quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Apreciando um doce e mil cheiros

foto dum doce árabe que eu não sei do que foi feito


O primeiro cheiro que me chega perto do nariz é o de damascos. Às vezes acho que é porque nunca comi damascos, não assim, a fruta, já geléias. Deve ser por isso que eu entro e penso em como o cheiro, de tão coral, se espalha entre os outros e sobrevem.


As ruas estreitas nunca mais me lembraram maquetes depois que cresci; quando os pés vão gastando as pedras do chão, quando o corpo já entrou em contato direto com a parede e quando os olhos mediram como devia ser a queda do telhado, as noções fantasiosas param de ser inexistentes e é possível, finalmente, ficar fascinado com a realidade vinda pros sentidos. São sobrados ou quantos andares? Por que não nos lembramos bem do que acontece sempre? E é um de frente para o outro à pouca distância porque assim o sol vai bater e, fora o meio dia, podemos contar com a sombra diagonal, contar com...

A casa que vende é grande, essa tem dois andares e é ampla, pouco arejada, o que favorece. Na porta ficam gordas sacas de temperos, no meio, colunas de aquário com uvas secas, tâmara-sem-caroço, mel com própolis, cravos-da-índia, nozes, pistache, desconhecidos e aqueles inacreditáveis paus de canela que têm o tamanho de um braço. A soma de uma prateleira com bacalhau, outra com chocolate, outra vinhos e mais então esfiha doce causa um caos olfativo e a minha sorte é que me prendo em ver, meu sentido é de ver mesmo sem óculos, mas são lugares da experiência do tato que causa um milhão de perfumes entre as comidas, os condimentos e os vendedores.
Clandestino doce folhado de maçã dentro dum saco pardo. Mordi ali mesmo, o rapaz mal tinha terminado de embrulhar com o chapéu branco, eu mal agradeci o troco de tão ansiosa e criminosa. Sinto muitas saudades do meu pâncreas, o único que eu amei... Por que me apego então ao meu próprio organismo e ao meu próprio pâncreas? A mordida nessa receita tem uma textura, um cheiro, um risco que vão me formando lembranças do tempo paralisado, mas que vai refreando os segundos tão distraidamente que tudo ao redor se torna capturável, isso é um momento.

Depois passei a mão na boca por conta dos farelos, baixei os olhos pro saco pardo malhado de gordura. Delicioso folhado de maçã... peguei o embrulho de plástico e amassei com o papel, os guardanapos, fundo da lixeira preta. Senti tudo colorido com pesar pecaminoso dos que não se desfazem na saliva.

2 comentários:

Anônimo disse...

what happened to the other one?

Anônimo disse...

Dimensionar pelo olhar – isso é uma coisa que muda com o tempo.
O paladar ajuda a recobrir tudo o que se vê com aquele sentido antigo.
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Coisa que não se discute é o gosto das coisas.
Quem provou... sente!

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