domingo, 11 de julho de 2010

Tentando usar de cumplicidade com Angella Jolie

I. Dia seco

Pedi um café normal, na xícara, e eles colocaram um biscoito no pires que molhei dentro da xícara e esperei que ficasse macio, finalmente engoli. Angella estava do outro lado da mesa e discava no celular me olhando por cima das teclas e esperava que eu fosse dizer algo e ela fingia, claramente, como se eu houvesse dito pra ela pra ela vir, eu não chamei, eu bebia o café e mergulhava o biscoito para deixá-la a vontade, livre para me contar com sinceridade sua história. No entanto Angella Jolie, boneca, na casa dos 32 anos, acompanhante e depiladora com cera quente preparada por ela própria, fantástica, não agride a pele, dissolve com água, leva vidros de Karo, me olhava de cima e muda, constrangedora: a sua integridade... fincada no orgulho, na arrogância e me prestava aquele favor ali sentada comigo como se fosse meu amante impaciente.
Ela comentou do esmalte, que o acabamento nunca ficava bom mas era uma cor tendência e tinha de usar, tinha de dar um jeito, levava horas pra limpar tudo e ficava com aquele aspecto e saía em duas lavagens de louça. Me estendeu a mão, os seus dedos, eu peguei examinando, não era bonito, mas de longe quem se importa?
- Eu pinto todo dia agora porque isso aqui fica fosco, uma merda, o pior é que é um saco pra tirar ao redor da unha né, mas mulher, mulher é foda. Mas homem sendo mulher é pior né? - aí ela riu, que dentes lindos lindos - Eu faço a chuca quase todo o dia.
Eu não consigo, comentei.
- Dói...
- Dói? Ah, me respeita, passiva não tem isso não, é que mulher tem buceta, com buceta é mais fácil, a passiva só tem ali, então vamos fazer a chuca? Vai lá e faz, não dói, cê aceita os fatos e vai.
Soprava a franja que caia no olho e eu me sentia como numa poltrona morna e confortável porque ela ria, eu era um pivete na porta da lanchonete pedindo pra me pagar um hamburguer, que ela me falasse, me apaixonei e fiquei rindo jogando a cabeça pra trás, ninguém nos olhou mais do que já olhava ao entrarmos, rimos e eu me localizei numa existência que eu sempre gostaria, o meu abismo de falta, eu era um pivete na porta da lanchonete na Rua Uruguaiana roubando um suco como se fosse fome e necessidade.
- Então, como você tá agora? Fui frontal, usei de cumplicidade. Angella Jolie, boneca, 23 motivaços, detalhe de Adão, cabelos implantados na altura da cintura com fios humanos, pele morena clara, adorando anal, o cara sumiu e lhe tinha prometido um dinheiro, agora ela precisava, não queria fazer programa porque estava cansada, gastava muito tempo, ela disse, que não queria aquilo, estava apaixonada, queria calma, amor, dormir. Queria dinheiro, ótimo, eu disse demonstrando o que eu sabia fazer bem: que nada me chocava, me diga, conte. O cara era um executivo e tem essa galera que gosta de companhia pra beber pra comer depois sexo se rolar
- .. mas ele não é assim, eu não sei explicar. Eu preciso de dinheiro, mas preciso mais dele. Ele sumiu, sabe, eu sinto falta porque a gente conversava muito, a gente sonha, né? Eu sonhei que a nossa situação fosse evoluir e que, sei lá, podíamos nos ver sempre, ele podia ficar com a esposa, você já está gravando?
Não.
- Ele deixou um bilhete com o porteiro do meu prédio, fiquei mal à beça. Porque eu acho que pra você terminar a pessoa tem que aparecer, tem que falar na cara, achei muito escroto. E começou a fumar ao que o garçom disse que era proibido e ela guardou de novo o cigarro na bolsa de couro (bolsa da Lóis, bolsa da Louis) e levantamos pra ir pra outro lugar. Eu a chamava no meu íntimo de Gran Titan, usava salto, claro, a Angella tem uma correspondência com os clichês e é por isso que eu não gravo. Ela em si, Angella Jolie em si, travesti, alta, peitos belíssimos, romântica e flamenguista, sabe, o tipo de coisa que você escreve sobre e dane-se isso se vê todos os dias, não, há um toque, eu quero um olhar sobre o furtivo, emoldurá-la, eu a invento e ela não sabe pensando em extorquir o cara, foda-se porque é provável que eu nem escreva nada, pensei, como de fato não escrevi, penso, porque ficamos preocupadas com o sucesso de Armínia como uma não-atriz que protagonizava a novela das oito, assustadas. Ele ia separar de Armínia?
- Ela é linda.. não perco a novela, adoro auqela novela! quando ela fica se agarrando com o Luiz Sandro Alencar de Ferreira e eu penso que o filho da puta, ah! Tá vendo! É a sua mulher! porque ele diz que não tem ciúmes (eu li uma entrevista dele outro dia) mas sente, claro. Eu mesma sinto por ele, fico ali tensa sentindo ciumes pelo pobrezinho. Vamos pra Carioca?

O dia estava frio e por isso as minhas pernas ressecaram que ficou igual couro de cobra, conversamos. Ficou decidido que o melhor era ser na casa dela, que a gente podia tomar uma cerveja com calma. Queria abraçá-la Passiva Gran Titan, você não sabe tudo que eu sei de você e o quanto você é minha e o quanto te adultero quando te imagino sendo eu no seu próprio corpo, se movimentando harmonicamente sendo a minha própria mãe. Eu nunca vi minha mãe, Angella, eu quis contar, mas fiquei com vergonha na hora e com medo dela se sentir desprivilegiada, queria que ela se sentisse protagonizando. A ideia era publicarmos tudo, foder com a vida do cara, ela se faria umas melhorias no nariz na panturrilha, todo mundo quer saber agora disso de celebridade, ia vender. Ela achava que eu era que eu era uma grande escritora, Clarisse uh uh! e ela acendeu o cigarro e foi sincrônico o vento batendo e aqueles shows mambembes no Largo da Carioca. Eu vestia jeans e uma camiseta azul, sapatilhas. Angella Jolie veste peça única estampada, discreta, floral, perfume também floral. Foi a segunda vez que nos vimos e decidi naquela semana que iria ficar sóbria, tomar os antiinflamatórios com maior justeza.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...