segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O Clube do Coma apresenta: premier de Suzana Flag

é um clube onde as palavras vão falar dentro de um porão escuro e vai haver as coisas ditas baixas. coisas que já são mesmo baixas. o clube vai apresentar. a febre...




o começo da cena é fácil de ser descrito porque é o cenário, e o cenário não tem nada dentro que não seja a si mesmo, branco e lento, feio e só, triste e próximo. branco atrás dos olhos, branco lá dentro do pensamento que ela costuma cruzar; lá fora eu pus teu palco escuro e arranjei um fósforo. acendi, apagou por causa do vento. acendi, apagou. acendi, traguei, acendi metade da ponta que apagou. acendi e gastei uns sete fósforos até encontrar o isqueiro nos bolsos da frente da bolsa bege. sentei no branco dos olhos, lá fora pus teu palco escuro: o que você vê é justo isso que é o palco e o teto baixo do teatro 30 lugares, nenhum vento, eu só imaginei, mas não abafado. é inexplicável, entre outras sensações, que os ouvidos fiquem com zumbido e o lóbulo quente. não, quente é a luz, a luz porque não sou platéia. explico: me vejo e a vejo. eu vou contar o que ela diz, eu vou assistir ela dizendo. os outros por perto (lugares cheios? lugares vazios?). ela vê branco porque a história não começou e o vazio disperso é como uma saída de ar tipo ar-condicionado central.
aqui fora, espreito, a cortina verde pesa em cima da madeira-tablado e a pessoa do meu lado tem o ombro direito suando, me roça e incomodo porque não gosto do suor dos outros. não devia ter vindo de camiseta.
agora o palco, ela acende o cigarro protuberante com o isqueiro. agora eu sei, é branco na luz dum milhão de watts brancos bem em cima do cílio: spot. eu não ouço nada mesmo a boca mexendo. o dente aparecendo e as palavras aparecendo e tudo silêncio como seu eu tivesse mergulhado no tanque lá de casa. o suor do ombro direito onde eu tava enfiada não me conseguia pensar ouvir, nada ouvia pensar, nada. ela fala e eu conto. (...tenho vontade de lamber a marca de vacina do braço esquerdo molhado).
o homem vem carregando a câmera entre as cadeiras improviso, uma dum jeito que de outro e tamanhos diversos. já disse que o teto é baixo e que tem um ventilador de igreja que ventila, não, não disse, não são importantes. eu levantei quando tinha de levantar, un-. eu de pé corri porque ia mostrar aqui nas linhas o que do palco havia sendo. cheguei e ninguém que assistia ficou atônito.
a platéia, aliás, quem é? eu nunca vi essas pessoas, nem as que não ocupam cadeiras viradas lugar vazio; não conheço esses vácuos de brisa dos que não vieram. eles vêem a câmera sendo levada calma. a rodinha do andor (andor) tropeçando nos buracos, o rapaz ou mão que leva ia pelo canto e - agora atrás da cortina muito pesada - coloca a câmera do lado dela, brutalmente perto como se fosse pra furar a cara. não sei como a luz chega através do pano.
o clube do coma reúne ou não essas coisas e essas pessoas e as coisas das pessoas e as pessoas nas coisas. acho importante que eu diga que não conheço todos os desconhecidos apesar de ser fundadora e colaboradora desse clube do coma. estamos abertos aos aficcionados pela miséria, anestesia do anestesiado, dor. penúria - foi isso discutido numa reunião de pauta. agora eu sei que é frio porque os ventiladores estão realmente desligados e o teto não é baixo, mas era o meu chapéu que comprei pensando em parecer a Sabina do Kundera. Amplitude dos 170 lugares (84 desocupados) e a luz forte em cima da mulher que, doravante, se fazia pessoa.
mas levantei num susto (percepção) e corri no ar extremo d'agonia como se fosse a hora de cortar o cordão do recém parido mas ninguém quisesse fazer o serviço.
a câmera perto, a cortina abriu, a luz duma lanterna porque o que acendeu foi atrás o cinema. a projeção. eu parei que vi a [inha] brincar de argola no filme passado atrás da mulher. tragou o cigarro forte num soluço do cadafalso.

Teresa me olhou quando eu cheguei no palco e a achei envelhecida. Linda, envelhecida. o que fiz ali? ninguém sabia. uma das fundadoras do clube do coma invadia o palco mais parda que a casa sétima. eu conheci, reconheci Teresa e ela ia contar, eu ia dizer e escrever, não podia! eu queria as coxas de Teresa com anos de idade. queria ela nova e feia, ou gorda, velha como rabanada na Páscoa. eu fiquei confusa embotada e ela ficou de olho pra mim. eu corri e me atirei pra Teresa, pro seu sangrado do carnaval. beijei a boca da Teresa sentada na cadeira nessa luz de lanterna, levantei ela, levantei a saia dela e ela fez justamente isso.... me abraçou e me disse no tímpano que eu era um peixe.

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