terça-feira, 30 de setembro de 2008

Urânio enriquecido

Quando os campos de concentração começaram a aparecer, a coisa das mortes e das pessoas se enfiando ou morrendo afogadas nos dejetos, ou morrendo afogadas no gás e nos fornos com cabelos esvoaçantes no alto dos prédios e pelas cidades, a coisa das mortes e das pessoas não existia. Quando os campos de concentração começaram, eram os internatos e eram os oposicionistas e eram os alienados. Eram os alienados em geral. E os estudiosos: os estudiosos matemáticos que foram mandados para os campos de concentração com os físicos e os biólogos e lhes disseram para fazer a bomba atômica e não podiam sair dali enquanto não fizessem a bomba atômica, que ainda não se imaginava que fosse ser uma bomba, ou atômica à época.

E os estudiosos jogavam seu futebol e o silêncio e faziam seus cálculos.

Quando os campos de concentração apareceram, eu queria me pôr neles e só podem sair depois que fizerem a bomba atômica, mas eu não imaginava ainda que poderia ser uma bomba e nem afônica. O recolhimento, o advir que pode ser cruel com os outros. As cidades e a coisa da morte afogando nos dejetos meus e dos outros, meus companheiros. Aqui todos se igualam, como na placa do cemitério em 1984 quando enterraram as pessoas inebriadas pelo gás, inebriadas pelo incêndio e me aproximei delas por interesse financeiro. Eu queria me pôr no silêncio, na reclusão, e submetida, e ouvir as vozes múltiplas que Hildegard von Bingen, na Renânia, ouvia. Só essas vozes e só saem daí quando tiverem a bomba atômica.

1942, malditos soviéticos.

Quando os americanos, ingleses de zíper, formularem a fórmula do enriquecimento do urânio, algumas pessoas irão gritar e ter os cabelos esvoaçantes arrancados com uma rapidez impressionante, pelo gás, pelo fogo, pelos estudos e pela branca colombiana. E eu estando presa e eu lá estudando e ouvindo as vozes que Hildegard von Bingen ouvia em meio a todo vinho, todas as plantas, todos os escritos e as vozes que me diriam pra fazer logo a bomba atômica e escrever e destruir meia dúzia de amores de vidas que me querem bem.

(esses povos fronteiriços pensam que devo apenas transitar por eles e há você, meu amor, você que comigo formou um dadosnós; você que agora vai comigo quando páro de ser minha pra dar pra todo mundo, pra todas as gentes no meio do gás, do petróleo, da religião, dos Porcas de Murça e da merda. derretidinha, maníaca, exótica. e a minha mãe)

Um comentário:

Ricardo Rayol disse...

curioso que me perdi nesse texto. me vi preso.

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