sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Clube do Coma apresenta: #2 nunca houve um beijo na boca

Terezinha, você que saiu no carnaval de 1968 vestida de Chiquita Bacana, você, Terezinha, que por causa disso seu pai deu uma surra e de manhã você fugiu na carroceria dum caminhão com cheiro de boi, de vaca, Terezinha. a roupa de Chiquita Bacana que a tua mãe lhe fez Terezinha e agora seu pai diz que a mão dói pesada, Terezinha, ele te espera na recepção, ele tá morrendo, Terezinha.
(Sangue de Coca-Cola)



a verdade é que Tereza não fala de si. falar de si é expansão e Tereza, essa Tereza... ela exclui-se das rodas todas entre os seres outros.
macabra, Tereza, acha que vai falar de mim e ri de mim. ri! ri-se. finge que não entende dos meus medos, finge que ignora se me exaspero...Tereza... não faça assim! uma preta tão querida assim não devia me querer tão mal pra tanta troça. penso em atirar primeiro, penso em denunciá-la, penso em matá-la e ela salta rojões enquanto passo minha mão lhe averiguando se usa calcinha; usa uma calcinha rosa. faço isso em agonia, pra dissuadir.

o clube do coma (coma's lonely hearts club) não tem orgulho, mas apresenta aos poucos que expectam essa coisa insignificante do ser, do ser ninguém. há mesmo é falta de divulgação, não falamos de nós. você mesmo pode estar aqui, nos deixe saber que você quer estar aqui porque fornecemos máscara à todos os que contam, todos que vem ver. assistiam aos beijos em silêncio, assistiam meus pedidos: silêncio. Tereza, Terezinha... você tem uma boca tão gostosa, malvada. vou contar aqui, desgraça, as coisas tuas antes que você desabe as minhas pressas pessoas com caras de papelão. Tereza é forte, é tão forte que quando peca, quando erra, ela não liga e não sei como meu Deus, ela não liga; ou ela finge bem, muito bem, que não liga.

Tereza sentada no saco de supermercado na beira da rua, querendo um pedaço de pão, uma rosquinha. sei que passou um carro, dois, na beira da rua vazia. Fica quieta que eu tenho aqui as pessoas e vou contar, vou detalhar que você tava fugida na estrada esperando carona pra onde quer que fosse e que isso só aconteceu mesmo foi na sua cabeça, você queria fugir e viver grandes aventuras, o que realmente nunca ocorreu. não essas aventuras que viram filme, Tereza, as suas são de outra natureza; eu me arriscaria a dizer que tão mais lindas, você devia falar delas, mas você esconde porque nunca ia se repartir com ninguém.
Casou-se cedo, num susto. Assim, ar todo pra dentro e (abismada), casou-se do nada em algum lugar de Resende. ela comia chuviscos (o doce, não a água), fazia chuviscos, vendia chuvicos. chuviscava (a água). Tereza achava que casar era o mais importante e que casar tinha de ser por amor; casou. pro espelho, declara que nunca mesmo amou. a coisa na verdade não começou assim.

Tereza vivia na casa com os pais e, numa certa festa de carnaval, foi vender refrigerantes. ela pequena com os irmãos pequenos vendendo coca na rua e as pessoas brincando carnaval. ela tinha especialmente medo dessas fantasias em que a pessoa coloca na cabeça uma tiara que é uma faca? num carnaval passado ela tinha visto e então não queria mais sair na rua, pânicada. enfim, tinha horror àquela tiara. passou um homem bêbado e perguntou dos preços, ela que ainda mal era nada mocinha respondeu e falou; disse. a mãe viu que o homem não comprava porque tava bêbado, mas sorriu. ele cochichou algo com a mãe e a olhou, Tereza não ouviu, nem entendeu, mas copiou a mãe daí também sorriu com muita educação. o homem sussurrou e ninguém ouviu. que? a mãe disse que podia. o homem tinha um cheiro mais forte que as próprias garrafas de vidro e uns cabelos grandes pro alto, chegou no nariz de Tereza e pousou a boca molhada dum fedor e baba. o nariz dela ficou molhado por aqueles longos demais minutos. depois ela sorriu, pouco mocinha, boa educação. Tereza olhou pra mãe que ria. Tereza olhou pro homem e cruzou na rua com ele outras 21 vezes pelos anos que vieram, em todas elas quis correr e quis matar, quis enfiar a cabeça no vaso sanitário; ficou com medo do homem pra sempre.

agora tava casada. não tinha mais o homem do segundo carnaval, nem o irmão que na cozinha se esfregava nela, nem o pai que antes de sair enfiava o dedo debaixo das saias e depois chupava, nem o amigo da mãe que lhe dava maiôs, nem o vizinho retardado que lhe cuspia na cara e depois roubava a bicicleta; a chamava "muito feia". agora tava casada.

Tereza chegou no Rio de Janeiro em épocas imemoriais, acho que Tereza conheceu Tia Ciata (de vista), Tereza comprava coisas na Saara quando tinham árabes na Saara, ao invés de chineses e coreanos - quem hoje ela observa com satisfação e compra sombrinhas prateadas por dentro. Dizem que Tereza trabalhou no Mangue, que fez ponto na praça Tiradentes, que frequentou o Real Gabinete Português de Leitura, que sambou na Praça Mauá e que teve medo da Barra. isso tudo é coisa de demonstrar que eu não me importo com o tempo, Tereza nasceu com nome com "z"e é de cor misturada. Tereza mudou-se pra Santo Cristo depois que largou do marido. Tereza morou em Santa Teresa e afirmo o quanto sempre se fez honesta trabalhando não sei em quê. Ela me representa o desejo, ela é maldita pelo desejo que dá nas pessoas. Tereza foi estuprada tantas vezes que nem pode contar, ela mal sabe ler (o que também finge). mora numa vila de 6 casas tristes que ficam felizes às noites de quinta e sexta, quando as pessoas poem as cadeiras na calçada e comemoram os engarrafamentos que fazem os ônibus desviarem ali pra dentro da rua. espera ansiosa o carnaval, gosta de se doar. gosta de amar como quem grita se jogando na grama pra não ouvir a notícia clara de que é tragédia.

6 comentários:

Ricardo Rayol disse...

E a vida não é uma tragédia? Credo.

i disse...

Fantástica narrativa! Tereza poderia muito bem se chamar Vera Cruz, de tanto que sua tragédia é a tragédia do Brasil...

Anônimo disse...

.e cá estou, riso.

... também apaixonada por Tereza. Se ela não tivesse uma boca tão gostosa e tão malvada, ninguem teria se apaixonado (mesmo que de modo fugidio, lascivo) por ela, e, talvez, ela nao tivesse passado por tudo isso. ou não. :)

Fernanda Cristina

Van disse...

Eita, muié!
Eu tava com saudades dos teus maravilhosos escritos non-sense e intensos!!!!!

Beijuca, querida.

Anônimo disse...

ok.

e deu no que deu.
como me apaixonei por Tereza, linkei o Limao Expresso no .numa dessas.

é isso
inté

Sapo disse...

alguém andou lendo claymore?
hehehehehe
'a tereza do sorriso abatido'

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