segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Jantares: esfregando as coxas pelo gerente dos Cohibas

Nota da autora:
agora pouco, e faz dois dias, olhei e vi que os meus escritos não contam histórias com início, começo, tampouco fim. elas falam de coisas que acontecem em rápida duração e, no máximo, montam um conto por juntar todos os acontecimentos banais numa ordem mais ou menos compreensível que, todos juntos, parecem uma história que tem começo, meio e um negócio que se finge de fim. no que eu vejo, e isso é cena, todo acontece desgarrado do lugar donde veio.
essa é a história dum talher que caiu.


Jantar, microfilmagem, o amante e travestis

Arrastando a tarde, se pode até ver o que acontece: as duas pessoas se encontram e começam a fazer traços como se pudessem permanecer juntas por muito tempo. Eu permaneço. De janta fiz o que você gosta de comer e coloquei pouco sal por conta de você ser hipertenso. Coisa estranha, essa, ela vinha calada mesmo. Toda vez que ele dizia umas palavras, parecia que a casa tinha ficado menor; eu queria tanto ouvir as palavras que destruía todos os espaços, todos os móveis, esquecia as cores e não perdia a atenção dos teus ditos. Mastiguei bem usando o lado direito porque o esquerdo da arcada doía, andava doendo fazia dias e daí mastiguei com gosto de alho, no lado direito incisivo. Não me importo, depois que já ouvi eu não me importo. Penso que você trazia dentro dos bolsos, do trabalho, trezentos fantasmas e por causa disso eu nem dormia mais, só dormia quando Augusto Pedro aparecia e me dizia que podia ser.
Nunca me habituei com esses seus modos de jantar como se pudéssemos beber todas as garrafas da casa, como se fosse educado bater o garfo na beirada do prato, mas o pior eram aquelas perguntas que eu queria te fazer mas não fazia, iam me comendo de perto, mais perto que o Augusto Pedro. Parece que não quis dizer a gente, é difícil... Você concordou, aquele trabalho dela na TV, as entrevistas, o que os jornais haviam escrito, as seringas e quem não ia morrer por causa disso? Às seis horas da tarde eu preciso ir ao banheiro trocar as calcinhas, lavo com aquele detergente próprio que deixa tudo com cheiro de loja de departamento, é bom a beça. Eu penso que Augusto Pedro vai chegar e acho que vou levantar e trocar a calcinha novamente, você não sabe. Pergunto do extrato do banco: microfilmaram o cheque, não te disse? Não disse, verdade? Verdade. Aquele rapaz, o de dois nomes augustos, me ajudou. Que rapaz! Avisei à gerência, lhe devo aqueles Cohibas que prometi. Concordei esfregando as coxas. Apaguei novamente os móveis, o sofá, apaguei a máquina de lavar da cabeça. Quando eu te conheci frívola...

Eu prestava atenção, quando ele me conheceu frívola... Você tinha esses teus segredos no bolso, essas pessoas, esses meninos do escritório que você esbarrava a mão na bunda e as meninas do escritório que você gostava de comer o cu, esses seus segredos... esses meninos de boné e grandes peitos que você olhava quando o carro contornava a praça. Esses seus segredos não me deixam mais dormir, faz dias. Eu só durmo quando Augusto Pedro me diz que devo. Esse gerente. Mastigou o suflé de legumes, desferiu golpes de língua pra tirar o resto dos dentes, rasgou a garganta bebendo água com gelo. Eu me sentia sufocada toda vez que ia à praça e via os garotos de boné, com peitos. Pareciam meninas, mulheres com grandes e rosas mamilos. Eu me sentia sufocada quando ia à praça das nove e meia às dez pra te ver, te descobrir e voltar pra casa, fazer teu jantar de hipertenso. Quando eu te conheci frívola... E você senta e coloca o garfo na comida e a comida some nesse seu focinho queu já amei. Às vezes me esqueço. Terminamos, quis levar as coisas, fui lavar na pia, quis ser perfeita nisso, quis Augusto pra chamar de Pedro, esqueci o pano de prato, o exaustor, as cortinas, apaguei desatenções e o garfo rolou pelo detergente até que caiu.


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Um comentário:

Anônimo disse...

Bah! Muito interessante, mistura tudo, mas consegue ser inteligível. Como se tivesse um início, um meio e um fim. Show! Tri, guria!!! Abração.

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