terça-feira, 16 de setembro de 2008

André Sant’Anna é o Paulo César Pereio da literatura brasileira


O palavrão é o alicerce de sua produção literária, e é o que a define, justifica e celebra. André Sant’Anna é o Paulo César Pereio da literatura brasileira recente. Se hoje fossem abolidas as palavras “porra” e “caralho” o moço teria que vender laranja na praça.
(Garsachen, em 2007)

Espera. É que lembrei que larguei a análise... larguei lá a análise, que merda, vou procurar quem?

(Fazendo um favor: me dão luz vertical). A coisa toda que preciso é da papinha do Nelson, da cirrose do Nelson que nunca colocou um gole de cachaça mineira na boca. Talvez dois, três, mas coisas de molhar a língua, aliás, coisa que eu muito duvido porque todo mundo se lembra bem como se fosse ontem do Mário Rodrigues entrando na casa de Copacabana e caindo escorando num amigo d'A Crítica. Penso: devo falar com o Nelson? Devo falar com o Ruy Castro? Minha fé já foi mais alta, já fui professora de catecismo por quatro anos, juro por Deus e isso vocês não acreditam. Precisava da papinha da úlcera do Nelson, o Nelson com aquela vida santa e eu achando que ele era o John Wayne das cintas ligas nacionais. Minha mãe me proibia, mas eu lia o Harold Robbins e todas aquelas traduções aqueles "Era uma pequena sensacional" mas nunca saía da página dezesseis. Nelson Rodrigues nunca escrevera um tradução do Harold Robbins, não importa, tava o nome dele lá e eu queria ler, embora não passando jamás (rrramás) da linha 16. Tanto faz, eu queria conversar com o Nelson, convidá-lo pruma papinha anti-úlcera e daí falaríamos (finalmente) do André Sant'anna porque eu queria lamber o André Sant'anna sem saber direito porque. Depois eu queria lamber o Paulo César Pereio e que ele me chamasse de putinha ao pé do ouvido. A porra toda é que me lembrei que larguei a análise.
(nove pontos no queixo)
Nada mais daquelas viagens longas e belas escolhendo se vou pela Orla ou se vou pela Lagoa, nada mais de ouvindo Diana Krall no túnel, nem da cerveja em frente à Novo Rio com o cara achando queu queria água pelo julgamento da roupa Zona-Sul. Nada (N-A-D-A) mesmo, e isso é sério, de Shopping Leblon cruzando com o Daniel Filho na esquina da livraria, nesses meus deslumbramentos. Não vejo problema nisso. Tem aquele filme do cara que queria conviver com as elites e fingiu-se de atropelado. Eu queria as elites, eu queria ter as coisas das elites, eu queria beber a cerveja Therezópolis das elites. Seis reais.

Tudo isso eu queria falar com o Nelson, meu em missivas, que inda vejo lá naquelas imaginações de pernas juvenis, com saias de normalistas torneadíssimas, se abrindo em cima lá da mesa do chefe velho que agora é o pai. Nelson me ouviria como Pablo Picasso ouviria Coco se ela tivesse uma miséria de Piaf. Não importa. Nelson, a papinha, a minha cirrose futura e a úlcera como numa saída correta que não acontecia nas sessões com o analista que eu, puta que pariu, larguei sem lamentar e já super pensando nos sapatos lindos que eu ia comprar pra ficar igual a elite, nos cafés, nas elites, nos livros, nas fotografias e no Pereio. Era isso que eu ia falar pro Nelson que meu amor era como um amor que Elza lhe tinha, mesma Elza que disse se você não sair desse apartamento agora eu jogo os nossos filhos pela janela, e você saiu, e o suspensório, e as dentaduras do Nelson... meu deus. Nelson, olha, é que é igual. Você vai morrer e vai ver que é igual, vai ser igual daqui há 40 anos, dois divórcios e duas voltas e toda aquela coisa da divisão da biblioteca, do esse livro é meu, e toda a mágoa que ele vai sentir, e todas aquelas mulheres que ele vai comer e eu vou comprender, Nelson, entende? Igual a Elza e você.

O Nick Drake tinha aquela namorada favorita mas nunca encostou um dedo nela, morreu e tal e nunca nem beijou a mulher de língua; Nelson eu larguei o analista então me ouve, cara: a coisa da literatura não importa, você sabe. Nelson, é que eu sou muito a Elza e eu queira casar mesmo à revelia da mamãe, mesmo ela odiando o Rafael, eu casaria. Embora ela me odiando porque a vida é assim, a gente odeia tomar a papinha anti úlcera, a gente odeia tomar a insulina regular toda vez que vai comer um pão francês com Qualy, a gente odeia a filha dando e gozando gostoso.
Nelson, você é meu pai, me escuta. Eu nunca fui Glorinha, era mentira, eu estava brincando (luz vertical em mim, por favor) eu sou a Noêmia e me entrego num bom dia. Vê, ela lá com o Sabino e ele dizendo prela não fazer barulho e daí a Noêmia não fazia barulho. Isso foi em outra vida, agora é sério: outra vida e eu quero que se foda a literatura porque eu venderia salgadinhos pra aniversário se ele estivesse ali comigo cheirando o meu cabelo com cheiro de gordura e tendo um problema de vesícula por causa do wisky barato que a gente ia ter dinheiro pra comprar e a úlcera porque as pessoas ficam paradas no meio do caminho e ele quer passar, e ele quase o Alvy Singer... lindo! Larguei do analista e aí eu sinto aquele alívio que todo mundo sentiu quando começou a chuva do dilúvio mas sabia ainda era a chuva do dilúvio. Ê chuvinha boa.

Nelson, agora cê é meu pai, como vai ser? Porque te quero por pai sempre sóbrio, sempre sentado no balde e aquele barulho de cigarro, aquele gostoso de Continental que a Tina fumava e que meu pai, que veio antes de você, fumava e eu odiava, mas a Tina fumava e daí eu mandei o Continental pro céu, embora sem largar a cerveja nem a cirrose futura, nem a úlcera causada por honestidade, lerdeza e salgadinhos fritos pra festa, vê isso...
Eu amando o Rafael. Eu me preocupando com a literatura. Eu amando a preocupação com a literatura. Eu ali toda amando a literatura e falando um monte de merda pro Rafael. Vou vender salgadinhos e vão me dar calote, e a gente vai ficar pobre à beça, e o Rafael vai vender os livros mas a gente vai ficar feliz ainda com uns quatro filhos crioulinhos e eu com cinco centímetros de raiz pra fazer e aquele wisky que foi o que deu pra comprar, e a gente lendo o Paul Vegan falando sacanagem e a gente lendo e fazendo as sacanagens do Paul Vegan, e ele me chamando de putinha e eu ali realizada sem pensar no Pereio. Se bem que ia ser demais o Pereio...
Mais demais que os textos longos e os adolescentes preocupados com a LHC dizendo que os meus textos são longos porque as partículas vão acelerar e elis ixtao apavorados e deuz naum vai deicha iso acontesseeeerr, disse o Gentileza.

Pereio ali querendo me chamar de putinha e a minha vulva depilada e a gente discutindo o conceito de conto e eu querendo você comendo a minha vulva depilada, me chamando de putinha e eu parando de pensar no Pereio, no Dahmer, no André e pensando no Rafael Santana fazendo amor na minha vulva depilada em meia hora de depilação com aquela esteira massageadora em baixo e a depiladora falando da novela e eu querendo que se foda a novela que eu queria ter dinheiro pra pagar a TV à cabo, pra ver o Pereio entrevistando os domingos. Tanto faz. Eu amando o Rafael, eu querendo o Rafael mas a crítica dos conteúdos e todo aquele Poe, e todo aquele Umberto Eco na porra do meu ouvido e eu, meu amor, querendo agora conversar com o Nelson prele me explicar porque sou uma zebra, porque os golfinhos se comunicam e eu não me comunico e porque é que infernos que eu te amo tanto que queria ser atropelada pra ter esse desfecho deu falando ao telefone que te amo pagando 16 centavos o minuto. Pra eternizar o momento tipo a Noêmia sendo esfaqueada e admirada e eternizada nos jornais, linda... Dona Noêmia se entregando num bom dia e nunca conhecendo a Glorinha. Eternizando minha declaração de amor mão-única, meu senso de queda, meus Umbertos Eco não lidos, meu Cortázares, meus Dostoevskys meus Márquez advindos de resenhas. Pra eternizar a rodoviária e a tua família no painel das fotos e eu pedindo um beijo e você na cozinha mordendo os meus mamilos eternizados.

N R, a literatura e o culto aos sentidos me cobrando essas coisas que não são você... Meu Nelson Rodrigues, eu quase saindo de pijama pra comprar cerveja pra ter cirrose hepática pra partilhar um câncer de laringe do Dahmer junto às porcelanas de elite dele e as conchinhas da praia de Icaraí e toda aquela coisa das papinhas e do meu pai escondendo oito litros de pura cachaça mineira em baixo do tanque. Essas coisas, e as putinhas. As calcinhas enfiadas na bunda e as meninas no banheiro da academia e o Pereio xingando todo mundo e eu lendo a porra das teorias literárias da Gotlib, do Umberto Eco e nada lá me trás a pessoa amada em 3 dias além da grana em continuar escrevendo textos curtos com figuras que os adolescentes, com medo do apocalipse pela LHC, vão ler e vão ver e vão fazer um vídeo e vão usar kajal stick e vão ouvir a Kate Perry eternizando numa efemeridade e eu vou ficar em casa procurando os livros do Robbins e vou telefonar pro Rafael desejando o Rafael, amando o Rafael, a voz muda do Rafael mas ele ficou com aquela dor misturada com o sono e ele foi dormir como eu não gosto porque sinto falta dele quando ele dorme e eu fico acordada tomando wisky caro, como já sinto falta, como deito e espero ele voltar do trabalho com uma úlcera peptídica linda, me amando...

4 comentários:

Anônimo disse...

Porra...

Isabella Kantek disse...

Tem marcador agora (!) ... deu ate saudade de fazer um Desme resuscitation.

BJos

s.o.s escrivaninha: semana passada consegui escrever tres paragrafos depois de tanto tempo. eh a crise financeira, Limo.

Sandra Leite disse...

dos melhores de todos os tempos Prill!!!

PQP ;)

beijossssss

Corsário Satã disse...

Putinha vagabunda do inferno que a pariu!

Tive a sensação de que você se deitou num divã, de costas para analista algum, e deixou o inconsciente vomitar.

Fantastibuloso!
Um prazer conhecer seu cantinho. Visitarei mais vezes.

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