Em baixo da cama descascou um bis e refletiu entre as camadas de waffle: num nada, num bom dia se abriam as pernas, mais pros estrangeiros, num ranço colonizador de Darcy Ribeiro. Seu prazer era tornar-se aquela flor que a gente assopra espalhando, caminho se perder.
Estava quente e sentou logo atrás de um bom suco-de-laranja-gelada... a mãe anunciou: olha, chegou a conta do cartão do teu pai. O suco protestou na saída do estômago, só que continuou Glorinha lendo a revista Manchete. Assim não era possível! Gastou muito com bobagem, com restaurante. Tinha conta de restaurante não sei de onde. Virou uma página da Manchete e ficou pensando se aquilo era só jogando verde... será que estava falando dos nossos chopps na cervejaria cara? Se fosse, ótimo. Virou outra página da revista: a dúvida. Será que eles tinham sentado pra analisar a fatura do cartão? Era uma sigla. Sei lá. Lembrou do dia no motel que o cara reclamou tanto do preço que ela jogou o cartão de crédito e anunciou pro funcionário maquineta: paga logo. Mas que miserável! O mínimo que se espera de um homem pra quem se acabou de dar sexo é silêncio e gratidão, é o pago tudo, o te monto casa. Se fosse sexo ruim ainda ia mas... Glorinha virou mais uma página da revista Manchete e fingiu interesse no que lia. Nunca mais queria vê-lo, tinha decidido ainda no táxi. Era uma sigla, não era? Esses motéis costumam colocar uma sigla na fatura. Vá que a mulher é casada? Vá que tem pais que analisam a fatura do Mastercard? Mas e se o pai já tinha levado uma mulher praquele endereço? E se a mãe fosse, além de vastíssima católica, versada em rende-vouz? Vá saber. Podia bem ser. Detestava o cigarro dele, mas tinha ido pra cama com o cara porque era assim mesmo igual D. Noêmia: "bom dia", e se entregava. Num bom dia se entregava... Arrastou um, mãe... a senhora sabe que comer fora está caríssimo... Não sabe?? Pois é, te digo que está caro! Esses caras arrebentam até na alface! Vou almoçar um tantinho de nada - você sabe que eu como pouco - e quase tenho de deixar um olho no caixa. E o chopp do Devassa?! Assalto! O chopp é de ouro! Mas tem jeito? Vou comer como? Onde? Glorinha entretida na reportagem, gesticulou parecendo com preguiça e lançou a Manchete em cima do sofá. Era indiferente. Nada tinha mudado, fora deflorada, nada mudara, nadinha de nada. Lia a contracapa do Vik Muniz. Prometo economizar mais esse mês, mãezinha... Em algum pedaço da casa, da cabeça, chorou por que se lembrando do que perseverantemente esquecia, ignorava.--
ref.: O Casamento, Nelson Rodrigues in Obvious.
3 comentários:
Sempre amo vir aqui no teu espaço. tô me atualizando depois de um período sem tempo pra visitar os amigos na blogsfera.
Beijos
oi linda... passando pra dar um oizinho e dizer que sempre gosto do que leio por aqui...
loucura maravilhosa.
bjo grande
ah minha querida... essas mulheres dadivosas e suas cabeçadas históricas....
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