sábado, 29 de setembro de 2007

Manchete

Em baixo da cama descascou um bis e refletiu entre as camadas de waffle: num nada, num bom dia se abriam as pernas, mais pros estrangeiros, num ranço colonizador de Darcy Ribeiro. Seu prazer era tornar-se aquela flor que a gente assopra espalhando, caminho se perder.

Estava quente e sentou logo atrás de um bom suco-de-laranja-gelada... a mãe anunciou: olha, chegou a conta do cartão do teu pai. O suco protestou na saída do estômago, só que continuou Glorinha lendo a revista Manchete. Assim não era possível! Gastou muito com bobagem, com restaurante. Tinha conta de restaurante não sei de onde. Virou uma página da Manchete e ficou pensando se aquilo era só jogando verde... será que estava falando dos nossos chopps na cervejaria cara? Se fosse, ótimo. Virou outra página da revista: a dúvida. Será que eles tinham sentado pra analisar a fatura do cartão? Era uma sigla. Sei lá. Lembrou do dia no motel que o cara reclamou tanto do preço que ela jogou o cartão de crédito e anunciou pro funcionário maquineta: paga logo. Mas que miserável! O mínimo que se espera de um homem pra quem se acabou de dar sexo é silêncio e gratidão, é o pago tudo, o te monto casa. Se fosse sexo ruim ainda ia mas... Glorinha virou mais uma página da revista Manchete e fingiu interesse no que lia. Nunca mais queria vê-lo, tinha decidido ainda no táxi. Era uma sigla, não era? Esses motéis costumam colocar uma sigla na fatura. Vá que a mulher é casada? Vá que tem pais que analisam a fatura do Mastercard? Mas e se o pai já tinha levado uma mulher praquele endereço? E se a mãe fosse, além de vastíssima católica, versada em rende-vouz? Vá saber. Podia bem ser. Detestava o cigarro dele, mas tinha ido pra cama com o cara porque era assim mesmo igual D. Noêmia: "bom dia", e se entregava. Num bom dia se entregava... Arrastou um, mãe... a senhora sabe que comer fora está caríssimo... Não sabe?? Pois é, te digo que está caro! Esses caras arrebentam até na alface! Vou almoçar um tantinho de nada - você sabe que eu como pouco - e quase tenho de deixar um olho no caixa. E o chopp do Devassa?! Assalto! O chopp é de ouro! Mas tem jeito? Vou comer como? Onde? Glorinha entretida na reportagem, gesticulou parecendo com preguiça e lançou a Manchete em cima do sofá. Era indiferente. Nada tinha mudado, fora deflorada, nada mudara, nadinha de nada. Lia a contracapa do Vik Muniz. Prometo economizar mais esse mês, mãezinha... Em algum pedaço da casa, da cabeça, chorou por que se lembrando do que perseverantemente esquecia, ignorava.
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ref.: O Casamento, Nelson Rodrigues in Obvious.

3 comentários:

Logan Araujo disse...

Sempre amo vir aqui no teu espaço. tô me atualizando depois de um período sem tempo pra visitar os amigos na blogsfera.
Beijos

Cris Martins disse...

oi linda... passando pra dar um oizinho e dizer que sempre gosto do que leio por aqui...
loucura maravilhosa.
bjo grande

Ricardo Rayol disse...

ah minha querida... essas mulheres dadivosas e suas cabeçadas históricas....

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