quinta-feira, 8 de julho de 2010

pequenas revisões: Aspectos cansados do sentido

Escrevi esse texto há mais de dois anos, certamente. Não me acontece agora ânimo de ir procurar a data exata, mas não é particularmente importante. É mais importante a época das coisas e à época eu era apaixonada pelo Bruno e estava conhecendo o Rafael do jeito que dava - porque do jeito que dava pra conhecer o Bruno não dava mais, aquele delicado. Escrevi, era de manhã e eu tinha ido ao mercado e jurava, sabe.. relances, jurava que no chão da calçada tinha sangue e eu desviei da mancha porque achei desrespeitoso pisar num sangue de quem eu nem conhecia. Me ocorreu esse texto porque naquela época eu sambava muito, bebia muito e vivia escrevendo, a época de outro, diz o Ronaldo. Nada.
Lia Anna Karenina que comprara no Al Farabi, todo despencando, em inglês, baratíssimo. Pensava em muitas coisas. Embora fosse a proclamada "época de ouro" eu vivia uma incompletude dessas que você olha pra pessoa e dá até dó, doem um fubá pra pobre, doem sei lá, pega aquela lata de óleo, óleo é não-perecível, né. É assim que as pessoas atendem quando você bate de porta em porta pedindo doação de alimentos, era assim que mais ou menos eu permanentemente me via.
Naquele momento - do sangue - eu pensei que, sei lá, me segura que eu tô escorregando e, porra, igual todo mundo eu queria ser salva e fui. Mais tarde, era o mesmo dia, reli para o terapeuta e ele disse que eu não queria ficar com ninguém porque termina com "Queria ser a mulher do padre". Justo, mas não niguém, hoje.. exatamente agora pensando é que percebo, mulher do padre... não é que era ninguém porque na minha cabeça Rafael era pastor e aí eu já tinha anunciado a escolha mas ia escrever "mulher do pastor"? Seria besta, besta. Pus "mulher do padre" que tem a ver também com corrida, com criança, com boas lembranças lúdicas. Mas no fim, Teresa, ela não fica com ninguém e quem acredita que sendo de alguém se tem tudo. Uma parte deve sempre ser preservada, embora acredite que amor é escravidão. Algum lugar de sombra, terra de Malboro, mata ciliada, eu quero essa parte preservada nas coxas de Teresa.

Teresa e Maria nasciam ali, personagens que apareceriam mais tarde, melhor exploradas embora inacabadas. Nomes clichês, contraposições, uma mulher fraca resignada e entregue ao amor, outra selvagem, escassa de si, desumana e livre. Segue o texto. Pretendo por algumas vezes fazer isso, explicar, me explicar. Acho que é um exercício melhor esse resgate do que insistir em escrever bobagens, tolices rasas como um pires. Esse forte gosto por complicar...

ASPECTOS CANSADOS DO SENTIDO
Passando pela calçada, disseram p'ra tomar cuidado. É sangue! Era sangue dos tiros. Mas passamos pela calçada em cima do sangue mesmo porque não era um sangue nosso, o que achei muito natural; ia ter de haver muita água dentro dos corpos pra se chorar tanta gente desconhecida. De qualquer forma, passamos na calçada e nem havia mancha nenhuma lá; mas houve, eu achava; sangue dum atropelamento. Os dias passam e a calçada desbota mesmo. É coisa do tempo, desbota e apaga que ali tinha tido muita tragédia, tragédia de cruzamentos e que iam sumindo um mais ou um menos.

Pensei que partíamos, mas só andávamos na calçada quase sentidos da pouca certeza que assim entre nós se estabelecia então. Maria não poderia se chamar outro nome se não não seria Maria, seria uma outra pessoa que não faço idéia de quem seja, Maria, se se chamasse
Sandra, talvez fosse até parecida mas, por exemplo, se fosse Laura, ia ser outra sem o menor sentido. Maria se chamava Maria porque Maria é o nome de toda heroína de doçura resignada, retardada; já muito diferente de Teresa. Teresa descia o morro de Santa à pé porque achava desaforo pagar 60 centavos de bonde. Teresa tem umas coxas tão duras que eu queria morar numa casa feita nas coxas de Teresa. Teresa sabe ser doce, mas geralmente nunca é porque são passagens da rudeza da vida, igual a calçada, a doçura em fade in. Teresa nas histórias é sempre toda combatida (ou combalida?) e declara neste ato que gosta mesmo é de ser comida de quatro.

Mas não é de Teresa que íamos dizendo, mas de Maria. Maria apaixonou-se, como já era de se esperar, e íamos todos passando pela calçada. Ele disse: reter a existência me empobrece a alma... Como Maria não tivesse mais nem um centavo e a alma já não lhe nunca pertencesse mais, chamou hipérbole e sacou o próprio corpo, atirou-se em baixo do ônibus vindo, imagino que por pensar muito forte que fosse Anna Karenina. Era assim de fazer tudo nos seus impulsos fracos, mas extremados, porque sentiu-se culpada por não saber fazer mais nada além de querer segurar o tantinho que tinha, não só daquele amor histérico, mas daquela razão calma que lhe dava sentido e identificava para além da inveja que sentia de Teresa, ficava feliz com ele assim de ser Maria por ser bem querida e cantada de tiara branca: nunca antes havia sido notada. Ele disse: isso é coisa que demora, não é assimmas, sabia lá ele que o tempo de Maria, ou o meu, de Sandra, Dita - não o de Tereza que não precisava de ninguém - demorava exactos dois segundos pra fazer uma hora? Ele escorria (o tempo), vazava e correndo no meio fio não há água que fique potável! Ela não pôde e o que fez, implorar, entristecia por gargalhadas a alma do seu rapaz que não a mais quis. My love grows more and more passionate and selfish, while his is dying, and thats why we are drifting apart.

Eu lembrava Maria, devia lembrar porque minha mãe constantemente me chamava assim, mas nunca realmente a conheci.Tinha sangue na calçada, mas algo muito insinuado já tão ido, alguém tinha caído e batido com a cabeça. Eu segurei a sua mão um pouco aflita e disse: me segura qu'eu tô escorregando. Assíndeta nessas coisas imperiosas d'eu ter te conhecido... Queria ser a mulher do padre.

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