domingo, 6 de fevereiro de 2011

Tape 1 - Lapa
A mais morena bate na caixa do cigarro, mas você não tem mais cigarro dentro. Nos olhamos como se fossemos uma foto do Miles Davis. A mais morena pede mais um litrão e bebemos em silêncio. Há na TV do bar um gol inspirado e ela está acompanhada; seu acompanhante/amante vibra.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A submissa

Aos beijos inteiros afagados numa cama outra. Subimos num prédio onde eu nunca entrei. Em consideração ao meu rosto, que você olha rápido e que é vítreo, eu não te reconheci, jurei isso pra sempre. Nosso encontro é o mais novo plágio: quantas vidas já ateadas fogo sob o mesmo passado repetido, mesmo clichê, em que eu ficava agora só porque tivemos antes um abraço...?
Foi na sala do café, eu passada por entre as estantes de papéis empilhados, os seus olhos sempre acompanhando, foi na sala do café, você disse, fechando a porta, umas palavras disformes que eu nunca tinha ouvido. Não por recato. Peguei rápido um coque no topo da cabeça e com o rabo suave trepamos sob um plano de madeira azul. Eu piscava uns olhos que já tive e havia perdido, um medo gigante de te esperar na rua, no shopping e você não aparecer, você apareceu e então passei a ter um pavor que me acompanhou pra sempre. Nos dias e nos anos que se seguiram, eu te pedia que me batesse, por favor, me bata na cara e você batia com a beleza inexperiente dos novos encaixes. Meu amor é de tração. Eu acordava vestida, sempre fui cuidadosa. Coisa que gosto é morder as suas ordens, morder minha posição debaixo dos seus pés, estender a mastigação, transferir de molar à molar. Subimos o prédio. Seu amigo estava lá, você tem aquele capricho e me apresentou desfeita o rabo de cavalo, nunca compreendi seu raro talento de me pegar, me levantar, me sufocar. Seu amigo não quis logo me beijar, eu fiquei com o rosto fugindo. Tenho os peitos normais. Seu amigo me parecia assustado, meu olho fechou. Você explicava e persuadia, que eu sou uma vadia... Seu amigo me beijou intranquilo, você me pressionou pra junto da boca, eu dele, e despontamos pro sabor de língua. Você assistia, era como se fosse Natal. Eu ruminava os seus carinhos, o cheiro do seu ordenar. Nunca fui inteira (aos beijos inteiros afagados numa cama outra...) Como os galhos do arbusto furando o desenho: um passarinho, numa cerca, um círculo, um quadrado, um coelho. Eu sou uma murta. Seu amigo enfiou devagar e você rápido. Nada me denegria no abandono, no abdicar. Minha dor é ter de escolher, eu nunca quis escolher, a liberdade que nos contam me dói que pesa. Você decide meu almoço, um purê, transpareço ofensa e então nós sorrimos, chega a ser escroto, muito bonito.

A natureza da mulher: quem por ela escolha

Eu subi num prédio estranho. Você estava do meu lado. Qual a semelhança entre um e outro quando vejo os dois mal refletidos contra a superfície polida da porta fechando e anunciando - é uma gravação - que estamos subindo. Eu sou um rosto vítreo, eu mal posso piscar, eu sou como que por uma obrigação; eu sou alguém que você tem.
Deslumbrada caminhando entre as estantes de livros e papéis, pastas, os seus olhos sempre me acompanhando. Numa sala de café, você me disse que deveríamos trepar, trancou uma porta estreita de correr, mas eu não quis porque essa palavra, "trepar", e assim realmente dita pra além de imaginada, me entristeceu. Certas coisas que você me disse (e diz) eram todas sem forma, eu só as pensava, queria de modo impensado. Você criou todas as palavras que hoje eu digo.
Há violência, todo esse tempo houve. Meu amor é de tração. Entre os papéis amontoados, e as pastas, você me ordenou ordens diversas e assim jamais fui demitida. O clichê passava por nós e nos abraçamos como se existisse vida que fosse inédita - e tudo já foi passado, escrito, lançado. Por muitas tardes, levando minhas avós que iam conversando na praça em suas cadeiras de rodas, retesei meus músculos para que ficasse, para que eu não fosse. Sua. Tenho uma vida comum, eu sou uma mulher na praça ao fim da tarde que é normal, que é comum, com sol e o barulho da rua que vai diminuindo a cada caminhada pra dentro de onde tem mais árvoresw, agora, agora, eu tenho peitos fracos que são muito comuns. Suas palavras diziam me ameaçar para que eu ficasse tranquila e eu então eu ficava tranquila, assim eu não fazia nada, me sinto tão pura e tão quieta, que a culpa não é minha, eu me martirizo, você me obriga, ameaça, blackmail.
No seu prédio, entramos duas portas à esquerda saindo do elevador. Eu subi num prédio estranho. Você estava do meu lado.
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