domingo, 30 de março de 2008

#6: a sala escura

... por que, o que os sentidos realmente acusam? sentir era simplesmente ver por outros lados do corpo (ouvido, nariz, fingertips. língua), mas tudo o remonte das formas e da luz sobre as formas. uma multiplicação do desejo por captura, uma obsessão insuportável pelo aprisionamento das casas, pessoas, da água e do ônibus.
o único sentido é o da cegueira.

o clube do coma [o turno da sala escura] humildemente apresenta a descolocação dos acontecimentos. sei que não é por raiva, sei que todos que subiram ali disseram a verdade - será que a mentira tem a ver com a possibilidade de morrer em breve? é uma bobagem isso, esses meus pensamentos, mas eles me acometem. será por que? a proximidade da morte atrai a verdade como irresistível e, assim não revido. as pessoas que sobem esse palco nos dizem a verdade, não as compreendam mal, não as tomem por excêntricos expostos, não os tomem assim porque alguns de nós acordam e acreditam que os próximos cinco minutos vão ser irremediavelmente engolidos pelo tempo e pelos relógios [até pelos astronômicos]. mas o que a move? essa pessoa.... a arte é essa ou isso? replicar no exterior as peles, as carnes, os órgãos. mais. o que passa no espírito, o que passa na nudez da reflexão, na nudez do passado, na nudez dos atos e fazer das histórias coisas que não são mais suas? é isso a arte? a confissão? a exposição? mas de quem? do que?

se eu subir no palco, e se eu contar? por que parece impossível guardar pra mim e só pra mim? por que os segredos ficam transparentes e saltam no pescoço das outras pessoas? eles vão explodindo em palavras, com poucas vírgulas, que nem sei que digo, e não consigo escrever nem fazer voltar atrás, vão inconsequentes... não tenho domínio no íntimo, nem pudores, nem sobre o corpo ou os sexuais. no sexo sou como uma cabra, não há partição ou diferença integral entre o meu corpo e todos os outros objetos inventados ou naturalmente feitos (não importa o material que compõe); pelos simples movimentos de tornar externo, concreto, visível, existente, o sentido da cegueira.

mais descrição
com uma rápida referência da mão, as folhas começaram a cair bem no pátio ou corredor do quintal. ele chamava isso de limpeza e ela ficava do lado, e ela ria. ela geralmente ria. sacudiram o tronco [da árvore] assim... é como se fosse uma tentativa de invocar o outono ou outra estação que faz cair por força. o pátio não tem piso, é feito só de concreto e não é muito largo também. na parede do fundo há um tanque plástico e, do lado, um varal desses que puxam e recolhem, desses sanfonados, dos lados são muros e depois dos muros são outras casas. a casa fica dentro de uma vila e o musgo verde cobre uns pedaços de tudo bastante húmidos. é isso. a alegria de um casal se preenche pela falta de descrição, pela falta de móveis. é tão estreito que mal dá pra raiz das árvores. ela roda, começa a rodar, e isso não nos desinteressa e o que compõe essa existência para a qual não fomos convidados.

tenho chamado esse homem de cão, é por falta de uma qualidade melhor; ele sempre a espera, sempre a agrada, usa violências, a extrai de si o que a assusta; nessas ocasiões ela vomita longamente porque nunca foi fácil a exposição forçada, mesmo partilhar um segredo. acho esse pátio sufocante, mesmo tendo brisa, vento. certa vez eles vão se mudar dali, mas não sei praonde. pergunto a vizinha: viu uma Kombi e o dono do frete fez o orçamento dos móveis, eles iam se mudar dali, mas não sei pr'onde.
a primeira vez que o viu, quis sair correndo na direção oposta, foi quando vomitou pela primeira vez não se contendo em sujar nem o chão. gritou porque não faria sentido tentar juntar os dois pedaços partidos pelas ferragens. no ônibus houveram sobreviventes, até onde sei - e é pouco - a todos foi um acidente quase banal; foi só essa moça, deveriam tê-la alertado. eu deveria tê-la alertado? mas como, se nem sabia de nada? ela não sabe porque está gritando, há muito tempo, não sabe porque parece ilógico, ou sabe, é inteligente, conhece anatomia, não faria sentido desejar unir novamente aquelas duas partes esquartejadas do corpo, me entende? Tereza e Maria então são loucas? Tereza, certamente, em choque, o que tenta? Tenta segurar a moça pela camiseta, pelo jeans, impedir que a metade de cima e de baixo se separassem num irremediável. Maria vê o ato e procura convencer a (era então) desconhecida a desistir, coisa imbecil. Olha, Maria age de modo mais intrigante porque não acredita contra todos os fatos que a moça havia sido guilhotinada por uma chapa de aço, impede Tereza por não acreditar, em absoluto, que aquilo tinha acontecido. É como se houvesse sempre conserto pro minuto seguinte.

2 comentários:

Ricardo Rayol disse...

geralmente teus textos são o caos, no sentido positivo, mas esse eu me perdi na meada do fio métrico.

Anônimo disse...

me desculpe.... (?)
penso, se der, se o fôlego der, em fazer um algo explicativo...
obrigada por passar aqui, seu moço.

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