domingo, 30 de dezembro de 2007

Monografia. Cirurgia. Coma.

5:19AM
a manhã tropical se inicia (e eu me sinto melhor colorido)


Oh my God! They killed Kenny!


e-mail1: (editor imaginário). já entregaste a tua eternamente inacabada tese?
e-mail2: (orientador imaginário). 21/12
pri, calma, ando enrolado. prometo responder tudo, qualquer hora. bjs.

diálogo inventado: eu (por que não me contou??)
psicanalista imaginário (o que?)
eu (que sou obceconeurostérica...?!)


Mas o que me faz ligar esse histórico peculiar às minhas questões, é o que nele faz destacar a experiência escravista brasileira como fundada na série de costumes legislativo-teológicos romanos e duma outra série de quadros mentais e sociais que definem a função e o lugar desses novos membros, inseridos através das restrições ao trabalho manual e ao conceito de limpeza de sangue: legitimação das hierarquias, vivência e sobrevivência do Antigo Regime, peça nuclear de nosso escravismo colonial e imperial.


Coma não-induzido. (aka: vígula não-induzida) não consigo mais. Imagino que uma boa assumissão é a de que...

"[. .]" me afunda
mas se eu não "[. .]", me vivo num morro.



Há de haver um guarda-roupas grande o suficiente onde eu possa viver, esconder, pássaros.


eu minto. quando não minto, eu fraudo. todo mundo agora vai descobrir.


picadas de mosquito. contabilidade final: 17
outros insetos: lacraia de tamanho médio-pequeno, morta à tempo

Estava escuro, mas isso não é o importante. Engraçado que à noite certas imagens que vemos parecem preto e branco, lá se pareciam preto, brancas e azuis. Verdes. Eu disse: está frio. Então fizemos amor.
a alegação de insanidade monográfica (nas normas da ABNT)

nós a perdemos...
onde? fica longe daqui?


:

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Monografia. Cirurgia, still life & pausa: correio sentimental

Em presença etérea
Correio sentimental pro meu cachorro:

Poodle de pelos cor champanha, 4 anos e 10 quilos, o Beebee está terrivelmente em busca de uma cachorrinha para relacionamento sentimental sério - ou nem tanto. Tem poucos vícios; é carinhosamente hiperativo e salta obstáculos de 1 metro de altura (por ciúmes ou por vontades incontroláveis). Como os animalzinhos subiam de dois em dois, quem conhece alguém, que conhece alguém e que conhece alguém que conhece alguma candidata?
... come on baby, light my fire
come on baby, light my fire

try to set the night on fireeeeee...


Será que aparece?

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Monografia. Cirurgia

Um pedaço


Outros uns pedaços
na carta rasgada

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Monografia. Dilatação: 35,8 mm



1. a [. .] nasceu comigo

se eU não "[. .]" , morro de fome


2. Tendo os princípios da misericórdia e benfazeja do cristianismo, as alforrias representavam tanto a utilidade da entrega do auto-governo, usurpado ao outro pela posse senhorial, como a utilidade de sinalizar o ente doador como observador desses mesmos princípios e assim identifica-lo na hierarquia dos desprendimentos, da comiseração e, até mesmo, da humilhação.

3. Não resta dúvida de que, assim sendo, o território da sexualidade era bem menos
privado do que se poderia supor, distanciando-se largamente dos padrões
supostamente vigentes nos dias de hoje. Ao longo deste capítulo ver-se-á que até os
gemidos de amantes ardorosos não raro podiam ser escutados por ouvidos
indiscretos, sem contar os encontros amorosos, as mancebias, pois todos sabiam
“quem andava com quem”. (VAINFAS, R.)

4. Pai-Natal
also-known-as . aka: Papai N o e l



flickr . orkut . lugar nenhum . obvious . technorati . ficha criminal


sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Monografia. Dilatação: 22,7 mm

enquanto escrevo ou almoço, algo assim. penso na ausência da escrita, nas mulheres (ela) sobre as quais eu invariavelmente escrevo e na ausência que percorre tangente as mulheres sobre as quais eu invariavelmente escrevo.
penso na exposição incontrolável, minha...dos outros... dos corpos. onde está o fim do exibicionismo (e/ou o começo?) e onde fica o começo (e/ou fim) de uma obsessão pela captura dos corpos? - principalmente dos femininos, tangentes: seriam a continuação em formato de pedra de tropeço, dádiva laço contradom (as vírgulas não puderam vir hoje). cortem os peitos da mulher morena.
escrevo de longe porque também participo das concretudes, no nascimento d'ela verkitschen não foi só delírios.
por que ausente? por que decadente? por que não escolhe? por que abarca nem trai?

vou voltar ao parto, espero que não seja prematuro, espero que o tempo espere, espero... de barriga.
escrevo sobre escravidão. 1844-1871. que encontros de proximidade entre senhores e escravos percebemos nas cartas de alforria registradas no Rio de Janeiro neste corte de tempo?

tirei uma foto, me lembrou as ausências e fui almoçar.

sábado, 15 de dezembro de 2007

dispersão: tentativa pras alucinações

sai...! da minha frente cambaleante des-esperada, mulher que nem escreve mais, mas nem diz. saltão na pedra portuguesa. eu brigo com você qu'eu amo porque conheci outro al...sai afetada, mente. justo você se apaixonar por todos cinco minutos desfazendo a ação do gostar na ação de dar. muito. temperamentos temperaremos com som de arrulho bêbado, trêbado. se era você menina, que gostava e como esquecer? se me trai, me esfrega colada, ex-finge-se. sai...!
desprezo neo-keynesiano e gastrite. te peguei em beijos, moça força puta, com outro aquele cara vende-dor. te dei ran-cor, cambaleante praça xv, e me diz sai, faz sinal (da cruz) pro ônibus. rudeza... chorava porque não me ama, chorava qu'eu insisti, chorava que passou e lembrança guardada ela requenta no micro pra achar que está fresca.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Tangerinas de Mulholland Drive


1997, sábado: ressonante
o cavalo desceu a rua com pressa e levantou pouca terra, corria no asfalto.
os dois sentaram um do lado do outro e não se puseram a conversar. não acreditava naquela época que se falasse em despedidas. ele passou correndo, o cavalo.
ela lembrou da noite e ajeitou o lenço na cabeça; fazia um dia forte àquela tarde. ontem o pai virou pra ela e parecia escondido atrás d'uma cortina verde musgo porque falou enterrado na poltrona: pra mim você já é mulher; o pai falou como se tivesse entregue não sei quanto na mão dela - que você não vai perder - e ela apareceu de repente na sala, antes nunca esteve. agora era gente ou uma coisa aparecida.
foi embora pra cidade no dia seguinte. o cavalo acompanhou a bicicleta por mais uns 10 metros e daí não deu mais pra ver se a vista alc...
se despediu dele batendo no sapato, nunca morou em sítio, morou em fazenda. era rica. beijou ele segurando ele pela cabeça e foi.

1989: orçamento
pode-se imaginar o que é nascer igual, mas não é sempre que se vê parir diferente. Analice esperou na esquerda do Reinaldo o médico chamar. a parede tinha uma prateleira pequena, um vaso pequeno e uma rosa sozinha dentro com água. artificial.
foi esse mesmo o exame que você trouxe?
foi.
você vai ter esse menino?
não. o pai esqueceu os óculos em cima da estante então ficou difícil ler o nível dos leucócitos. eu tenho uma filha, não sei se você sabe... mas não tenho foto dela aqui.
nascer é tudo igual, mas eu lembro que a minha filha foi embora e, eu sei, que se eu pudesse escolher eu ia ter minha filha toda novamente, porque não foi minha mulher que teve, fui eu. ela também disse que não quis. e foi com tanta força que morreu.
eu não tenho como criar.
Reinaldo mudo, ampliou o silêncio. na parede branca esqueceram a porta aberta.
Analice ajeitou o lenço azul na cabeça e sentiu vergonha do dono e do médico, do sexo. ouviam música da rádio que toca nos ônibus, tocava a atendente ouvindo. Reinaldo mudou de posição assoando a congestão.
eu tô com a barriga grande, doutor...
o pai não se afetou. tinha dito pra filha: pra mim você já é mulher. a informou, a viu os cabelos. ela o olhou no assombro duma resignação embora entrevisse melhor esquecer tudo e voltar pro quarto - repetir que ia fazer veterinária. mas ela foi pela manhã bem cedo porque foi bem mesmo ele quem a levou pro trem que não ia fazer voltar de volta. estudou cansado Ana e Alice dentro da barriga... Alice ia escolher, ia preferir morrer agora que ver a armadilha infeliz que não quis, preparada; estar e não poder prender uma pedra se jogar no rio porque Deus ia mandar pro inferno.
lembrou da atendente e pensou na música do rádio "ouvi você dizer / eu sou o teu amor?". ele passou a mão espessa camada de madeira na mesa e ordenou-se que não ia pensar que não ia esperar a atendente entrar na casa e deitar nua dele, ele, do lado dele. Zuleica lia nua na porta da rua com um cigarro na boca afeita, que grudava.

1978, quarta-feira: esforço
Reinaldo replicou os designos do Senhor: o salário do pecado é a morte. Então soube que o carro que bateu em 1978 levava dentro a mãe da filha do médico. Esqueceu dos quinze anos quando a mulher doida morreu dois dias depois que ele perdeu o cavalo égua correndo na nossa terra azul e molhada. a mulher, mãe, esqueceu-se na casa dele, pediu água e perguntou o seu nome, Reinaldo. mostrou o seio esquerdo na sala pequena longe de todos. ela beijou ele, segurou ele pela cabeça e ficou. esquecido sentindo que ela tinha uma boca e línguas d'ele enterrado no sofá vermelho de almofadas crochê, parede descascando. o ar passou pela boca e ele sentiu o peito, a língua e os dedos dentes entre as coxas de exatos quinze anos. o teto sumiu, voando misterioso como a sujeira entrando pela janela e o sol. ruído de disco de vinil. ele esqueceu o cavalo como se fosse o do forte Apache. viu pela TV. vil pela cidade.

2007, segunda-feira: previsão

Isabella sopeira,
vou tirar a tinta dos cabelos (é um tom de castanho claro, mas acho que simplesmente vai ficar castanho ponto fim). Beijos, meu querido tom de vermelho com cinco dedos de raiz.
volto já já. quero saber pra onde essas coisas de sentir desejo e escolher um vão me levar.
depois explico.
espero estar pronta para escrever uma postagem no Limão. ao que me parece é uma história que tem um cavalo passando, o médico conversa com a filha e ela se despede d'alguma coisa, mas ainda não me contaram o que é. vai passar umas linhas numa sala de espera de consultório e as pessoas se aceitam, a mocinha pobre está grávida enquanto a outra, filha do médico, escreve uma carta pra... quem? conte logo.

beijo

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Aspectos cansados do sentido

a demência, o slpeen..., as inquietações estranhas que o leitor preferiria não ex-
perimentar..., a culpabilidade de um escritor que rola sobre o declive do nada e
despreza a si mesmo aos gritos de alegria...
(Lautréamont)


para bruno e rafael

Passando pela calçada, disseram p'ra tomar cuidado. É sangue! Era sangue dos tiros. Mas passamos pela calçada em cima do sangue mesmo porque não era um sangue nosso, o que achei muito natural; ia ter de haver muita água dentro dos corpos pra se chorar tanta gente desconhecida. De qualquer forma, passamos na calçada e nem havia mancha nenhuma lá; mas houve, eu achava; sangue dum atropelamento. Os dias passam e a calçada desbota mesmo. É coisa do tempo, desbota e apaga que ali tinha tido muita tragédia, tragédia de cruzamentos e que iam sumindo um mais ou um menos.
Pensei que partíamos, mas só andávamos na calçada quase sentidos da pouca certeza que assim entre nós se estabelecia então. Maria não poderia se chamar outro nome se não não seria Maria, seria uma outra pessoa que não faço idéia de quem seja, Maria, se se chamasse Sandra, talvez fosse até parecida mas, por exemplo, se fosse Laura, ia ser outra sem o menor sentido. Maria se chamava Maria porque Maria é o nome de toda heroína de doçura resignada, retardada; já muito diferente de Teresa. Teresa descia o morro de Santa à pé porque achava desaforo pagar 60 centavos de bonde. Teresa tem umas coxas tão duras que eu queria morar numa casa feita nas coxas de Teresa. Teresa sabe ser doce, mas geralmente nunca é porque são passagens da rudeza da vida, igual a calçada, a doçura em fade in. Teresa nas histórias é sempre toda combatida (ou combalida?) e declara neste ato que gosta mesmo é de ser comida de quatro.
Mas não é de Teresa que íamos dizendo, mas de Maria.
Maria apaixonou-se, como já era de se esperar, e íamos todos passando pela calçada. Ele disse: reter a existência me empobrece a alma... Como Maria não tivesse mais nem um centavo e a alma já não lhe nunca pertencesse mais, chamou hipérbole e sacou o próprio corpo, atirou-se em baixo do ônibus vindo, imagino que por pensar muito forte que fosse Anna Karenina. Era assim de fazer tudo nos seus impulsos fracos, mas extremados, porque sentiu-se culpada por não saber fazer mais nada além de querer segurar o tantinho que tinha, não só daquele amor histérico, mas daquela razão calma que lhe dava sentido e identificava para além da inveja que sentia de Teresa, ficava feliz com ele assim de ser Maria por ser bem querida e cantada de tiara branca: nunca antes havia sido notada. Ele disse: isso é coisa que demora, não é assim mas, sabia lá ele que o tempo de Maria, ou o meu, de Sandra, Dita - não o de Tereza que não precisava de ninguém - demorava exactos dois segundos pra fazer uma hora? Ele escorria (o tempo), vazava e correndo no meio fio não há água que fique potável! Ela não pôde e o que fez, implorar, entristecia por gargalhadas a alma do seu rapaz que não a mais quis. My love grows more and more passionate and selfish, while his is dying, and thats why we are drifting apart.
Eu lembrava Maria, devia lembrar porque minha mãe constantemente me chamava assim, mas nunca realmente a conheci. Tinha sangue na calçada, mas algo muito insinuado já tão ido, alguém tinha caído e batido com a cabeça.
Eu segurei a sua mão um pouco aflita e disse: me segura qu'eu tô escorregando. Assíndeta nessas coisas imperiosas d'eu ter te conhecido... Queria ser a mulher do padre.

sábado, 17 de novembro de 2007

Tentativa pra Genalva: revista piauí

começou como essa história surda, de duas ou três pessoas, das poucas vezes que se pode sentir amar alguém por vício de necessidade inculcada de expandir ou chover, inundar o quintal, fazer molhar em todas as frestas da escolha pro chão. fazia-se pra vestido nunca nos sábados, às sextas de feriado. mas fazia-se como que pra vestido, base, rímel, sombra e batom se não virava, dizia, prato sem estampa.
versava um encontro imaginário e sério, com compromisso e estava no cinema; chegava meia hora antes dos filmes e esperava o encontro que tinha. acontecer. olhava alguém, homem, mulher, bilheteiro, tanto faz. olhava e via num gesto pupílico se era e se ficava espaçadamente. achava lugar na pilastra e outra, lá dentro da parede, na rua, buraco, levantava as saias, se havia pra beijos, pra mão, pra cabelos, brincos, inflava, passava a língua na boca, enfiava dedo e, às vezes, até tinha gozo todo pra si, dum calor creacionista. ouvia o olho dele, ou dela, unha, unha da mão. daí percebia igual num acorde despertino que era não, não era o encontro esse o combinado, a pessoa, era engano. atendia àquilo como se fosse ao telefone, não é daqui, ela ouvia na incapacidade auditiva (ou visual, não me lembro) ouvia que não era de lá e desligava. se fosse antes, tocava pra ver seu filme, se depois tocava pra casa, se durante, não há como saber: tomai todos e bebei.
no quarto tinha uma penteadeira branca parecida com de mentira, restolho das infâncias. se via funda pra si, piscava e escovava, lavada e apagada, renova. ainda não foi. porque chegava tarde ou cedo? era noutro lugar? ele passara e ela nem tinha apercebido ainda? grifou outro nome no cahier da programação semanal.
ele noutra escada, e a irmã: tu precisa é sair de casa, moço assim que fica escondido é credo. não valia, mas foi com os centavos trocados que correu pro trem, correu sem quase dar o tempo de perder o trem. chegou e não sabia se era o adiantado da hora, esperava e sabia o que olhava em volta e nada ali, tinha todo mundo entrando nada era ela: ela que era dele guardada. nem um pra pipoca. tinha jujuba comprada, jujuba de fruta cristalizada, três um real. os sufocos que mexiam pra se achar nos desastres das tentativas nuns lances dois e dois igual 7. corria ali na Cinelândia, voltou de ingresso ainda ou no bolso e quem tinha de ‘tá, não tava. passou no orelhão e girou disco pras tristezas que não se acertavam não, profundo e rápido pra ver se acertava a casa: Genalva, vem me buscar qu'eu to odiando.

--
originalmente eu escrevia pra mim, depois eu pensei em mandar pra revista piauí, por isso Genalva, vem me buscar que eu estou odiando. mas depois que eu pensei que podia ir prá piauí, pra eles, perdi todo o tesão. eu quero é limão expresso, genalva é uma estranha, foi um vírus.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Só no ano que vem

uma perda pra dentro - toda vazia - que a irrazão enche costumeiramente dos enxertos; lembrar do que ia, viajar pr'onde foi e entupir-se de cabou.
nessas horas aflitivas em que não se deve contar nenhum segredo, costumam bater à porta de algumas das trezentas moças de caráter duvidoso os estrangulamentos do vazio. dias em que não chove, mas faz sol.
de qualquer forma, não é difícil de estranhar que ela ou eu estivéssemos sobre a mureta, olhando pra baixo e vendo as pessoas passando como formigas lá longe. essas reflexões nos acometem quando o silêncio cresce e precisa sair nas contrações. lembro que, nas cartas emocionadas, Dita me contava do alívio que sentia quando os coágulos se expeliam. Segurando a folha, eu pensei - naquele instante exato, um caminhão velho e azul subiu a rua (quebrado) e as letras eram cinzas agora - pensei na dor que se sente antes dos coágulos ansiosos escorrem pelas pernas, como o desnecessário saindo e finalmente somos poesia sintética. balada de alívio.
Só que Dita chorou por meses e ainda chora porque não sabia se eram coágulos ou pedaços de lembranças que se perdiam sem que ela houvesse autorizado os esquecimentos.
Em cima do meu muro eu já não vejo mais tanta gente passando lá em baixo como formigas (ou formigas?). o sinal fechou. nunca quis que fosse de verdade voar. A outra perguntou: quem mais? Mas eu não soube responder. depois do carnaval, todas as dispersões destoaram e não pude pagar a conta da inspiração; resultado: o silêncio que é teu.
nessas horas aflitivas em que não se deve contar nenhum segredo, costumam bater à porta de certas moças duvidosas as virtude do castigo. como seguir as linhas se as prateleiras ficaram vazias desde aquele domingo? domingo é o dia das tragédias, você disse próximo só de si. Colombina em suas sem-bem-querências ouviu do moço arlequinal: eu o ceifarei. foi como se tivesse uma faca. mas esperávamos eu e ela, vimos tantas cenas bem depois do que dava pra ver, cenas completas, vielas, expectativas outras ordens num mesmo útero. eu também esperava, minha amiga. e não foi só dele. queria poder um dia te contar sobre isso.
relendo as pautas azuis da carta de Dita, as moças - agora irrepreensíveis - decidiram conhecer a rua de perto pulando num vôo infinito pela janela do térreo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Intermitentes para mulheres do lar e dos filhos

Ermentrude não sabia pôr em vivências os seus diálogos interiores e vagava em espaços reticentes com o vento descompasso. Ruas que já foram de terra percorre. A garganta seca dói porque guarda palavras amargas que tenta pintar de preto para esquecer. Desaparecer na noite escura e fechada. No local do sofrimento esfrega uma faca de cozinha e recita palavras encantadas com os olhos fixos no calendário de parede.

as insatisfações. ela escreveu e ficou pensativa também porque era a palavra que não saía da cabeça desde 1996, ou melhor, a expressão - porque o artigo definia os pedaços faltantes. tinha um olho que era meio fechado. todo mundo dizia que era normal um lado do corpo ser menor que o outro, mas ela via um lado incorfomado que tinha elefantíase. provocava florestas inteiras com gritos do alto e imaginava-se sempre ênclise, num balanço. via, primordialmente, pontes de pedra e olhava pra cima vendo a árvore que balançava (?) mas não houve alguém lá trás pra ela poder gritar mais forte; nunca tinha. se auto-dava impulsos e, imagina, que, com o passar do tempo e a vinda dos reumatismos, seria cobrada das pernas ao peito pelos impulsos diagonais: pelos enfrentamentos atmosféricos, gravi-tacional. o monitor olhava: as insatisfações. o cursor também piscava as ins . vinha depois o que? ...reticente, facultava ar pra respirar e casmurrava.
o olho menor fechou e aí ela teve um filho. tiraram uma foto no 1 ano - foi perolada nos sonhos. foi como se desprender, foi como sentenciar que ampararia, em todos os passares, com as mãos espalmadas. muito mais alto, forte, balanço, frondoso.



originalmente publicado como comentário em Ermetrude de Isabella Kantek (e trecho). se-me engravida...

domingo, 4 de novembro de 2007

De ser-se




de-lírios-rosa-cor-dela-ranja



sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Janis Joplin - kozmic blues

mas eu continuo
e nunca descobri porquê




Time keeps movin' on,
Friends they turn away.
I keep movin' on
But I never found out why
I keep pushing so hard the dream,
I keep tryin' to make it right
Through another lonely day, whoaa.

Dawn has come at last,
Twenty-five years, honey just in one night, oh yeah.
Well, I'm twenty-five years older now
So I know we can't be right
And I'm no better, baby,
And I can't help you no more
Than I did when just a girl.

Aww, but it don't make no difference, baby, no, no,
And I know that I could always try.
It don't make no difference, baby, yeah,
I better hold it now,
I better need it, yeah,
I better use it till the day I die, whoa.

Don't expect any answers, dear,
For I know that they don't come with age, no, no.
Well, ain't never gonna love you any better, babe.
And I'm never gonna love you right,
So you'd better take it now, right now.

Oh! But it don't make no difference, babe, hey,
And I know that I could always try.
There's a fire inside everyone of us,
You'd better need it now,
I got to hold it, yeah,
I better use it till the day I die.

Don't make no difference, babe, no, no, no,
And it never ever will, hey,
I wanna talk about a little bit of loving, yeah,
I got to hold it, baby,
I'm gonna need it now,
I'm gonna use it, say, aaaah,

Don't make no difference, babe, yeah,
Ah honey, I'd hate to be the one.
I said you're gonna live your life
And you're gonna love your life
Or babe, someday you're gonna have to cry.
Yes indeed, yes indeed, yes indeed,
Ah, baby, yes indeed.

I said you, you're always gonna hurt me,
I said you're always gonna let me down,
I said everywhere, every day, every day
And every way, every way.
Ah honey won't you hold on to what's gonna move.
I said it's gonna disappear when you turn your back.
I said you know it ain't gonna be there
When you wanna reach out and grab on.

domingo, 28 de outubro de 2007

Resumos imaginários da coincidência noturna anterior

mas, na verdade, será atroz o peso e belo a leveza?
o mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. o fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intrensa realização vital. quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.
(Kundera)

parece difícil transformar em texto, e realmente é. intimidades elementares só pedem silêncio pra paralisias convulsas. desse jeito, não se sabe direito como me tornei diversa, como foi que quis te procurar com as mãos e vocalizar sentidos que nunca expressei. são todas imagens que, tão aproximadas, são muito turvas: te procurar com as mãos, os dedos e as unhas num movimento tão irreconhecível que dei passos pra trás. ineficiente. se eu escrevesse a palavra, escreveria num espelho pra ter coragem de olhar pra ele, em dizeres, dizer que foi um salto do desejo; suprimir o que até hoje me pareceu proibitivo. saltando pelas sacadas, prestando
uma atenção suicida, aturdi mil beijos pelo pescoço e desenhei quadris perfeitos para encaixe; não menti, quis estar infugível contra paredes. a impressão que se tinha dali era que o querer era vindo e era seu. era eu que te acordava, que achava hora pra parar os seus sonhos, que te procurava com as mãos, que te engoli nos seus sonos, que fiz cercos de língua e realidade como se fosse cafeína.
e o que mais havia de ser? eu bocejava e sentia os seus dedos em mim. eu reclamava mais cinco minutos e só o que tinha era o preenchimento de todos os vazios universais pelos teus dedos, pelos meus dedos, pela minha vontade de me esconder, pelo meu excesso de pudores. parece extremo mas, digo, é urgente que se saiba que você circunscreveu meus seios e que você me ladeou e que houve essa posse e que fui pelos cabelos puxados. violentamente estive devota.
simplesmente quis devassar, singelamente forçada, frondosamente aberta. eu quis joelhos, quis ponta dos pés, quis beber. transformar em texto parece fácil quando se você soubesse nas exigências que... podia mesmo ser todas as sonolências, se eu dormir, se você me morde, se eu te chupo; são percepções acetinadas do não comparecimento. parece corrente: li teu cartão pela vigésima vez. li teu livro. foi pela insistência da sua demora que me toquei.

sábado, 27 de outubro de 2007

Em partes dispostas: num tempo só

não tenho escrito... nada, nada não. acabei de pegar um papel e escrevi assim:

Afrânio vivia numa torre torta
mas nunca chegou perto Afrânio
vivia numa torre torta mas
nunca chegou perto Afrânio vivia
numa torre torta mas nunca
chegou perto Afrânio vivia numa torre
morta mas nunca chegou
perto Afrânio

eu não sei o que isso significa. só sei que acordei às 6 e trinta da manhã hoje e sabe quem me sabe bem o que é isso. sabe? seis e 30! essa semana foi chuva demais no Rio, muito cinza e eu não sei lidar com isso. não sou adaptada pra dias frios, passei a quinta feira inteira com a bota encharcada porque a minha bota é um enfeite, entra água. fiquei presa no Campo de Sant'ana e esse foi o acontecimento mais absurdo da semana depois das três horas parada no trânsito tentando chegar na Central. tu-do parado, foi um horror. e justo num dia em que eu estava felicíssima indo ler as minhas fontes documentais no Arquivo Nacional; estava com muitos planos, muito satisfeita por ter acordado cedo e estar na ponte meio dormindo (adoro o estágio de meio dormindo; é o melhor momento pra maioria das coisas. coincidentemente estou meio dormindo agora; dentre as coisas boas, não está escrever porque fica mal escrito, tomado de erro - uma duas...) ouvindo Radiohead (feel it.....!). isso foi na quarta, eu estava de sapatilha aberta mas..eu dizia do Campo de Sant'ana, pois bem; entrei no Campo assim que saltei do ônibus (três horas de engarrafamento) e, hipoglicemia, pensei em ir na Senhor dos Passos comer. mas a chuva alagou as saídas do camo e ficamos lá por uns 10 minutos na enchurrada eu, as cotias e um pavão agachado no laguinho. uma porcaria a câmera estar sem bateria na hora porque seriam lindas fotos, queria mostrá-las, mostrar-vos.
então, estive no Archivo Nacional e comi sanduíches com Coca-Cola morna - sem geladeira para consulentes - e li uma penca de livros cartoriais. Fotografei no segundo dia uma série de cartas de alforria (1840-1871) mas ficou um horror, acabei de ver; impossibilidade parcial. ainda preciso analisar o que extraí disso tudo. sei que fiquei muito chateada em alguns momentos com uma série de coisas; a principal delas era: por que sou uma retardada leve?
em casa agora, pós-monograficamente-orientada, livrada de livros, medicada e com sono - ainda houve seminário sobre teatro no Brasil 1940-60; expressamente: Nelson Rodrigues- vou me dar algum descanso e todo descaso, mais chá de acalmomila. depois escrevi umas outras linhas mas...bestas também. aqui está, é isso, postei e parece um blog.


à pé molha-da samba frio rio
rio sem motivo - absolutamente que motivo tem?
restinga das palavras lidas (ilíadas) sí-la-bas
que de sí-ludi nos ar-co-cine iris
arco sim na lapa
sou cantada sem sal bonita e depois rápido
moça, mulher, comida entre a cama e o espelho
bo-ni-ta
pra chorar no corpo de-delírio
assíndeto

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Postagem travessia para moças perplexas

postagem apagada, postagem de volta, postagem de merda com título novo lindamente rebatizado.

cachecol molhado, bota molhada, não era das meninas mais impermeáveis; sempre tudo molhava até as revistas e os livros nas ocasiões mais diversas, a principal delas era, sem problemas com a certeza, quando chovia demais e entrava água no quarto (rachadura na parede). inundação. chorar fazia pouco; se proclamava a vontade e ficava sempre sendo só vontade porque não passava jamais da portinha do olho. ela dizia que tinha cadeado praquilo, pra represar, e represou sem querer de tanto não poder se fluviar.

desse jeito, então, tinha-se feito aquele redor.

se não molha por dentro o trasbordamento vem de fora, por infiltrações, ou cano estourado ou caos poético bíblico. sorte era que nadava bem, não que tivesse treinado, nunca tinha tido asma, mas aprendera numa bacia de alumínio cheia e fresca, entre a terra muito batida e a sombra das folhas de bananeira - aliás, acreditava piamente que as folhas de bananeira, se secas e trançadas, poderiam se transformar em jangada. perdia ou ganhava dias de sol no tanque velho (hoje, ao redor desse tanque, colocaram cacos de azulejo, um de cada cor no concreto) daí lavava as folhas com sabão e punha pra secar feito fosse roupa, com pregador e tudo. se perguntada sobre as aprontações, respondia pra preta dos cuidados que queria secar as folhas e fazer uma jangada das tranças. preta não só dos cuidados que evitam de cair ou se perder, mas das imaginações. ela ensinou que não se ia a escola, se fazia percurso, e que se pode(ia) entrar nos matos pra tomar um mel que dava em plantinhas, também tinha aquele melão-de-são francisco. eram épocas moderadamente úmidas, humildemente frescas, tinha também abacate amassado com limão, mas ele ainda não era expresso, mas ela ainda não tinha cadeado pra represar a água de dentro, se soubesse, se eu fosse falar com ela agora, ela ia me dizer preu jogar fora, dar com pedaço de pau, pra gente enfrentar os mosquitos e a perna ralada, pra gente dar nome pros cachorros desconhecidos dos vizinhos desconhecidos e sonhar com que casa morar (o sobrado branco tá lá ainda, igualzinho!), e ver a galinha Knorr colocando ovo, biscoito de maisena enfeitado com garfo de 4 dentes e todo etecétera. se ela me visse...se eu pudesse falar de ouvir com ela agora, ela ia dizer preu desaguar e escrever de vez em sempre. eu ia dizer que todo segredo deve ser mantido do olho pra dentro, que isso é falha que a gente aprende no eito dos mal-amar... cachecol molhado, bota encharcada, jaqueta que não cobre os braços, ponto de ônibus e daí é noite. que'me dera agora te'minha jangada pra cantar.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Verkitschen: te digo se delírios

via só os números escritos na coxa, já até esquecia que não apagava, seus números. as outras, oito pares de olhos observatórios, viam e se encheram de raiva: números escritos? e quem se importa? despertou inveja de toda uma cidade que mal sabia ler, quanto mais enveredar. chegava bem na praça, atrapalhava o jogo de dama dos cavalheiros velhinhos, levantava a saia e saía no orgulho da exibição de números estruturados. pitágoras! a mãe fez nada, o pai dizia que era caso pra pé de mesa. pé de mesa? era só a hóstia subir pra saia ir junto. cidade despovoada, primo casava com primo, é sempre choque. até me dói a agonia - tentar lembrar o passado d'ela verkitschen, não lembro. garantiram que era o calor que fazia e ela realmente não se fazia de rogada nem no açougue, se abanava, se ventava amplamente e era estampa pra tudo quanto era lado, e era surda de nunca ouvir adeus.
mas é que era esperado só pra quem ouve a história, que uma coisa só é que ia suceder. e nem era um rapaz dos mais bonitos, nem rico (pobre de homilia), nem acendia vela, pulava janela bem à beça. contava que vinha encomendar copo. ela correu o que pode e a laringe quase estrangulou o coração de pânico. dia hora, escreveu na coxa, minutos pra ele aparecer no balcão d'ela atender. ele: moça... a cena, por que repetida, foi exatamente a mesma. segurou nas bainhas pelas pregas e deu bom dia pros estrangulamentos. depois não aconteceu nada, nada com o resto da vila, silêncio até nos que sempre diziam que um dia (!um dia) iam ver o mar. sacou a caneta: -1, em baixo, zero - e - ontem e você hoje se é fim dos pressentimentos tristes. poucos sabiam ler que dirá dar telha pra quem escrevia coisa na mão, no pescoço, nem o término do escândalo das calcinhas expostas em paralelepípedos públicos preocupava; vida é pra cada um achar que está. e ficaram tanto tempo lá, ele parado escolhendo copo e ela com a cabeça enfiada entre os pés, se calculando nas coisas do dizer, que ficou tarde e eu vim embora. agora conto a história, sem saber o fim que vai ter de aflitos.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Drummond: a morte do leiteiro


originalmente publicado em Obvious
estou ainda às voltas com o TCC, peço desculpa pelo silêncio. mas,
com diria o Collor, não me deixem só!


Na minha época de escola, tive a sorte grande de esbarrar com materiais didáticos fantásticos. Fantásticos ainda que franciscanamente simples. O meu favorito era uma fita K7 que acompanhava um dos nossos livros de literatura. Numa dessas feiras de estudantes, feira de letras ou de palavras (não lembro o nome...) eu resolvi que íamos apresentar poemas Modernistas - sim, resolvi; eu acreditava ser o Napoleão Bonaparte do meu grupo de amigas, um osso! Acabei por me atracar noites e noites com os cassetes ouvindo poemas recitados do Mário de Andrade. Meu favorito era "Ode ao burguês" (como todo bom latino-americano, eu tive lá meus momentos de petit comunista) que eu acabaria recitando inúmeras vezes pelos corredores do colégio e pelos cômodos da casa, sob aprovação amorosa do meu pai - o socialista mais capitalista que conheço. Passado esse furor vermelho e passada a feira de Letras ou Palavras (?) pude me aventurar com mais calma nos outros poemas: Manoel Bandeira, Gonçalves Dias, Euclides da Cunha e por aí foi. Hoje a verdade é que muita coisa já está desbotada na minha cabeça, não sou genial a esse ponto: pra cada informação nova, a outra mais desusada cai lá longe. Mas ainda me parece meio fresco, lembro de cor diversos trechos e fico sempre estranhamente emocionada, instigada. Me lembra um país que eu nunca vi e de que não sinto saudades, mas que me atrai como um impulso masoquista... Bem, é este Drummond. Encontrei aqui perdido na HD e resolvi trazer pra cá. Espero que gostem. Se chama "Morte do Leiteiro".



Há pouco leite no país
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas,
seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro.
morador na Rua Namur,
empregado no entreposto
Com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma pequena mercadoria.

E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este entrou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.


terça-feira, 9 de outubro de 2007

(outro) Pequeno ensaio textual: a letargia da miséria

Há também essa chave; a letargia da miséria. Não acho que seja possível refletir essas coisas que escrevo sem que eu passe e pare antes nisso, nessa situação. Onde eu esbarro e acaba me impedindo de descrever expressão de uma forma certa e compreensível é nessa complicação que é expôr o íntimo de forma realmente íntima. Explico; a letargia da miséria é uma concretude na minha vida, permeia a minha história e a história da minha família, dos meus conhecidos e dos meus desconhecidos, é a minha maior negação e o que corta de orelha à orelha as palavras que escrevo.
Essa tal letargia é um ataque crônico de paralisia psicológica, nasce de dúzias de privações, de centenas de desilusões, da fome que pode durar 1 hora por dia, duas, uma semana ou meia vida.
Ao dicionário:


do Lat. lethargia
s. f., estado mórbido em que as funções da vida estão atenuadas por forma tal que parece estarem suspensas;
fig., sono profundo;
estado de apatia moral ou intelectual;
estado de insensibilidade característico do chamado transe mediúnico.

Leva as pessoas e/ou personagens a atitudes que costumam ser condenadas como a submissão a alguém ou a alguma situação. Ou melhor, essa letargia não o leva a lugar nenhum mas o coloca numa posição (ou ele se considera assim) em que é sempre simplesmente levado pelas circunstancias que ele acredita serem inescapáveis. É o vento que sopra aos ouvidos, mensagens tanto de esquizofrenia que atraem para a queda.

Ela queria os agrados em formato de descontrole, queria que eles desabassem logo e pensou em de-repentes, pensou num vento que sopra sempre nos ouvidos e que levam, arrastam. Ela era magra, sempre fora muito magra e com uma barriga de criança faminta. Magra e levável

noutro:

escuro e beijo, meu rosto todo e uma boca que não seria mais estranha depois - digo a verdade de que eu nunca gostei. contornava a cama e eu pensando no quanto você era disforme, ridículo de preservativo, mas resignado ao brutal. andava tão triste que consegui durante dois segundos não pensar o que tava fazendo ali; dois segundos e não me concentrei mais em estar por ser inevitavelmente levada pelo vento forte que sempre fez.

Mas eu dizia que esta era uma chave íntima. Na postagem Visão do nosso paraíso foi quando eu expus, ainda sem saber o que era, a situação da apatia; eu falava sobre a minha família e dum relance da vida daquelas pessoas no interior da Bahia. A luz entra pelas frestas das paredes das casas feitas de madeira e barro e dá pra ver a poeira voando, as crianças brincam de ficar olhando a poeira no ar porque são crianças, estão indiferentes em imaginações, a maioria não vê que estão no início de uma roda parada. Isabella Kantek abordou um instante como esse, mas entre a dúvida da ingenuidade e o conformismo do cansaço; triste.

O avô espalhou pelo chão da sala discos de memória e afeto. Regressar à infância tem gosto de sertão. Boca da terra vermelha.
A menina arranhou com olhos de agulha e escutou com o coração da idade imatura. No bafejo da tarde a vespa impaciente carrega no cerne, dor.
A cadeira de balanço acolhe os anos que trazem arrependimento e apaziguam cantigas de um tempo que teme esquecer.

Quando eu escrevi aquilo eu não tinha claro o palpite de que eu também já tinha sido aquelas crianças, hoje, exatamente hoje, eu tenho minhas dúvidas de que não faça mais parte dos não-giros da roda. Mas, continuando.
Acredito no aleijamento que a miséria causa, que a pobreza causa. Alguns colocam prótese, mas, não importa quanto tempo passe ou quanto a ida melhore, está lá o aleijão. Vimos aquela menina da Gamboa que arranjara um amante pra fugir do cheiro de peão do pai e da fome (não consigo imaginar o que acontecia com o dinheiro do trabalho dela.. talvez fosse muito pouco, talvez o pai usasse pra beber, não fica claro); além desse amante (um moço pouco curvado) e da sopa em pó que ele lhe levava, há nela essa obsessão pelo fedor do pai que não lhe sai da memória (ela acha que também fede. É tudo fruto duma mesma coisa, duma mesma época; ela não conseguiu construir uma prótese ainda que as lembranças tenham ficado meio desbotadas.

às vezes eu acho que esse cheiro não vai sair de mim e do cabelo. Isso me espanta em você, e acendeu um cigarro, foi pra junto da janela exatamente quando passou um Maverik vermelho escrito vendo raridade. Te espanta porque não precisou comer os ovos empanados do boteco, o moço me dava até um refresco de graça, junto com ovo... ovo cozido empanado, ovo à milanesa e um refresco bem ralo de maracujá. Só queria tirar o cheiro de peão de obra.

(Era um pequeno ensaio, não? peço desculpas pelo alongamento), a questão ficou marcada e clara nos diálogos de Abelardo e Francine onde ela dá nome à coisa e chama de letargia da miséria. Francine talvez seja o enfrentamento; não é normal que um miserável se diga assim.

os meus irmãos sempre me beijaram, mas na boca, sem língua. um tio na cama dos meus pais cravou o dente no meu pescoço e fui a lucy de bram stocker. ele me tocou fogo até que o vento custou a bater pra levar o que ficou de cinza. noutra um tarado, um judeu tarado. um médico judeu tarado. um clínico com um carro prata, me deu um beijo na coxa e pediu telefones. os professores chupei todos até descobrir que não existiam presentes, só há venda.
e os padres?
me puseram no púlpito pra sedução letárgica da miséria.

A letargia da miséria provoca o apego ao inútil, ao mesquinho, a si; a vida de um miserável é regida por instinto? Geralmente penso que sim. Um miserável pensa em comer amanhã, em viver amores imprescindíveis, perpetuar sua morbidez. Simplesmente existir, simplesmente deitar e acabar de morrer descansadamente.
--
referenciais:
Dicionário Priberam
Clarisse Lispector "A hora da Estrela"
Milan Kundera "A insustentável leveza do ser"
Abril Despedaçado, de Walter Salles

colaborou:
Rafael Santana - Aletômetro


sábado, 6 de outubro de 2007

Pequeno ensaio textual: audição

O ouvido é para mim, é para os meus delírios lêtricos, um personagem, um avatar, que algumas vezes aparece nesses textos e que é bastante categórico, mesmo nos seus aparecimentos e reaparecimentos quase imperceptíveis, para a compreensão das linhas.
Eu estou chamando de personagem porque não sei se chamar de "expressão" parece verdade, ou conceito; não, não. Com certeza "ouvido" aparece nos escritos muitas vezes como o órgão mesmo, mas em outras é preciso ter um pouco mais de atenção para perceber que não se trata só disso, da parte do corpo. O ouvido é um lugar onde se podem revelar segredos, revelar pela fala ou pela sonoridade da escolha das palavras; tem uma estrutura completamente confessional. Mas mais do que isso, é também um tempo, um plano: a ocasião exata onde aquele ou aqueles segredos podem/devem ser pronunciados ou confessos. São essas coisas íntimas que trancamos em algum lugar e julgamos que só podem ser ditas num momento específico para uma pessoa ou platéia específicas.
a gente fica esperando a vida inteira pra sentar do lado daquele ouvido e dizer, aquele ouvido que só tá ali pra ouvir mesmo, que acha até que gosta de ficar e ri, chora
Isso não exclui o engano; às vezes damos a saber algo para o ouvido errado (num momento em que as histórias ainda não tinham as palavras certas para contar) o que geralmente causaria uma frustração do desperdício, do engano. Também há a ocasião onde o interlocutor nunca se faz presente para ser um ouvido; está interessado em cheiros, em dedos passando, pouco se importa com qualquer confissão, qualquer dado íntimo que vá além disso.
lembro de você (da voz não, nem no ouvido)
O ouvido é uma entidade independente porque ele é o outro, pode até ser mais de um outro, várias pessoas, pode ser você percebendo os próprios ruídos.
tratando de misturar tantas letras e tempos de nomes ou adjetivos sinais que nunca combinaram bem, falando como se falasse aqui baixo à meio ouvido de distancia sem que ninguém veja
A questão principal é o segredo contado para o ouvido; ou às vezes nem bem segredo, mas algo surpreendente que não tinha sido revelado até então, talvez um algo que fosse melhor ter continuado sem som.
eu tinha dois olhos encantados
que morreram caindo lá de cima
fazendo um barulho tão horrível
que nenhum ouvido quis ouvir
Eu acredito que por vezes misture o sentido de ouvir com o sentido de ver. Talvez por achar que os sons revelam mais, que formem imagens mais ajustadas à abstração do que ao factível; fechar os olhos pra ver, fechar em si, concentrar-se para perceber algo a partir do que só está criado aqui dentro.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Que arde e é vento

Desceu os degraus, de dois, três em três, fazia as paredes de corrimão, cinzas de correr mão e correu voou mesmo e bateu os tornozelos incrivelmente apressados; parou ou pousou na frente do balcão, pediu caneta pro porteiro, desfolegou e mostrou os dentes (sempre me encanta quando faz isso, e usando vestido...!) daí foi na mão mesmo que escreveu: 8 5 2 – 2 4 8 – 9 5 3

(718 - 404 – 1374 telefone público em frente ao salão da Carmem)
"Estou tentando descrevê-lo com a minha foto na mão. Eu sei. Não ... escuta, somos muito parecidos", insistiu Eva. "O quê? Você não está me escutando? Tem um auto-falante fantasiado de alter ego dizendo que você devia agir de forma mais natural?"

Eu queria poder dizer o nome dela que passou as fichas duma mão pra outra, deu bom dia imaginário pra moça da fila, olhou o retrato e se convenceu que nem tão distante se podia enxergar a grandeza da sua precipitação hílare (ainda que com suas suspeitas de trágica). Desocupavam o telefone e se afastavam, ela se tropeçou, agarrou o fone vermelho, telerj, telerj e girou o disco com 8 5 2 – 2 4 8 – 9 5 3 1

Ia dizer no futuro que ensaiara o tom da fala em casa, sala, sozinha, feito peça pro espelho vestindo só calcinha (e calcinha azul de algodão, como deve ser). Disse pra si na unidade lateral da certeza de que sim, cativara o rapaz e o homem. O que disse foi segredo, é só o que importa, mas é segredo. Pedia sobre os desvarios típicos da idade, queria passar suas bermudas, usar seus sabonetes, beijar no escuro a sua idade publicamente respeitosa. Pendurou o fone vermelho da telerj no lugar e voltou correndo ou voando, de pé meio descalço e tudo (e usando vestido...!). Quem olhava rápido vendendo alho roxo, ou atravessando a rua ia achar invariavelmente que ela tinha encontrado um palito da Kibon premiado. Mas eu sabia, eu tive inveja, quis ela pra mim ... até que ela veio.


--
trecho destacado, de Isabella Kantek
(com toda minha admiração)

terça-feira, 2 de outubro de 2007

SAC Limão Expresso: estaremos escrevendo

Contundente é a alforria de Severina Crioula datada de 1850. Segundo o senhor, esta “ha muito tempo que goza de sua liberdade debaixo de minha tutela”, recebe então a carta com a condição de prestar obediência a seu antigo proprietário “quer seja conservando-se nesta ou em outra qualquer parte que eu determinar, ate que fique habilitada para poder tratar de si (...) , a de Juliana Crioula estipula em sua condição que esta “deve residir a mais de 1 légua do senhor por causa dos seus defeitos”. Já a carta de Luiza Conga, de 1851, tem como “expressa condição, que a escrava nunca mais apareça na casa do senhor”, o que instiga é o motivo: “porque a escrava vai casar com Bernardo Dias de Lima”.
Caríssimos (já disse que me sinto S. Paulo toda vez que digo "caríssimos"?)
Venho por meio desta estar me desculpando pelas postagens chatíssimas, enfadonhíssimas dos últimos dias - que acabou enveredando por uma pequena fase preto&branco pseudo-ruim. Não tenho como me explicar; isso aqui é ruim mesmo. Se por algum tempo eu tive ilusões de que não fosse, elas estão meio em crise existencial. De qualquer sorte (ou azar), como alguns sabem e outros não, estarei escrevendo minha monografia em História (ou TCC, como você chamar aí na sua casa) nesses próximos dois meses e não tenho andado com a cabeça mais refrescada para escrever algo que faça, minimamente, sentido. Não estou dizendo que vou me ausentar, pode ser que eu escreva ainda todos os dias, mas só vou estar escrevendo essas coisas rarefeitas; "correndo atrás do rabo". Quero dizer, nada especial.
Bom, agora estarei precisando ir voltar a estar lendo minhas cartas de alforria. Faltam ainda alguns milheiros pra eu começar a terminar minha listagem de casos instigantes envolvendo senhores e escravos no Império do Brazil...

domingo, 30 de setembro de 2007

Episódio endereçado

a gente entrou pelo portão meio indiferente com a sujeira. tinha acabado de chover e eu e você ficamos sentadas num frio absurdo e os bancos molhados, ainda não sei como saí de casa com os cabelos pro alo. imagino que foi o abalo de você na porta com os olhos com água e o casaco de veludo da Luana: preciso de um abraço seu bem forte, me dá cachaça? e a noite não teve uma frase melhor do que bebe, bebe. tudo pra você esquecer porque você precisava de um apertado que eu nunca soube dar. contou que achou que doeu pra cacete, que ele reclinou o banco e ficou por cima, você olhando pro teto. espera, espera; eu quero ver o mar. ela virou a cabeça e viu a praia de noite em Alice através do vidro do carro. piscou e calculou a consistência do absolutamente enxovalhado: tudo bem, pode continuar. e ele continuou de onde tinha parado num admirável senso de concentração. acabaram, beijo, fecho, cobre, ajeita o banco, gira a chave. merda! merda! caralho! caralho, o carro não quer funcionar. celular: pai, pai o carro não quer funcionar. que? tô na praia, pai. tudo bem , era a bateria que tinha arriado, o cara do casal do carro de trás (alitero) se ofereceu pra ajudar. você saiu e empurrou. daí a menina do casal do carro de trás acenou com a cabeça e depois, há meia hora atrás tava lá o teu rapaz em juras eternas, preocupado com o aniversário, não com o teu que já passou, mas com o da menina dele. a sentença na gravidade dos seus 16 anos foi: toda mulher precisa dum canalha. bebe, bebe. foi de início, não tinha - como você tinha dito - não teve lençol branco (sabia que ela adora lençóis brancos?) e champagne (minha nossa, acabo de me lembrar que você não tem idade pra beber!). a gente entrou pelo portão meio indiferente com a sujeira e subiu a portaria; você disse eu te leio sempre, só não comento. sei lá, acho que lá tá meio chato agora, esquisito. eu sei.. eu sei... eu pensei em dizer "correndo atrás do rabo" - minto, só pensei nisso agora. eu preferia quando você falava dos velhinhos aqui no banco, era engraçado. isso sim eu quis dizer, nunca foi engraçado. parece engraçado, mas nunca foi (foi?). seu primeiro homem e fomos tomar uma Sol. eu não soube te apertar como devia, é uma incapacidade, aleijamento, te peço perdão. só achei de um extremo mal gosto a tua história assim ser tão repetida, eu não quis que você continuasse e me contasse os filmes que eu já vi. desculpe também se me alongo. já termino.

sábado, 29 de setembro de 2007

Manchete

Em baixo da cama descascou um bis e refletiu entre as camadas de waffle: num nada, num bom dia se abriam as pernas, mais pros estrangeiros, num ranço colonizador de Darcy Ribeiro. Seu prazer era tornar-se aquela flor que a gente assopra espalhando, caminho se perder.

Estava quente e sentou logo atrás de um bom suco-de-laranja-gelada... a mãe anunciou: olha, chegou a conta do cartão do teu pai. O suco protestou na saída do estômago, só que continuou Glorinha lendo a revista Manchete. Assim não era possível! Gastou muito com bobagem, com restaurante. Tinha conta de restaurante não sei de onde. Virou uma página da Manchete e ficou pensando se aquilo era só jogando verde... será que estava falando dos nossos chopps na cervejaria cara? Se fosse, ótimo. Virou outra página da revista: a dúvida. Será que eles tinham sentado pra analisar a fatura do cartão? Era uma sigla. Sei lá. Lembrou do dia no motel que o cara reclamou tanto do preço que ela jogou o cartão de crédito e anunciou pro funcionário maquineta: paga logo. Mas que miserável! O mínimo que se espera de um homem pra quem se acabou de dar sexo é silêncio e gratidão, é o pago tudo, o te monto casa. Se fosse sexo ruim ainda ia mas... Glorinha virou mais uma página da revista Manchete e fingiu interesse no que lia. Nunca mais queria vê-lo, tinha decidido ainda no táxi. Era uma sigla, não era? Esses motéis costumam colocar uma sigla na fatura. Vá que a mulher é casada? Vá que tem pais que analisam a fatura do Mastercard? Mas e se o pai já tinha levado uma mulher praquele endereço? E se a mãe fosse, além de vastíssima católica, versada em rende-vouz? Vá saber. Podia bem ser. Detestava o cigarro dele, mas tinha ido pra cama com o cara porque era assim mesmo igual D. Noêmia: "bom dia", e se entregava. Num bom dia se entregava... Arrastou um, mãe... a senhora sabe que comer fora está caríssimo... Não sabe?? Pois é, te digo que está caro! Esses caras arrebentam até na alface! Vou almoçar um tantinho de nada - você sabe que eu como pouco - e quase tenho de deixar um olho no caixa. E o chopp do Devassa?! Assalto! O chopp é de ouro! Mas tem jeito? Vou comer como? Onde? Glorinha entretida na reportagem, gesticulou parecendo com preguiça e lançou a Manchete em cima do sofá. Era indiferente. Nada tinha mudado, fora deflorada, nada mudara, nadinha de nada. Lia a contracapa do Vik Muniz. Prometo economizar mais esse mês, mãezinha... Em algum pedaço da casa, da cabeça, chorou por que se lembrando do que perseverantemente esquecia, ignorava.
--
ref.: O Casamento, Nelson Rodrigues in Obvious.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007



Je suis Mephisto
Je suis Mephisto
(Fausto, de Goethe)

estupro! ruído de estupro. fui estuprada, abelardo!, sempre fui

francine, não diminuiu, diminui o tom, não o assunto

estupro eu e eles todos. UMA CURRA!!

(ri) páre...

parar? mas você disse que eu diminuía!

até onde eu vi alguém morreu ou sumiu, francine. tínhamos concordado que você morreu

você! você acordou! eu disse apenas que morria num ato contínuo praticamente gerúndio e você já me vem com a pá de cal. você é a coisa mais vazia dos meus dias, abelardo.. queria que você fosse o meu ouvido, mas você não e é nisso que me sobra muda...

já disse que não somos dois. sou o monossílabo do monólogo.

(soluço ou ar suspenso)


ESTUPRO! estupro por todos os lados! em todas as minhas épocas!, dum dente na cama até aqui, de tudo, sempre, meus primos, meus irmãos, tios, médicos, professores, padres... principalmente os padres todos me corromperam!, me repartiram, me forçaram. devorações!

se eu estivesse lá, te salvaria?

( )

se salvaria? ... certa vez, uma das primeiras vezes numa festa dos amigos dos meus pais, eu estava perto da piscina e um deles chegou e perguntou no meu ouvido se eu ia usar biquini. eu tinha um rosa que não gostava, mas ia. eu não entendi, não devo ter perguntado por quê dos seis aos nove, mas disse ia. porque estou louco pra ver as suas pernas... você me salvaria?

não.

depois ele me disse que queria me ver, que gostava de mim, me deu um beijo no nariz... um beijo no nariz, um beijo molhado no nariz não é algo de se esquecer...


eu prefiro que você morra novamente porque gosto de você, francine; mas de você longe! me deixa só
ser as reticências porque que parte tomo nisso se nem te desejo muito?, pouco, pouco, de dormirmos juntos sós, não me interessa você, nem a pessoa você. na pessoa você, me assombra! o único dom que me cai é o assombro, é o meu movimento, minha ação principal. não você, mas a presença francine. ela é muito sua!

ele me deu um beijo molhado...não equivale a um defloramento?

por um segundo não fui reticência... quando? não, não vale

os meus irmãos sempre me beijaram, mas na boca, sem língua. um tio na cama dos meus pais cravou o dente no meu pescoço e fui a lucy de bram stocker. ele me tocou fogo até que o vento custou a bater pra levar o que ficou de cinza. noutra um tarado, um judeu tarado. um médico judeu tarado. um clínico com um carro prata, me deu um beijo na coxa e pediu telefones. os professores chupei todos até descobrir que não existiam presentes, só há venda.

e os padres?

me puseram no púlpito pra sedução letárgica da miséria.

quando você finalmente vai?

agora. é o fim da postagem

--
acabei vendo só a dispersão do enlace e é o que tem me elevado. escrever não escrevo mais.

Dispersão do enlace

1.
acidentes temperados nessas rotas. voltas.

2.
uma expressão que me ocorreu à pouco!: canalha labial. como seria o canalha labial...?

3.
Cinco situações diferentes o levaram até ali; mas nenhuma poderia se caracterizar numa boa história que valha a pena se contada.
Basta saber que ele estava ali, em frente a praia, parado, sozinho, em pé, nu.


4.
Momentos ouve em que doutor Odorico temeu misturar o discurso em que exaltava as virtudes do morto ilustre com as infâmias que lhe estavam passando pela cabeça. Teve medo de dizer em voz alta, diante dos túmulos:
"Meus senhores e minhas senhoras! Não é nada disso! O que interessa são os peitinhos da nossa Engraçadinha! Amigos, orai por esses dois seios pequeninos" (Ruy Castro na biografia de Nelson Rodrigues)
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