sexta-feira, 28 de maio de 2010

Retomada: Sobre Pascal e fictionadas fictiones

Escrever não é nunca o caminho mais curto para ir de um ser ao outro; escrever não é mais que perversão e diversão, pretextos falsos e saídas falsas, atalhos, metáforas.
(M. Schneider, sobre Pascal)
Sim, é mera conversa. Mas por que é mera conversa? Porque, meu amigo, beleza, pureza, respeitabilidade, religião, moralidade, arte, patriotismo, bravura e descanso não são nada além de palavras que eu ou qualquer um podem colocar ou tirar como uma luva.
(Bernard Shaw, Don Juan, Ato III)

Me pergunto apenas - a la Borges - se não estamos raciocinado ao contrário. O reverso da história é nada. Creia-me.


Sobre o Pascal, foi perturbador. Como eu disse, fiquei meio ah porra (certamente porque me propus a traduzir) com toda a construção, o formato que o M. Schneider deu ao texto. Aliás, foi desse artigo que você comentou outro dia dizendo que eu ia achar interessante por abordar a forma? Sim, a forma me interessa sempre.

Nunca li o Pascal, quero ir ver o cara, quero ver que porra de bad trip foi essa onde ele embarcou e fiquei tentada a me identificar. Os tempos são outros, mas ficou impossível pra mim não perceber exatamente a ânsia de escrever e pensar. Sabe, falamos outro dia de que bom abrir o jogo, mas há certas coisas que eu ainda não abri. Detesto telefones, pronto. Falar pra mim é uma bosta dum sacrifício e que terapia ajuda? Aliás, preciso de grana pra voltar, tô decaindo. Discordo de você sobre que a química é que funciona melhor. Meu caro Basil, a comunicação falada e escrita já não te provam o suficiente a onda que causam?
Lembro duns dias tenebrosos que passei bebendo e sambando com um amigo. Ele diz que foi minha época de ouro e, de fato, jamais produzi como naquelas semanas fantásticas, jamais cheguei em casa sem fazer ideia de como e sem fazer ideia do que estava escrito pelos braços e pelas coxas - papeis de derme, acessíveis. Era existir de uma forma nova e ilimitada, eu fiz do português a minha droga catalisada pelo álcool, muito bem catalisada.
Detesto ter de falar porque esse nunca foi meu canal. O que sai é um engano mais completo que o habitual e o esperado, porque a comunicação é sempre um mal entendido. Quando escrevo, tenho a oportunidade de malentender menos.

Foi o que admirei naquele dia em que você contou a história da carona na chuva. Dizer escrito, isso é tão raro, momento realmente precioso e te agradeço, não vou esquecer.
Pascal deve ter sido desses voluntariamente mudos, que não suportam os erros grosseiros da língua imposta pela voz, costurada nas conversas faladas. Porque a mente não acompanha. Minto. Por dentro...

O estilo me interessa.

208. Toma consigo Pedro, Tiago e João, e cheio de aflição lhes disse que sua alma estava triste até a morte.
209 Se aproxima deles
210 Mas ou menos a tiro de piedra
211 Reza. 212 Rosto em terra.
213 Três vezes.

(Sequencia do Breviário da Vida de Jesus Cristo)

É cinema. Aproximação sussurrada, de zoom intenso em cima da cena, de desfocar, sabe como é? Cê capta o suor do cara e você sente o cheiro de dor que é o que me interessa. Isso é recriar no outro, leitor/espectador, por memória solidária, o efeito, a química, não sei se consigo explicar.

O que o pessoal lá não entende - e dizer não é meu caminho, não consigo defender nem o que eu amo, caráter fraco - o que não entendem é que literatura não é ficção. Por isso eu perguntei "e vão acreditar?" porque a maioria sequer consegue fazer a associação lógica e correta entre literatura, poesia e ficção. Literatura = ficção, e isso incomoda o Fulano porque aí não é história, é estória, é a metade pra trás do Negras Raízes. Fiction, story, carochinha. Fazer sentir de perto a memória da dor, do problema, do prazer - o que os recria em inegável verdade, memória presente, não apenas lembrança - é arte.

Igualmente incapaz de ver la nada de donde viene y el infinito en el que está ahogado, qué hará pues sino percibir alguna apariencia en medio de las cosas en una eterna desesperanza de conocer ni su principio ni su fin.

Odeio telefones porque aí já é covardia grossa porque eu fico ali sem ter nem um gesticular onde me fiar, não tem nada, fico nervosíssima, mas não tem jeito porque vou ficar sem o celular? Não dá.

Bem, preciso fazer as unhas.
O outro disse que se você me encher muito o saco preu trocar de animal.
Mais vale um cavalo que me derrube

besos
Pri

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email meu dito sobre "La melancolia de escribir", artigo de Michel Schneider

2 comentários:

rafael disse...

tem aqueles com dedos mais enrolados que a língua.
nunca sei se convenço porque falo bonito ou porque nunca miro nos olhos.

com os dedos não sei dizer muita coisa; e mal convenço quando passo eles na bunda que gosto.

minha literatura tá na língua, mesmo quando guardada na boca.

Prill disse...

ai...

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