quarta-feira, 19 de março de 2008

#5: Esferas quase espessas da alucinação

e o que mais se havia ela?



diário em fevereiro, 1996. Rua Fonte da (...)
me passam coisas sem vontade de dizer porque revelam aqui, bem aqui, a perversidade, a vontade de usá-la pro prazer, usá-la como objeto; minha musa, meu boneco posando prum quadro. eu pinto e sem as cores que consolem, mas a inveja da modelo me consome.


lembrança. teatro.
com as pernas estiradas ao longo do assoalho, ela ou eles encostaram - não, era apenas ela - o dedo médio no braço da cadeira. era daquelas poltronas retas, pra coluna reta e só era macia de tanto que já haviam sentado. ela abriu a boca, ela mexeu a boca. a culpa é toda da boca de Tereza, foi o que a frase outro dia disse no meu concordei. pior que doía ela ali indiferente, transcorrendo e eu fazer o que? é como ouvir uma música gostosa onde toca no coro um mi menor. mi menor aperta o coração tão estranho... assim como eu nem posso mais, assim como queria mudar o nome disso, o nome da perversidade, do culto à queda. minha, a tua, a brincadeira.

dark orange sunset
Maria entrou no corredor e ficou esperando pra ouvir alguma coisa. Ela ficava respirando sempre como se tivesse corrido muito, podia-se pegá-la com a boca aberta em distrações recorrentes. ele está ali sentado, sentado num chão degrau como se esperasse, como um cachorro esperando o dono chegar e abrir a porta. Vemos Maria abrir a porta por onde entrou, brisa e etérea, por uma porta que já estava aberta. o cachorro a segue. Mostra ela, a boca aberta tão de perto que é do foco embaçar (quente, abafado dum fim da tarde) e eu quero ver, vemos embalando. Ele parou os pés e se ouve o som dos pés parando, depois a mão na manga da blusa, nas rendas pequenas da manga da blusa de Maria, então beijando o pescoço. Dá pra ver que o som que saía da laringe dela diz que não, ou até mesmo que sim, enganava. No fundo atrás dos dois, a casa, a parede lá da cozinha que é verde e tem umas panelas empilhadas em cima da bancada da pia que não é de mármore - é um outro material. cortina plástica e mal se esconde o botijão de gás, o que ninguém menciona. Maria não..., Maria suspirou numa primeira vez sentindo os dois dedos dele como se procurassem alguma coisa muito lá dentro dela, e num colo dele e num molhar indispensável de mal encostar a língua, a boca, contorcia em concretudes de alma. Olhos dele, os olhos dele que vêem Maria nas pálpebras pulsando, nas pontas pequenas de dedos que se enterraram no seu braço; espera que surja algo, quer encontrar. talvez dentro dela. pelas violências macias, reaver o corpo à superfície; sobre ela, pelos seios, os cabelos.
Foi numa suspressão surda que Maria surgiu; a cabeça lançada para trás e toda, ela toda tornou-se visível em inesperados tons coloridos. os quadris se moveram e foi repentino, foi ato continuado, como que despertos e agora prosseguiam na última tarefa ignorando o longo tempo - entrepausa - onde dormiram. escalou por ele apoiada na ponta dos pés que antes jamais tocaram o chão, agora tocavam o carpete, e alcançou-lhe o ouvido, e exprimiu seus primeiros sons, palavras, após os anos desistentes: eu sou um peixe .... (...!)
Um copo grande, panelas, vento, camisa azul coberta por casaco de número maior, sandália havaiana, cheiro. Ele é como um bêbado esperando a dona chegar e abrir a porta, ama por incompreensão. Maria da Glória, em Santo Cristo, entregou-se em amor póstumo ao homem de Tereza.

lembrança e vue d'spirit
às 3:87 da manhã o ônibus freou bem em frente à padaria quando os meninos corriam com o Jornal Extra que chegava e iam empilhar, encarquilhar, distribuir. Freou mas já ia andando em linha reta, a frente do ônibus eram as janelas dos passageiros que gritavam, as ferragens da construção largada entraram pelas ferragens constituídas e coletivas. ela ficou sentadinha quando tudo parecia que ia passando, não, ainda acontecia, mas é a percepção quando há o desenrolar das instâncias inexplicáveis e inapontáveis, por ser tragédia, faz-se assim: choro, rodar, rangido, asfalto, terra, sangue... ficou sentadinha, achava que estava parada e daí gritava quando os bancos iam tombando pra trás, pros lados, já se sabe. segurou Tereza na mão e até a sua mão gritava assim sem tremer. Tereza viu-se incrustada nos dedos, nos seus, viu que o fim era um chegar constante contra uma parede que já não se move mais; penso se foi por isso que segurou a blusa, segurou o meu jeans e toca aquela água molhando seus pés.... eu queria dizer a ela que era líquido amniótico que caía no seu joelho e que eu sentia tanto por nunca tinha nem ia poder ter o meu bebê ou dela. Se partiu ali sem nunca ter existido era por ter sido gerado e fruto só na minha imaginação - tão prenha desde que Maria caiu surgida naquele barco/navio, com vento e tempestade/chuva, escorrendo pelos lados de tudo quanto era lado; existência pura e incorpórea... e se disse que era morno ou frio, nunca menti.
Fiquei partindo (a pele, o osso é forte) e Tereza tentava juntar os dois pedaços, o tronco, as pernas, escorados na almofada sintética, reta, amaciada de tanto que já haviam sentado. morri e Maria tentava avisar em desesperos gritados, súbitos, cegos, imóveis, pra Tereza que de que é que ia adiantar juntar os pedaços já tão re-movidos? ia saindo do olho dela coisas e eu pensei: é sangue. ela ficou comigo pra sempre como eu quis, nunca. a outra me olhou através da poça formada, juramentada cauda... escamas... tinham se juntado pelos dedos. Agora você acredita?




3 comentários:

Anônimo disse...

Eu tentei e estou sublime tentando até in agora ares.

Pegarei o trem para além santa maria . voltarei mais tarde .

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Você pegou tereza para criar, surge em mim e em ti a constância da queda. É o ímã da Tereza.

Te amo em mi menor.

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