quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Tangerinas de Mulholland Drive


1997, sábado: ressonante
o cavalo desceu a rua com pressa e levantou pouca terra, corria no asfalto.
os dois sentaram um do lado do outro e não se puseram a conversar. não acreditava naquela época que se falasse em despedidas. ele passou correndo, o cavalo.
ela lembrou da noite e ajeitou o lenço na cabeça; fazia um dia forte àquela tarde. ontem o pai virou pra ela e parecia escondido atrás d'uma cortina verde musgo porque falou enterrado na poltrona: pra mim você já é mulher; o pai falou como se tivesse entregue não sei quanto na mão dela - que você não vai perder - e ela apareceu de repente na sala, antes nunca esteve. agora era gente ou uma coisa aparecida.
foi embora pra cidade no dia seguinte. o cavalo acompanhou a bicicleta por mais uns 10 metros e daí não deu mais pra ver se a vista alc...
se despediu dele batendo no sapato, nunca morou em sítio, morou em fazenda. era rica. beijou ele segurando ele pela cabeça e foi.

1989: orçamento
pode-se imaginar o que é nascer igual, mas não é sempre que se vê parir diferente. Analice esperou na esquerda do Reinaldo o médico chamar. a parede tinha uma prateleira pequena, um vaso pequeno e uma rosa sozinha dentro com água. artificial.
foi esse mesmo o exame que você trouxe?
foi.
você vai ter esse menino?
não. o pai esqueceu os óculos em cima da estante então ficou difícil ler o nível dos leucócitos. eu tenho uma filha, não sei se você sabe... mas não tenho foto dela aqui.
nascer é tudo igual, mas eu lembro que a minha filha foi embora e, eu sei, que se eu pudesse escolher eu ia ter minha filha toda novamente, porque não foi minha mulher que teve, fui eu. ela também disse que não quis. e foi com tanta força que morreu.
eu não tenho como criar.
Reinaldo mudo, ampliou o silêncio. na parede branca esqueceram a porta aberta.
Analice ajeitou o lenço azul na cabeça e sentiu vergonha do dono e do médico, do sexo. ouviam música da rádio que toca nos ônibus, tocava a atendente ouvindo. Reinaldo mudou de posição assoando a congestão.
eu tô com a barriga grande, doutor...
o pai não se afetou. tinha dito pra filha: pra mim você já é mulher. a informou, a viu os cabelos. ela o olhou no assombro duma resignação embora entrevisse melhor esquecer tudo e voltar pro quarto - repetir que ia fazer veterinária. mas ela foi pela manhã bem cedo porque foi bem mesmo ele quem a levou pro trem que não ia fazer voltar de volta. estudou cansado Ana e Alice dentro da barriga... Alice ia escolher, ia preferir morrer agora que ver a armadilha infeliz que não quis, preparada; estar e não poder prender uma pedra se jogar no rio porque Deus ia mandar pro inferno.
lembrou da atendente e pensou na música do rádio "ouvi você dizer / eu sou o teu amor?". ele passou a mão espessa camada de madeira na mesa e ordenou-se que não ia pensar que não ia esperar a atendente entrar na casa e deitar nua dele, ele, do lado dele. Zuleica lia nua na porta da rua com um cigarro na boca afeita, que grudava.

1978, quarta-feira: esforço
Reinaldo replicou os designos do Senhor: o salário do pecado é a morte. Então soube que o carro que bateu em 1978 levava dentro a mãe da filha do médico. Esqueceu dos quinze anos quando a mulher doida morreu dois dias depois que ele perdeu o cavalo égua correndo na nossa terra azul e molhada. a mulher, mãe, esqueceu-se na casa dele, pediu água e perguntou o seu nome, Reinaldo. mostrou o seio esquerdo na sala pequena longe de todos. ela beijou ele, segurou ele pela cabeça e ficou. esquecido sentindo que ela tinha uma boca e línguas d'ele enterrado no sofá vermelho de almofadas crochê, parede descascando. o ar passou pela boca e ele sentiu o peito, a língua e os dedos dentes entre as coxas de exatos quinze anos. o teto sumiu, voando misterioso como a sujeira entrando pela janela e o sol. ruído de disco de vinil. ele esqueceu o cavalo como se fosse o do forte Apache. viu pela TV. vil pela cidade.

2007, segunda-feira: previsão

Isabella sopeira,
vou tirar a tinta dos cabelos (é um tom de castanho claro, mas acho que simplesmente vai ficar castanho ponto fim). Beijos, meu querido tom de vermelho com cinco dedos de raiz.
volto já já. quero saber pra onde essas coisas de sentir desejo e escolher um vão me levar.
depois explico.
espero estar pronta para escrever uma postagem no Limão. ao que me parece é uma história que tem um cavalo passando, o médico conversa com a filha e ela se despede d'alguma coisa, mas ainda não me contaram o que é. vai passar umas linhas numa sala de espera de consultório e as pessoas se aceitam, a mocinha pobre está grávida enquanto a outra, filha do médico, escreve uma carta pra... quem? conte logo.

beijo

Um comentário:

Prill disse...

Prill, precisei fotografar para vc essas mixiricas ou mexiricas (?)
lynchianas. A Estela que não e' boba nem nada agarrou o pacote e já
devorou duas. Será que vamos ficar aluscinadas hoje, será que terei
sonhos azuis e cantarei sobre o silencio? =P
A ultima foto foi a Estela quem tirou.

Isa

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