqueço. Terminamos, quis levar as coisas, fui lavar na pia, quis ser perfeita nisso, quis Augusto pra chamar de Pedro, esqueci o pano de prato, o exaustor, as cortinas, apaguei desatenções e o garfo rolou pelo detergente até que caiu.


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sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Regina Spektor: quimioterapia e limosines, 2004

"Chemo Limo"

Eu tive um sonho
crocante, crocante
Benjamin Franklyn apareceu e ficou de babá dos meus quatro filhos

Então no meu sonho eu falei com o médico
Ele disse: "se você não quiser fazer isso, não precisa fazer"
Ele disse: "a verdade é que você vai ficar bem de qualquer modo"

Então no meu sonho crocante, crocante
Benjamin Franklyn e o médico foram lá
e tiveram uma conversa com meu chefe

Alguma coisa sobre seguros de vida
eles mantiveram a porta fechada todo o tempo
e eu não podia ouvir ou ver

Então eles apareceram e disseram
"Você vai ficar bem de qualquer modo"
E eu sorri porque já sabia daquilo fazia tempo

Não obrigada, não obrigada, não obrigada, não obrigada
eu não tenho de pagar por essa merda
eu não teria grana pra quimio como não teria pra alugar uma limo
E num dia em que me for dado, eu hei de passear numa limosine

Não obrigada, não obrigada, não obrigada, não obrigada
Não estou a ponto de morrer pra isso
eu não teria grana pra quimio como não teria pra alugar uma limo
e, de mais a mais, essa merda está me deixando cansada
está me deixando cansada
está me deixando cansada

você sabe, eu pretendo cair fora algum dia
e eu quero sair com estilo
sair com estilo
essa merda está me dexando cansada
está me deixando cansada
está me deixando cansada
mas eu quero sair com estilo


Quando eu acordei
meus fillhos estavam quietos
Eu soube de cara que tinha sido um sonho
Eu liguei pra companhia de limosines

Então eu me vesti

Do mesmo modo, vesti as crianças
A limosine estacionou e nós entramos

O médico, ele perguntou para onde queríamos ir
Eu disse: "Senhor, vá simplesmente para oeste", e ele ouviu obedientemente

Sophie só queria ouvir a rádio BBC
Michael sentou no meu colo e sussurrou para mim tudo sobre os malvados
Jacqueline estava virando uma grande garota
com seu copo de chá, olhando pela janela
e Barbara
ela é bem parecida com a minha mãe
Oh meu deus, Barbara,
ela parece tanto com a minha mãe

Não obrigada, não obrigada, não obrigada, não obrigada
eu não tenho de pagar por essa merda
eu não teria grana pra quimio como não teria pra alugar uma limo
E num dia em que me for dado, eu hei de passear numa limosine

Não obrigada, não obrigada, não obrigada, não obrigada
Não estou a ponto de morrer pra isso
eu não teria grana pra quimio como não teria pra alugar uma limo
e, de mais a mais, essa merda está me deixando cansada
está me deixando cansada
está me deixando cansada

você sabe, eu pretendo cair fora algum dia

e que eu quero sair com estilo
sair com estilo
essa merda está me deixando cansada
está me deixando cansada
está me deixando cansada
mas eu quero sair com estilo
sair com estilo

estilo
estilo
estilo?
estilo.
estilo?

Eu tive um sonho
crocante, crocante
Benjamin Franklyn apareceu e ficou de babá de todos meus quatro filhos

Eu tive um sonho
crocante, crocante
Benjamin Franklyn apareceu e ficou de babá de todos meus quatro filhos


Sophie só queria ouvir a rádio BBC
Michael sentou no meu colo e sussurrou para mim tudo sobre os malvados
Jacqueline estava virando uma grande garota
com seu copo de chá, olhando pela janela
e Barbara
ela é bem parecida com a minha mãe
Oh meu deus, Barbara,
ela parece tanto com a minha mãe


Oh meu deus, Barbara,
ela parece tanto com a minha mãe


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Gráfico caóico das pessoas se encontrando (grátis, carta e duas fotos de céu)




domigo, dia 31 de agosto de 2008.

Queridos amigos, não this is not spam, só queria repartir com vocês esse meu trabalho de terapia ocupacional; não muito bonito, onde fiz um pequeno desenho/gráfico de quem conhece com, de quem conheço ou como conheci, sei lá. O mundo é pequeno e tem umas coincidências. Enfim, espero que gostem, achem legal, essas coisas...

beijos inúmeros

prill

-
fotos do céu e árvores na Universidade Estadual de Londrina tiradas pelo Rafael: cybershot e abril.

domingo, 31 de agosto de 2008

Pensar em que amar


e inda dá tempo de pensar em que é amar: jogar-se sobre dois pés e pedir pra ficar lá pra sempre igual quem pula do andar térreo e cai lá no chão com a testa.


(queria que
ele tivesse mais
metros
longos - o térreo, os pés, o chão


toda declaração de amor é uma entrega de mão única, nunca recíproca. o ser que a recebe nada pode fazer a respeito para defender-se da fraqueza do outro: o pior, o poder dos humilhados

(que o térreo fosse uma queda longa pra você não me ver cair,
não queria te incomodar com minhas necessidades Maria Madalena de beijar teus pés. quero beijar teus pés hoje, domigo, dia santo. quero ser o pecado da idolatria. quero beber a sua perna, o seu gozo, seu olho como se nunca tivesse conhecido fortaleza, agora que não a tenho mais... seja pouco paciente na falta desse meu jeito pelo térreo
dos pés e um seu
chão: conluio das delícias)

Viver num mundo sem Alicia


Alicia y Benigno
Quando Benigno é mandado pela prisão, no começo do fim do filme, escreve uma carta dizendo que não quer viver num mundo sem Alicia, num lugar onde não o deixam ter a presilha dos cabelos dela.
Benigno tinha cuidado da mãe desde sempre, mas disse que ela não era inválida, ou louca, jamais! De qualquer modo, cuidava dela, lhe dava banho, fazia-lhe as unhas, maquiagem... é possível que a mãe de Benigno não fosse mesmo dependente, talvez ele tenha criado uma dependência para ela, para que ela ficasse atrelada a ele. Os quatro anos que viveu com Alicia foram os melhores da sua vida. Ele adora os dias de chuva porque era um dia de chuva quando ela, Alicia, sofreu o tal acidente de carro que a pôs num coma e, a aprtir daí, ele pôde estar com ela todo o tempo; enfermeiro.
Já Marco e Lydia... Lydia tinha a mesma fobia de cobras que a ex-mulher de Marco, é tão incrível a cena em que ela dá aquele grito e sai correndo de casa porque tem uma cobra na cozinha, então entra no carro de Marco e se esfrega com as mãos, o colo, o pescoço. Antes eles haviam conversado, ele queria uma entrevista com ela que é toureira, mas admite não entender nada de touros:
- Então que faz aqui?
- Não entendo nada de touros, mas sim de mulheres desesperadas.

Lydia está completamente antipatizada com ele, ofendida no orgulho: desesperada? Então encontra cobra na cozinha e corre de volta para o carro de Marco. Ele mata a bicha e retorna segurando a bolsa de Lydia, a leva para um hotel, ela diz que nunca mais voltará àquela casa. No hotel, a deixa no quarto, ela se senta à beira da cama e então ele está novamente lá.
- Quer que eu fique? Posso dormir no sofá, não seria a primeira vez.
- Não, tenho de aprender a ficar sozinha.

Eles haviam se conhecido naquela noite.

Marco y Lydia
Anos mais tarde, os dois estão juntos. Assistem uma apresentação do Caetano e Marco está chorando, se vira e sai. A toureira vai até ele, passa pela piscina, mil cordões, brincos chamativos, os cabelos, os cachos, orelha com flor, na noite e no vento, um nariz grande demais, perfeito. Que força tem Lydia ali! Mais que à frente da porta donde um touro vai sair. Ela passa pela piscina, enlaça a cintura de Marco pelas costas, pergunta porque ele chorou naquela noite em que caçou a cobra e ele fala da ex-mulher:
- Odeio essa mulher...
- Não a vejo há anos.
- Pior.


Marco é reporter, escritor eventualmente, eventualmente também faz as mais variadas coisas na área da escrita. A ex-mulher tinha problemas com drogas e por isso os dois viajavam muito, ele diz que os dois juntos só funcionavam quando estavam longe de Madrid, mítica. A família dela decide retê-la e eles ficam longe. Não se deviam separar as pessoas que se amam, diz. Costuma ir a lugares, apresentações de dança, músicas; o fazem chorar porque queria que ela também visse o que via e sentisse aquilo daquele espetáculo, daquele momento, daquele som, e ela não estava. Ele sempre se emocionava por isso. Depois o amor acabou.

Benigno diz a Marco que ele deve falar com Lydia, mesmo com ela estando em coma; o touro a tinha pisoteado, arrastado e agora ninguém sabia se ela ia acordar algum dia. Marco diz ao Benigno que não reconhece mais o corpo da mulher, que não consegue ajudar em nada, nem a virá-la e por conta disso se sente um inútil.
- Fale com ela. Diga isso à ela.
Mas Marco argumenta que isso é um absurdo e o outro está pegando o aparelho de pressão, o estetoscópio para examinar Alicia; ela não pode ouvir, o cérebro dela não funciona mais. Como ele poderia ter tanta certeza disso?
- A mente da mulher é um mistério, ainda mais neste estado. Tem de prestar atenção nelas, falar com elas, pensar nos pequenos detalhes... acariciá-las. Lembrar que existem, que vivem e que são importantes para nós.

Marco y Alicia
Depois Benigno se despede. Ele acha que com Alicia é mais feliz que a maioria dos casais, quer se casar com ela. A prisão é o de menos, pior é não ver Alicia e se diz capaz de qualquer coisa se não lhe derem alguma informação, qualquer coisa. Ele morava em frente à academia de dança dela, um dia, por acaso, teve a oportunidade de descobrir a sua casa e daí entrou, até no quarto dela. Antes haviam conversado e ela contou que descobrira o cinema mudo. O quarto de Alicia é burguês e doce, com quadros de balé na parede e cordões na cabeceira da cama, bolsa de ginástica Adidas. Ela está no banho, sai do banho e topa com Benigno à saída do banheiro, obviamente que fica chocada e ele diz:
- Não se assuste! Só queria te ver. Sou inofensivo.
Diz que é inofensivo, absurdo ter dito isso. Alicia atravessa a rua e para no meio dela daí acena para o Benigno. Só se pode estar calmo, sereno e abraçar a metade da rua com os carros passando quando já não se percebe certos tipos de morte, quando não se percebem certos perigos e Alicia não tem medo das coisas, nem das pessoas. Fica buscando o que tem além disso porque isso não existe. Fico contente como Alicia falou da sua descoberta, do cinema mudo e das viagens e do balé, principalmente, com Benigno, como se fosse normal dizer por aí essas coisas, e pros desconhecidos. Marco vai cruzar a antesala do teatro quando a vê e ela retribui o olhar alheia à tudo que está torto nisso.

A prisão
A prisão é o de menos, ruim é um mundo sem Alicia, um lugar onde nem se pode ter a presilha dos cabelos dela, separado e ficar assistindo algo, ouvindo algo e sem poder partilhar, ver pelo outro distante, descrever, contar pra distância, tentar reaver algo que, na verdade, já está perdido, embora exista. Quando está na cadeia, Benigno está longe de Alicia e, como Marco percebe, longe já se está preso no corpo de outra pessoa e ela não é você. Coma. Lydia precisava mais dos touros.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Conluio das delícias

1997, sábado: ressonante (Tangerinas de Mulholland Dr.)
o cavalo desceu a rua com pressa e levantou pouca terra, corria no asfalto.os dois sentaram um do lado do outro e não se puseram a conversar. não acreditava naquela época que se falasse em despedidas. ele passou correndo, o cavalo.

p146 (Sangue de Coca-Cola)
A merda toda é esta saudade. No apartamento do 8º andar, sentado num sofá, ele que, quando a lua surgir, vai matar alguém de olhos verdes com um fuzil de mira telescópica, Tyrone Power repete alto, como se não estivesse só: - A merda toda é esta saudade.

p211 (Sangue de Coca-Cola)

É esse filho da mãe de lança-perfume que me fez abrir a torneira. Agora fico pingando Bebel. Fica pingando Bebel como uma torneira mal fechada pinga de noite, caramba! E a torneira pode abrir, eu juro que pode. Aí onde eu vou parar Santo Deus? E se eu rezar? Eu podia rezar, caramba! De noite ela rezava. Ficava ajoelhada de mãos postas rezando! Por Deus que ela parecia uma menininha que ia fazer 1º Comunhão, por Deus que parecia! Depois eu apagava a luz e ela me fazia subir na parede, caramba! (aquela língua de cobra)


o que vem embaixo se liga à Tangerinas de Mulholland Drive dezembro de 2007

Conluio das delícias

Quando essas pessoas saíram de perto foi que deu pra ver, eu vi, as pessoas iam saindo, andando pra longe e eu soube que era melhor segurar no corrimão da escada que eles andavam como se fosse carregar junto. Às vezes acontece demais isso: da pressa. Quando Analice chegou na cidade, uns meses atrás que não foram muito tempo, anos, achou tudo difícil. O bonde contornou o teatro João Caetano articulado, era isso: a poesia desceu pra barriga. Analice fugiu lá de Resende e andou toda aquela estrada de Resende até o Rio só porque, além de gostar de Emilinha Borba, não ia ficar lá e ver a filha nascer no meio da terra.
O médico olhou pra Ana e perguntou se ela ia ter o filho e ela disse que não, daí Alice se olhou no espelho e perguntou pra que é que adiantava todo o sacrifício de ser poesia, descer pra barriga e depois ficar com a sensação de que comeu uma laranja muito rápido e tá entalado, ou comeu pipoca e a casca fica presa perto da faringe. Ela não entendia, eu também não, meu Deus linspectoriano, o mundo é muito esquisito.

Analice não achou o amor no Centro do Rio, ao contrário, comia mal demais. Ela não tinha esperança que fosse achar o amor, só a Emilinha Borba de quem comprou o disco assim que deu. Trabalhava numa sapataria, às vezes errava o troco, conseguiu o trabalho rápido. Tinha uma prima do namorado que gostava dela e que morava ali perto da Gomes Freire e ela arranjou o bico na sapataria. Era bom, calçava 36 e experimentava os sapatos quando tinha tempo. Às vezes tinha muito tempo. As pessoas tinham medo, ou tinham pena, ou era mesmo gentis, porque ela estava grávida e só, e só. A barriga crescia rápida, algo ao nível de dizer que crescia explêndida. Alice vingou feito doença em velho, pensaram. Ana esperou as pessoas se apressarem atravessar a rua, entrar no bonde, entrar no teatro, comer pastel porque preferia ficar por último. Era tão mais resignada, devia tê-la conhecido só agora, nunca antes com aquele olho de que sabe antes, de anunciação. Agora ela brincava, mas antes não, lá... Nunca. Seduziu por acaso o rapaz que trabalhava com carros, consertando carros, motores de carro. Ele às vezes bebia; viu Analice escorada nas grades de ferro e pronto, e Analice arranjou um namorado.

Quando Alice pensou que ia se despir, nem tinha mais tempo. Não a exemplo da mãe, a mãe não tirava nunca a roupa. Alice tirava ou a roupa era tirada e ela não via como acontecia, ela que não via nada direito andando na calçada porque era muito míope mas não tinha uma grana pra comprar óculos. Alice pelada no quarto claro, via o rapaz entrando e achava a mecânica das entradas e saídas muito lubrificadas e redondas. Dessa vez, agora dessa vez eles me entendem, que eu levei Alice até aqui pra vê-la achando que as entradas e saídas eram redondas. Alice que queria pendurar uma âncora e se jogar da ponte, era isso meu Deus linspectoriano, ela passou por isso pra ver, só e só o ônibus aportando em Campo Mourão e ela saindo com medo das escadas, corre-mão, e ficar tão quieta de ver a primeira vez o olho verde dele. Depois é que não se vê mais nada nunca, amar é igual escorregar levemente e bater os ombros num poste porque o carro tá em movimento ainda, essas coisas não sei bem. Alice abraçou-se com os dois olhos que eram verdes dum modo que ele entrou nela e disse: agora você é minha. Então ela esperou uns minutos até que ouviu o que devia ter sempre sido o som de Emilinha Borba: os meus olhos razos d'água. Depois não quis mais ir, passou os anos e não quis mais ir, nem ver a mãe, nem saber quem era afinal o pai mecânico, nem o médico que pôs no mundo e ela nunca gostou dele. Pra que no mundo? Fazer o que dentro dele? No Centro, no João Caetano, nos dias com frio que fazia na Gamboa, tanto cheiro ruim na casa que ela corria lá fora vomitar e depois voltava pra limpar tudo bem justo. O rapaz chegava pra não dar pé, não enxergar, hoje eu sei. Vim até aqui com Alice e não deixei ela pular da ponte como quis, nem perguntar a mãe porque não pediu pro médico fazer ao contrário e matar, que lugar de poesia não era na barriga. Vieram socorrer, eu disse que era bom rezar. O seu rapaz tinha uns suspiros e Alice ia neles até chorar muito quando tinha de ir embora; back to the old house. Eu não queria chorar não, dar adeus bem lento é pra quem espera que deitar de luz acesa não seja errado.


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Sangue de Coca-Cola, Roberto Drummond, um livro favorito. Aqui.

sábado, 23 de agosto de 2008

Diálogo com o leve crescimento do caninos (ou Bela Lugosi was dead)

Um cometário muito longo para a Cris Simon do Usina, que passo pra cá porque escrever em primeira pessoa propositalmente é uma coisa que não sei como faz.

Em tempo, o Usina é dos melhores espaços. A cada vez que essa moça escreve, lá vou com meu bloco Hangtian pra anotar as referências sempre plenas duma delícia rara.

o dito

Passei na locadora e peguei Nosferatu - O Vampiro da Noite, do Herzog. Eu queria mesmo era ver o Drácula mais clássico de todos, de 1931, com o Bela Lugosi (a página oficial dele é MUITO legal. Ele mesmo dá as boas-vindas aos visitantes). Foi, por sinal, o filme que tirou o ator do anonimato, e pelo qual ele ficou conhecido mundialmente. Depois de Drácula, Bela Lugosi fez alguns filmes baseados na obra do Edgar Allan Poe (outro MESTRE) e outros, mas jamais alcançou novamente tanto fervor nas telas como em seu primeiro papel. A biografia do ator é bem interessante, embora triste. O Fantaspoa deste ano exibiu um documentário sobre a vida dele, mas a única sessão era durante a tarde, num dia de semana, horário em que medíocres mortais estão fora de seus caixões, trabalhando. Perdi. Falando em caixões, Bela Lugosi morreu (supostamente) em 1956 e foi sepultado junto com a capa de seu personagem mais famoso. Voilà, Bauhaus! Na minha opinião, a versão de Bela Lugosi’s Dead que o Nouvelle Vague regravou é melhor do que a original.

* Tentei pegar também, além de um terrorzinho, o filme que a Prill me indicou nos comentários do post anterior, Uma Janela para o Amor, mas não encontrei na locadora. Tentarei achar em outra. PORÉM aluguei um que eu queria ver faz tempo, e perdi quando estava nos cinemas: Em Paris, com o Louis Garrel, que também fez Amantes Constantes e Os Sonhadores, e o Romain Duris (Bonecas Russas é o mais famoso dele) . Vi Amantes Constantes no Guion no ano passado, e valeu MUITO a pena. É totalmente em P&B, com uma fotografia fora do sério. Duração média: três horas, e um público total de no máximo seis pessoas na sala de cinema. O DVD é uma futura aquisição. Lindo, lindo.


a resposta

Caninos na carótida! Sou totalmente apaixonada pelo Bela, mesmo que digam que ele morreu. A versão do Nouvelle Vague é perfeita, mais que a do Bauhaus que todo mundo fica aclamando como gótica. Não consigo nem sentir cheiro do gótico em Bauhaus; é depressão pura e simples.

Conheci o Bela no Ed Wood, grandessíssimo cartão de visitas. Depois fui atrás dos filmes originais dele (do Wood) e até consegui baixar o Plano 9, mas nesse, definitivamente, Bela Lugosi was dead. Tudo bem. Continuo atrás do Nosferatu; no Rio parece impossível de achar, talvez na Zona Sul, mas daí eu não poderia pagar.

Tenho o Amantes Constantes em casa, mas Cris, não sei o que há que não consigo sair da parte das barricadas, bombas, policiais, etc etc. Acho que porque fui com muita sede procurando “um outro lado” do The Dreamers, como se fosse um disco, sabe. Eu queria ouvir mais do mesmo. Em Paris é bom? Pensei em assistir da última vez que estava aqui em Londrina, mas fiquei desconfiada porque no cinema daqui só entra obras com a Cameron Diaz… desconfiei e não fui. É bacana?

Uma Janela para o Amor é impecável (e o título certo é “Room with a view”, achei que fosse window). cê gosta da Helena Bohan Carter? foi o primeiro filme dela que eu vi, depois disso se tornou minha heroína. me diz um filme ruim com essa mulher! Depois ela apareceu na minha frente como Marla Singer e quase morri. É um filme super hiper simples, até hoje sei lá o que há nele que é tão arrebatador: no início do século XX, uma mocinha inglesa viaja para Florença com sua tia solteirona (Maggie Smith, saca o elenco…) e outra espevitada (Judi Dench). Na pensão onde ficam hospedadas, conhece um rapaz excêntrico ao estilo esquizofrenia leve. Coisa boba, mas o andar da carruagem é uma vertigem. É engraçadíssimo, romântico e tanto perturbador.

(...)

beijo

(...)

e fui obrigada a voltar…

pensando aqui: Helena Bohan Carter se liga ao Tim Burton, que se siga ao Johnny Depp, que se liga ao Edward Wood Jr. e este, então, se liga ao Bela Lugosi.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Desejos incontidos, fingidos de tropeço (ou, Bela Lugosi's dead)

Algumas certezas são mesmo peça de incredulidade. Veja Reinéria, ela se levanta a cada dia numa hora diferente que é sempre a hora errada. Mantém discursos de escritório mas contraditórios, nunca condizente com os espíritos que, volta e meia, correm pra sua cara fazendo com que ela ganhe feições de quem é Reinéria: ela faz política. Também não gostaria de ceder o lugar na janela do ônibus, apesar disso, seu doce é gentil e deixa sentarem. Acredita que nada mais importante no mundo que ser gentil, mas queria saber como é o vento e os quadros que vemos nos coletivos e esquecemos.
Não sei se devo escrever muito mais dessas coisas dela porque são só detalhes, apesar de que Reinéria pensa muito neles. Ela acha fortemente que quando ela é feliz é que fica mais difícil viver. Olha, é que Reinéria não sabe como fazer com as mãos, em que bolso pôr, quando acontece aquele algo de bom e daquele que é bom durando por hoje e amanhã e amanhã, dias à frente, durando. Ela fica toda sem jeito segurando as rosas e tão nervosa que finge que tropeçou e as flores vão lá e caem e daí passa um caminhão da Comlurb por cima delas, meu Deus. Reinéria mete os pés no bolso.

Vai andando e, porque não sabe andar, Reinéria vai trotando pra pegar as flores ou rosas que ela derrubou por desejos incontidos fingidos de tropeço. Proposital era também porque deitava com o rapaz louro do RH sob argumentos de que ele lhe daria lições administrativas auto-gestoras; e ela usaria tudo na sua empresa de roupas, com paredes de vidro, móveis conceituais, chá com bolachas e recital toda quinta-feira. Reinéria que é tão amiga e tão próxima da amiga que semana passada teve terçol e ela foi em sua casa fazer compressa morna, mulher do rapaz loiro que trabalha horas explorativas no RH da Contax.
Reinéria agora toma banho esperando a novela e vai limpar os vidros da janela mas, e se, sem querer, pular? Disseram que ela ia ter um amor mas foi que chegou atrasada e ele foi embora. Desde então prefere limpar os vidros suicidas da janela, ser sozinha. Desse modo, preocupada em como vai resolver as coisas tristes de amanhã (desenvoltura nas tragédias de um minuto) só consegue fechar um olho que. Enviuvado, floricida.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

sobre os passarinhos no galho do twitter: cafeína

tenho escrito muita merda... peço perdões.




mas não deixa de ser louvável, se for esse o caso, que o chefe dessa nação o esteja fazendo de um modo tão contemporâneo, tão gossip (in obvious: bruni sarkozy)

Pessoalidades via twitter (postagem feito casa de varetas)

passarinhos esperando alguma coisa, invariavelmente, nos galhos do twitter (in: why?)


As moças mais antigas costumam calcular o tempo que leva entre uma menstruação atrasada e a outra porque mulher tem água e água, sabe-se a lua puxa. é por isso que tem momentos em que as mulheres começam a parir demais, a beber cerveja demais ou a se jogar no primeiro chafariz de praça disponível.

Isso aconteceu com Rosa Alice, 27 anos, residente e domiciliada no número 316 sito à Rua St. Bueno, Goiania, onde tem aquelas pizzarias, lembra?
Tinha um bloco de anotações verde escrito Hangtian na frente onde punha seus compromissos e as pessoalidades. Arrancava a página e espalhava pelas casas. Certo dia disse pro seu moço: vamos fazer só um pouquinho então - porque tinha muita vontade - e lá se foi. Anotou tudo depois num caderno de capa azul, que era pra pôr em ata o que havia de inconfessável. Entrou na roda das amigas que, virgens, anotavam o atraso menstruativo para caso de necessidade nos seus futuros férteis, casados; assim repartia a preocupação sem que ninguém soubesse.

Rosa Alice desceu do ônibus com Hangtian na mão e lápis 6B na outra, escrevendo o que lhe vinha de agonia e deitava tudo, cada um papel de página, numa porta que via diferente pois precisava só dizer e contar. Ato contínuo, quarto-crescente, e lá ela feliz com o sangue caindo. Terminou o namoro e inseminou um novo hábito de verter desavisos textuais a torto, a direito. Foi bastante seguida, montou um espaço e hoje se frustra com o Yahoo! posts: gostam apenas das noticias onde não se apregoa cotidianidades. Pensa que isso é torto. Só frequenta o blog da Rita Apoena.

#pessoalidades
-125
se digo isso assim, não é por preguiça de me explicar nem nada. só acontece. sento pra escrever que sonhei que me seguiam e eu me escondia e depois eu descobri que quem me seguia era o Rafael, descobri isso meio mergulhada na lama onde eu dormi (como hidden place).

-70
é compreensível que o que escrevo não faça sentido. algumas pessoas dizem que entendem melhor depois de ficarem mais próximas, mas não sei. não costumo me comunicar oralmente, é isso: falta coesão de discurso.

12 de agosto
sobre cartórios, vi no de londrina ontem uma senhora q foi casar. ela pediu os papéis, assinou e disse q o noivo ia amanhã pôr o nome dele.. ...

02 de agosto
pessoalidades via twitter:fui lá comprar ração pros cães. cruzei com o pai tão bêbado q nem me reconheceu.tão vendendo açaí aqui do lado hmm ...

6
dizia que no sonho fugia do Rafael, aquele meu moço, é porque são das coisas inconfessáveis que ele me extrai; aquele meu saca rolhas.

14 de agosto
estou em londrina, como já se sabe. aqui chove muito e não tenho roupas pra sair de casa. o rio de janeiro me é outro país. dá falta...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

3 minutos: hesitar

Genalva, vem me buscar qu'eu to odiando.



Pela meia noite, a gente entrou numa dessas de conversar a respeito do preço do maço, coisa estúpida. Coloquei a mão entre o braço e o peito porque o frio era o pior desde que tinha chegado. Meu avô recostou a almofada na cadeira lá do outro lado da rua e eu tentei entender o que é que a gente tinha de dizer pra sair daquela e ir pra outra. O rapaz não respondia e eu ficava pensando nas invenções de assunto, nas invenções de pássaros. Pássaros passam pouco de noite, sempre pensei que estavam atrasados pra chegar em casa. São noturnos, ele comentou e fiquei sem graça junto lá, e ainda abraçada com a minha imaginação. Pássaros retardatários.
A cidade era muito pouco parecida com a que eu tinha, com a que a gente brincava. O meio fio continuou sendo meio e sendo fio. Genalva, liga pro teu pai. Fiquei quieta e fiquei em silêncio olhando pro pé das formigas, ele continuava e parecia que ia fazer discurso: Genalva, liga lá, não deixa ficar tão tarde. Você entristece todo mundo com seu sumiço valioso e eu não posso mais te esconder.

3 minutos: hesitar
Genalva era uma garota de montar daquelas casas, aquelas de vareta que você encaixa um pano por cima; o pano fica no formato das varetas. Ela vestida com um casaco roxo do material parecido plástico e ela guarda ainda fichas de orelhões da Telerj. Ela é muito moça, embora a cara. Agora está de noite e Genalva decidiu que ia embora usando seu casaco tactel roxo com aplicação de gola feita de lã.

As pessoas é que não percebem (por ser Agosto) quando algumas coisas acontecem e são escritas: essa moça tinha pai, tinha mãe e tinha um avô, mas Genalva parecia uma jibóia gorda andando pela casa onde nada era dela, nem os lençóis que ela lavava às vezes. Ninguém dizia nada, as pessoas deitavam no lençol e deixavam um cheiro que ela não sabia como suportar, por isso lavava com Omo Multiação, por isso se sentia às vezes sem braço de tanto esfregar e sem olho que derretia saindo pelos buracos.

Você entristece todo mundo com seu sumiço valioso... Ela achou que bom do cigarro é que não se viam os aumentos do preço. Genalva é igual a mim, gente sem lugar pra ir, pra ficar. Ela devia pegar o primeiro ônibus, dar adeus pro avô - corda dos afetos com a família - depois mandar carta de tudo bem e Genalva não ia sem antes beijar uma boca curta. Beijar Tenório.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

3 minutos: des-sentido

Questionado sobre o que se devia dizer a respeito, pronunciou o parágrafo:
Linhas de escrita só se mostram verdadeiras quando molhadas em delírios demandados feito pão de três dias em café com leite. O bom delírio é o que pesa e causa preguiça de carregar mas, ainda sim, vão lá as vírgulas, os acentos circunflexos, mergulhar nele e deixar ir enchendo de cinco horas da tarde quando a gente junta o ânimo e o sol começa a melhorar.
Mas se o passar do pensado pro dito-escrito tem de ser entrado em coisas que flanam, que voam e que se não têm sentido, como então o texto vai ser texto? Pergunto:

Daí de cima, então? Como o texto vai ser texto?

O parágrafo desconversa, os repórteres resolvem que é boa hora de começar a fotografar todo mundo, o parágrafo toma água, o parágrafo ajeita os óculos e os papéis, penso que entramos na TV Senado:
Não há mesmo texto se for só delírio, mas ele tem de ser afresco. Não existe afresco no gesso seco, só no molhado, por isso uso isso de mergulhar. As linhas do escrito precisam vir dum caos tão grave que, quando imaginado, dão uma preguiça constante e o moço, que escreve, pensa que não quer ir lá não, apertar as teclas ou procurar o grafite 0.5. O dito que se põe pra escrito, precisa vir do surto. Quanto à forma estética, que transforma escritos delíricos descompassados em texto, essa vem durante e vem depois mas, como é que vem durante, isso eu não sei.
A assembléia levantou-se atônita. Ele não sabia. Não esperávamos. Cruzei as pernas e ninguém ignorou que esqueci de pôr as calcinhas - ficaram penduradas juntas no varal por detrás da toalha. O delírio tinha de ter forma?
Minha senhora, o delírio, o des-sentido tem de ter forma. Forma de baleia que é peixe, pero mamífero.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Apreciando um doce e mil cheiros

foto dum doce árabe que eu não sei do que foi feito


O primeiro cheiro que me chega perto do nariz é o de damascos. Às vezes acho que é porque nunca comi damascos, não assim, a fruta, já geléias. Deve ser por isso que eu entro e penso em como o cheiro, de tão coral, se espalha entre os outros e sobrevem.


As ruas estreitas nunca mais me lembraram maquetes depois que cresci; quando os pés vão gastando as pedras do chão, quando o corpo já entrou em contato direto com a parede e quando os olhos mediram como devia ser a queda do telhado, as noções fantasiosas param de ser inexistentes e é possível, finalmente, ficar fascinado com a realidade vinda pros sentidos. São sobrados ou quantos andares? Por que não nos lembramos bem do que acontece sempre? E é um de frente para o outro à pouca distância porque assim o sol vai bater e, fora o meio dia, podemos contar com a sombra diagonal, contar com...

A casa que vende é grande, essa tem dois andares e é ampla, pouco arejada, o que favorece. Na porta ficam gordas sacas de temperos, no meio, colunas de aquário com uvas secas, tâmara-sem-caroço, mel com própolis, cravos-da-índia, nozes, pistache, desconhecidos e aqueles inacreditáveis paus de canela que têm o tamanho de um braço. A soma de uma prateleira com bacalhau, outra com chocolate, outra vinhos e mais então esfiha doce causa um caos olfativo e a minha sorte é que me prendo em ver, meu sentido é de ver mesmo sem óculos, mas são lugares da experiência do tato que causa um milhão de perfumes entre as comidas, os condimentos e os vendedores.
Clandestino doce folhado de maçã dentro dum saco pardo. Mordi ali mesmo, o rapaz mal tinha terminado de embrulhar com o chapéu branco, eu mal agradeci o troco de tão ansiosa e criminosa. Sinto muitas saudades do meu pâncreas, o único que eu amei... Por que me apego então ao meu próprio organismo e ao meu próprio pâncreas? A mordida nessa receita tem uma textura, um cheiro, um risco que vão me formando lembranças do tempo paralisado, mas que vai refreando os segundos tão distraidamente que tudo ao redor se torna capturável, isso é um momento.

Depois passei a mão na boca por conta dos farelos, baixei os olhos pro saco pardo malhado de gordura. Delicioso folhado de maçã... peguei o embrulho de plástico e amassei com o papel, os guardanapos, fundo da lixeira preta. Senti tudo colorido com pesar pecaminoso dos que não se desfazem na saliva.

domingo, 3 de agosto de 2008

Poço cartesiano (ou Chapter 4: The Rabbit Sends in a Little Bill)

Era ir embora de outro lugar que não aquele,
de fotografias propositalmente desaparecidas.



A referência que tenho remete a 1885, quando se pensava possível sair de casa com óculos escuros retrofuturistas. Nos desiludimos porque ninguém mais ouve New Order. Desde o ônibus, não fazia idéia que fosse encontrar os corpos empilhados como eram; irreconhecíveis. Discou o número que era 4399-8061 e contou o que tinha havido: um acidente onde morreram muitas pessoas. Em sonhos, não sabemos o que houve, somos dados a saber, e foi dada a saber que houve um tal acidente e que muitas pessoas haviam morrido por causa de futebol.

a fotografia foi sumindo devagar, era ruim, e aos poucos. Deu ainda pra reconhecer quem era: uma senhora e uma moça, com algum sangue que saía do canto da boca, nem sei. Parecia que tinham sido difícil pra tentar fazê-las sobreviver, mas elas tinham morrido. Disquei o número e dava ocupado. As certeza são isso: inexistências de quando se pode andar mais um pouco e foi por isso que não insisti. Também comentei [como mentira] não querer falar. Chiados. E até agoraas pessoas estavam lá empilhadas num terreno esperando um parente e um reconhecer. Reconhecer nem sempre é patente, where the true lies.


[...] parte suprimida porque estou um tanto oca.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Resumo fantástico do escrito anterior

Dos quatro aos treze vemos o nascer exuberante dumas coisas que crescem em qualquer lugar.

fotografia que a isabella kantek tirou

Mais de um ano com o limão e tenho pensado constantemente nos escritos e nas mudanças de rumos. não, essa não é uma postagem que se despede, é só reflexão, exercício de reflexão que passa pelo estreito canal discurso em primeira pessoa.

talvez porque eu não seja primeira pessoa, nunca consegui me perceber bem assim: não tenho povos fronteiriços. e no início do espaço pensei nisso, em criar umas cercas separativas entre o que parecia comigo e todo o resto. deve ter sido isso, não lembro direito.
na época, a idéia era escrever qualquer coisa, eu não fazia idéia de que algum dia ia acompanhar ansiosa o lançamento daquele filme sobre a Clarah Averbuck, e morrer de inveja da lagartixa da Rita Apoena, a Judith. eu não conhecia essas pessoas, nem o inseto; a compenetração era toda a universidade e as coisas vistas por lá, coisas da pesquisa. sabem, eu trabalho com pesquisa há algum tempo, ou tento, eu gosto muito de fazer isso, mesmo sem saber se faço direito -fatal que não.

só vi na vida uma pessoa que fale mais mal do que faça do que eu, foi a Diana Krall no programa do Jô. ela dizia que cantava mal, que tocava mediocremente e que não fazia ideia do que estava fazendo ali. foi um bocado constrangedor, como não elogiá-la? ela é incrível. ela se acha miseravelmente artista, disse que era mesmo muito dura consigo. constrangedor, não sei explicar. mas ela disse que estava melhorando.

enfim, o que ia dizer não era isso.

o limão começou falando de coisas completamente dispersas. num carnaval que passei em Sta. Teresa ano retrasado, um casal muito querido não parava de transar (amorosamente) no quarto ao lado e me vi compelida a escrever , não sei que me houve. peguei uma agenda que a Luiza havia me dado de presente e comecei a despejar frases e frases sem a menor ligação entre si.
1.
Cinco situações diferentes o levaram até ali; mas nenhuma poderia se caracterizar numa boa história que valha a pena se contada.
Basta ao leitor saber que ele estava ali, em frente a praia, parado, sozinho, em pé, nu.

3.
As canetas nunca tinham tampinhas. Nem as novas. Cito esse dado por me parecer intrigante, ainda que sob a aparência de inultilidade.
assim.
eu escrevia em fonte Trebuchet e o layout tinha só duas colunas.
depois não conseguia mais parar, tornou-se um hábito escrever pequenos textos como se fossem partículas de uma história maior. talvez fossem. era algo que me agradava, me dava uma sensação alucinada de que, não só não haviam povos fronteiriços, como eu era uma ilha que vai afundando.
nessa época eu já conhecia o Bruno. passamos a conversar muito e desenvolvi por ele uma paixão doentia de base poetica, o máximo que ele permitia. a partir dessas conversas foi que a ilha finalmente se dissolveu e os pólipos ficaram visíveis, bem visíveis sob a água. coloridos à beça

serei

a

sereia

serei-a

foi o texto roubado que mudou os rumos do que eu vinha fazendo. desde então, infiltrei nos paralelepípedos diversos mundos imaginados e semânticos que vertiginosamente foram publicados, e publicados e publicados. veio a Kantek e foi laço. quem tinha aparecido antes fora o Benjamin, o Obvious, todo sedutor, cheio de propostas muito decorosas e algum tempo depois eu etava lá escrevendo apavorada para uma quantidade de pessoas apavorante.

mas a Kantek foi laço. a minha escrita foi amarrada por ela. desenvolvida, instigada, treinada, exigida enquanto mexíamos cada uma numa panela e pensávamos em formas geométricas, doces esporádicos que pausam com dois pontos: como se encantamento fosse certeza.

nessa época eu já ouvia a Winehouse, bebida desvairadamente e caía igual a Björk em Triumph of a Heart. nas descontruções que me vinham do Bruno, pensava em outros lugares feito contar histórias antes de dormir. o moço era muito de outros mundos, outros lugares. veio "a terra dos balões voados" onde tinha o moço e o laço; foi de lá que achei que via as formas escritas que eu queria pra sempre igual na fotografia (que é) do Bavcar.

a terra dos balões voados


tua bicicleta e a pista secreta dos pássaros
não sei se você sabe, mas existe a terra dos balões voados. acho que você recorda bem daquele dia em que você deixou o balão escapar - sem querer, coisas de quando se tem menos de 9 anos. ele escapou, eu vi...estávamos juntos e fiquei em silêncio vendo você acompanhar a subida do balão (não lembro a cor). ele subiu muito, foi muito alto mesmo e tinham umas ávores e ele foi mais alto que a mais alta e, de repente, desapareceu. esses dias eu fiquei pensando nisso...pensando muito forte nisso. daí acabei descobrindo que você tem razão, ele desapareceu. não estourou, nem ultrapassou a estratosfera... ele foi para a terra dos balões voados, a terra onde estão todos os balões que nós ganhamos nas quermesses, festas de aniversário, feiras e pracinhas. estão todos lá, como a gente lembrava que eles eram. fácil de chegar lá não é...não mesmo. há de se seguir alguns pássaros e outros balões que constantemente vêm sido perdidos por meninos e meninas com menos de 9 anos. o que sei com certeza é que ele fica bem próximo da Terra das Sombrinhas desaparecidas.
foi o período, o junho, em que mais escrevi. obcessivamente, passionalmente, alcolicamente. olhando esse ponto, considero que o que de melhor já fiz está lá e não sei se volto de novo. em diálogos cortados com o Bruno e constantes com a Isabella, a Estella, mais o bebê que a gente ainda nao sabia que ia nascer.

em agosto, certamente por conta dos abusos etílicos, entrei o agosto muito doente, neuropatia, disseram. passei os dias antes do aniversário dentro do hospital, neropatia dos meus versos e o Bruno desaparecido dentro da propria cavidade umbílico-esquizofrênica. não sentia parte da minha mãe esquerda e me perguntava: a mão ou a garrafa?
foi numa noite desses dias que conheci o Raphaël e ele disse que, se eu escolhesse a garrafa, ia ter de beber de canudinho. ri. eu não fazia idéia que ia me apaixonar por ele, de forma alguma, essas coisas a gente não sabe. ou sabe completamente, mas o que está na nossa cara é impossível de ver, como se sabe.

em outubro o volume de escritos já tinha despencado de 23 pra 9 textos. o primeiro do mês se referia ao livro que ele tinha me dado. fiquei feito idiota lendo o cartão meio disléxico que tinha vindo junto. eu sabia, eu já devia ter sabido pela quantidade de vezes que lia aquele cartão meio disléxico que aquilo ia ser abismo puro.
por conta dos atrasos frequentes, que derrubaram metade da minha vida na pesquisa, o de Góes me recomendou um psicanalista e passei a ir vê-lo. não escrevi mais 23 textos por mês.

o envolvimento com a pesquisa e com o término da faculdade, com a monografia minaram bastante a esfera aleggro-imaginativa que se via no limo, mesmo nos momentos melancólicos. acredito que foi o momento de consolidação das linhas. algumas chaves como a letargia da miséria, a questão do conceber uma criança sem sentido mais a assumissão das personagens femininas ficaram bastante recorrente. tudo isso sob a disciplina da Kantek, ela vai discordar, mais foi. faltava amarrar o que havia e, nesse momento as vírgulas pararam de recorrer à vodka para ser sentir sóbrio.
Eu queria poder dizer o nome dela que passou as fichas duma mão pra outra, deu bom dia imaginário pra moça da fila, olhou o retrato e se convenceu que nem tão distante se podia enxergar a grandeza da sua precipitação hílare (ainda que com suas suspeitas de trágica). Desocupavam o telefone e se afastavam, ela se tropeçou, agarrou o fone vermelho, telerj, telerj e girou o disco com 8 5 2 – 2 4 8 – 9 5 3 1
por influência do Raphaël, via Kundera, também houveram aqueles pequenos e bestas ensaios que me ajudaram a ver outros rumos. gostei. veio a revista piauí e o Bruno já tinha ido fazia tempo, cuidar das construções navais. o Desmemorium da Kantek foi embora uns meses depois por conta da gestação da Virgília, foi justo e feliz.

hoje temos isso, eu escrevo, os povos fronteiriços vieram, foram embora e nem deixaram um bilhete, nem mesmo um vago. o Dostoievsky me alimentou. o Raphaël estava parado mostrando umas fotos da família e - ínterim - pedi um beijo que ele deu igual se dá dança. acho o que eu escrevo muito ruim e tenho bebido muito, muito menos. não me lembro bem do tempo em que tinham os homens, as marcas de noites e dias mal, essas coisas paralâmicas. não lembro, parecem outra vida. era.
tenho escrito muito pouco porque ainda não consegui terminar a monografia, é a minha Virgília, tenho de gestá-la, não tem jeito. agora ouço muito Feist e converso com a preta Juliana mais raramente, é um pouco pena. fiquei sem o álcool, é isso, acho que ela compreende [não aceita] (e) que podemos sempre fazer roubos efêmeros. outro dia andamos de metrô e dormimos num hotel na Lapa.
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