quinta-feira, 29 de julho de 2010

[OFF] Sobre o Twitter: da condição humana em meio digital, dos seus microgestos


Eu espero que os analistas de redes sociais, que o pessoal do marketing, que os latu senso em sociologia que trabalham nessa área estejam atentos à beleza da coisa toda. Não digo tanto dos sociólogos, eu confio minimamente que os cientistas sociais leiam quem deve ser lido e tenham o feeling de perceber a bela oportunidade de observação do comportamento humano que se desenham nas redes sociais; porque são modelos tanto isolados, reduzidos e nos permitem perceber coisas que ficam confusas e difíceis de apreender no macro - que seria a própria sociedade. Pensei em escrever, ao invés de "a própria sociedade", a sociedade offline, mas é justamente esse o ponto que eu espero estarem marketeiros, sociólogos, antropólogos e o diabo atentos: que não existe uma sociedade off e outra on, gente é gente e as relações, embora em meio digital, permanecem lá enraizadas na condição humana, nos sentimentos, psicoses, etc, se fundam no real.

Toda essa introdução é para comentar das reflexões que tenho feito desde ontem depois do
stress que se instalou - também entre a gente - quando o Rafael, meu amásio, deu um mass unfollow. O resultado foi desagradável e pedia a gente pensar sobre. Acho uma pena que meus colegas da área de história considerem esse assunto "redes sociais" uma bobagem. Imaginem que se eu chegasse para algum deles e dissesse sobre o quão desagradável podem ser as situações em torno de um unfollow. Por não considerarem parte do real, considerarem redes sociais como quando a gente brinca de Barbie e, tipo, não é real, é apenas a Barbie se arrumando para a festa, é a fala da boneca, não é a sua, é um faz de conta, uma manipulação de avatares, não acreditam fazer sentido que alguém se sinta triste ao parar de ser seguido, ou que parar de seguir determinadas pessoas pode te colocar em situações constrangedoras.

Estou falando, redes sociais, mas, já tá compreendido que estou focando no
Twitter. Acho o Twitter um lugar ótimo! Que oportunidade interessante de observar miudezas cotidianas, comportamentos e relações cercadas de aridez por todos os lados. Porque o Twitter é um meio sintético, não sintético de plástico, sintético porque é um lugar cheio de síntese, onde dezenas de palavras e reações podem ser substituídas/expressas por um #medo. Como nos comunicamos quando há um espaço tão reduzido para comunicação? Que novas comunidades linguísticas surgem nele? Quais são os gestos? Quais são os símbolos que só lá se compreendem e florescem, recriam? Por ter essa forma - micro gestos donos de grandes significados - é que considero os follow/unfollows como os momentos críticos nesta rede social. É neles que podemos apreender a dinâmica da própria rede o que é, por tabela, a apreensão do próprio comportamento humano. Juro por Deus.

Dizem que a moeda de troca do
Twitter é o RT. O que valoriza cada pessoa, ou cada empresa sei lá, é a sua capacidade de ser redistribuida, citada, multiplicada através da replicação do que disse. Quanto maior essa capacidade, mais influente é esta pessoa. Vejam, microgestos, grandes interpretações. É fantástico. E o que mais caracteriza um @ influente? Pois, é o seu número de seguidores. São coisas atreladas: o cara mais seguido tem maior probabilidade de ser mensagens replicadas e, quanto mais tiver mensagens replicadas, quanto mais influente, mais seguidores terá, enfim, é um ser amado. Todo mundo quer ser amado. Receber um follow é saber-se querido, nesse pequeno gesto, há a larga consequência do envaidecimento. Já o unfollow é o contragolpe do ego, é saber-se desinteressante, é ser desconsiderado, considerado desimportante, é perder a real moeda de troca, que são os seguidores, esse distintivo imediato, o cartão de visitas. Enfim.

Ontem fiquei refletindo sobre o mass unfollow do Rafael. Ele depois tentou se explicar porque fazia aquilo, conjurou nas entrelinhas aquilo de que o Twitter é o que o que você faz dele e o que ele queria fazer era um mural de feeds informativos, de música, de ideias, mas então você descobre que não é tão simples, que há vaidades, gentilezas e futuros contrangimentos em bares que devem ser considerados. Talvez ele pudesse ter feito tudo de outra forma, mandado um e-mail para as pessoas explicando tudo, que não era nada pessoal, mas a pessoa tem o direito de ficar puta e ele ficou puto de se ver preso na armadilha da impessoalidade, da relação entre avatares. Ele sabe que é relação entre pessoas e relação entre pessoas é um negócio que sempre dá merda.

O caso é que não há etiqueta para o Twitter nesse momento, digamos, traumático, do deixar de ser seguido. Se, como considero, esta rede se pauta em pequeniníssimos gestos repletos de significados, esse retorno negativo tão singelo, o deixar de seguir, possivelmente equivale a uma cusparada. Agora vocês vejam, eu gostaria de dizer "que bobagem!", mas o que nos escapa é que somos, interpessoalmente, patéticos. Então, se já admiti que tudo é pessoal então ferrou porque é uma cusparada mesmo, às vezes nem é nada pessoal, você só quer seguir sites de música, mas tudo é pessoal, como me ensinou o Manolo Florentino.

Não sei se existe solução para essa falta de etiqueta, não sei se haveria um modo mais
bacana, mais explicativo, não é que eu não te ame, só não quero assinar o seu feed. É fantástico os lugares para onde a condição humana nos leva. Espero que meus colegas estejam atentos à essa oportunidade, à esse microcosmo, essa aldeia indonésia que é o Twitter.

Gostaria de ter mais cabeça e constância e escrever sobre o assunto, debater sobre ele - aliás, outra coisa bárbara no
Twitter é que você pode emitir opiniões, mas, se eu discordar dela, fica chato, ainda não aprendemos a debater; o que é uma incapacidade crônica do país, Twitter é reflexo, tudo é pessoal. Mas não resisti a essa digressão. Adoro o Twitter, adoro o cotidiano e o nada absoluto do vai pra lá vai pra cá das pessoas: cortar o dedo, ir ao médico, parir, mandar beijo. O pointless me fascina. Acima de tudo, espero que meus colegas da história valorizem esses movimentos digitais e que os analistas de redes sociais tenham lido o Questões Fundamentais da Sociologia do Georg Simmel porque eu odiaria descobrir que estou gozando aqui sozinha.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

revisões: a letargia da miséria e "O Morto"

Eu queria tudo diferente... às vezes eu acho que esse cheiro não vai sair de mim e do cabelo. Isso me espanta em você, e acendeu um cigarro, foi pra junto da janela exatamente quando passou um Maverik vermelho escrito vendo raridade. Te espanta porque não precisou comer os ovos empanados do boteco, o moço me dava até um refresco de graça, junto com ovo... ovo cozido empanado, ovo à milanesa e um refresco bem ralo de maracujá. Só queria tirar o cheiro de peão de obra. Não sinto, nunca senti, não gosto de você assim.

É o tipo de assunto sobre o qual não sinto necessidade de falar. Pensava, que sinto vergonha de falar. Justamente deve ser por isso, o sentir vergonha, a gente pensa, falar por que? Noutro lado, há de se avaliar que todas as tristes histórias exigem lucidez, sobriedade e tato para serem contadas já que tudo é repetição, tudo já aconteceu, todos os dramas humanos são repetições infinitas de dramas já ocorridos de modo que apenas para um ele fará sentido e terá força ao ser contado; para o outro é clichê, para o outro é possível alcançar o tédio.

Escrevi algumas vezes sobre a letargia da miséria. Em setembro de 2007 escrevi pela primeira vez sobre essa questão expondo (até muito) sobre as tristes coisas que me aconteceram e que aconteciam - embora aconteçam com muitas pessoas, isso não interessa, aconteceu e foi íntimo, não conheço essas outras pessoas e, mesmo se conhecesse, isso apaga o que te houve? como?
É uma história também claramente queria ser copiada de A Hora da Estrela, mas daí as coisas correram por si mesmas e o enredo terminou sendo muito diferente. Fala sobre uma mulher que trabalha numa papelaria na Saúde. A primeira parte se chama "O morto" (originalmente se chamava "O cavalo morto") e a cena se passa anos depois da papelaria, a personagem está sentada numa poltrona e dialoga com seu companheiro sobre não conseguir esquecer o passado, sobre o quanto lhe custa estar rompida com a letargia da miséria. Acredito que ela, como eu, não ache possível romper completamente. Os gostos, os cheiros, saltam, te assaltam.
Eles relembram que quando ela o conheceu, ela logo viu que ele era casado, ao que ele responde dizendo que ela tinha cara de velha embora contasse 23 anos. Obviamente ali sou eu de alterego. Sinto ainda diversas vezes o cheiro de peão de obra que é um cheiro de concreto molhado e suor rescindido, cerveja de antes de ontem. O amante diz que se espanta dela não ter se esquecido. Certas mortes nos mataram e temos de seguir com o cadáver, isso também é repetitivo na condição humana, devemos carregar nossos mortos porque, como disse Jesus, os mortos devem enterrar seus mortos. Nós, os vivos, carregamos.

Penso hoje, decidindo aqui sobre que disciplinas quero cursar esse semestre na UFRJ, sobre talvez cursar uma disciplina na PUC porque não achei caro e tal, eu conversei aqui com o marido sobre isso, que é interessante. Eu disse a ele que tinha acordado e estava pensando que se não fosse pela delicadeza de Marcelle eu não estaria decidindo essas matérias. Conheci Marcelle na escola, era uma escola particular naquela época em que somos muito novos e costumamos achar que o ideal para existir é fincarmos o pé na certeza de que o mundo é como imaginamos e ninguém deve ou pode fazer nada para mudar isso. Os adolescentes lá eram cruéis nesse sentido. Eles viviam em um mundo onde pobres não existem e eu ali, ora, vamos ignorá-la até que ela deixe de existir, ou, simplesmente ela não existe.
Eu já não existia há algum tempo. Naqueles tempos, vivia perdida em criar histórias, eu vivia das histórias e todas muito românticas, eu lia muito livro Sabrina e eu sonhava com Carlos Eduardo da Maia, vocês calculem, eu tinha fantasias com personagens do Eça de Queirós embora não entendesse completamente Os Maias, entendia o essencial do enredo. Enfim, fui estudar nesse colégio e mal tinha dinheiro pra chegar nele porque era em outra cidade, que dirá tínhamos dinheiro pra que permanecesse lá para as aulas de Espanhol que eram a tarde - porque não havia como voltar para casa, almoçar. O que quero dizer, é que ficava lá sentada criando histórias com cinquenta centavos que era o dinheiro com o qual eu ia almoçar.
Como eu tinha medo de andar pra muito longe da escola, andei por perto e achei um bar desses bares e com cinquenta centavos dava para comprar um ovo empanado; grátis,vinha um copo de refresco ralo, e os homens no bar ficavam me olhando certamente pensando que é que essa porra tá fazendo aqui e porque ela todo dia compra esse ovo. Eu não sabia que era ovo! Eu o vi do lado dos ovos rosa mas eu achei que fosse um salgadinho, imagina um salgadinho! Mas era um ovo empanado, um ovo à milanesa.
Quanto tempo passei com essa dieta? Eu vivia muito nas histórias, criando histórias que me consolavam e eu não lembrava do tempo passando. A Marcelle se tornou minha colega de turma uns dois anos depois, ou três e naquela época eu já não tinha mais bolsa de estudos integral, já era profissional em renegociar os atrasos no pagamento . Naquele período, novamente tínhamos aulas à tarde e eu pensei fodeu, mas aí ela pagava um lanche pra mim., nos acompanhávamos É uma delicadeza que a maioria nem saberia reconhecer quando visse.: ela fazia aquele me comprar um lanche com tamanha falta de compreensão do que fazia e dizia preu pedir o que quisesse porque ela era rica. Ríamos muito. Aquelas tardes foram o que de melhor guardo da escola, nosso afeto. Ela dizia que gostava de me alimentar e eu, ora, eu gosto de comer. Somos amigas ainda porque não poderia ser diferente.

A letargia da miséria acontece nesses longos períodos de fome de tudo, do corpo,, do corpo por dentro, a indignidade consecutiva de não se pertencer, o aprisionamento e, finalmente, a apatia diante dos dias. Houve um episódio em que meu tio - que é um excelente mestre de obras, muito sedutor e que hoje mora numa termas - estava consertando a caixa dágua do condomínio num dia ruim e caiu lá de cima, uns 4 ou 5 metros, quebrou vários dentes. Estava chovendo e ele abriu a porta lá de casa junto com o vento, todo deformado. Disse apenas: tá pegando, que é um bordão até engraçado. Nunca imaginei que o veria dizer aquilo de forma tão séria e trágica. Ele ficou bem, como eu disse, hoje é faz-tudo numa termas, mas usei essa cena, que me impressionou muito, na segunda parte da história Ato contínuo do morto, quando o pai da personagem cai de uma caixa dágua e morre. Mas o pai dela não é meu tio que é uma pessoa pura e alegre, esse personagem era.. isso não sei bem, a materialização da pobreza, o cheiro da pobreza, o cheiro de quem, privado por tantos períodos da integridade de si, cheira de modo permanente ao suor de um mês atrás, urina escorrida entre as pernas e a cimento. A pobreza tem outros cheiros, me lembro de dois, desse e de outro, mas o outro não consigo identificar.

A personagem conhecera seu companheiro enquanto esperava seu amante no Hotel Barão de Teffé. Mas o amante não vem (isto está no trecho O Morto - still life). O amante, Gonçalo, com medo da esposa, manda lá um amigo para avisar à moça e este fica com pena, lhe dá uns trocados pruma Coca e dá o recado-mentira a que fora instruído: ele não fora por causa da apendicite. Depois, por (ainda) pena e fascínio irremediável, esse amigo começa a ir na papelaria da moça (trecho 3 em Ato contínuo do morto), dá desculpa de que foi comprar algo, então já está apaixonado. O amigo, que era como seu irmão, descobre(4) mas aí já não há o que ser feito. Quando ele beija a personagem, a intensidade a faz pensar que ele colocaria a mão dentro do seu sutiã, o que ele não faz, e então ela vai para casa e lhe ataca uma febre, uma doença, pelas imaginações de que a mão deveria ter tocado. No trecho "O morto" a cena do diálogo termina com a personagem sendo seduzida, cotidiana, pelo seu companheiro, ela se abriu ampla como um flamingo. É feliz, então.

Esses são os textos, não coloco aqui pra não ficar uma postagem muito confusa:
O Morto: http://limaoexpresso.blogspot.com/2007/09/o-cavalo-morto.html
O morto (still life): http://limaoexpresso.blogspot.com/2007/09/o-morto-still-life.html
Ato contínuo do morto:
http://limaoexpresso.blogspot.com/2007/09/ato-contnuo-do-morto.html


domingo, 11 de julho de 2010

Tentando usar de cumplicidade com Angella Jolie

I. Dia seco

Pedi um café normal, na xícara, e eles colocaram um biscoito no pires que molhei dentro da xícara e esperei que ficasse macio, finalmente engoli. Angella estava do outro lado da mesa e discava no celular me olhando por cima das teclas e esperava que eu fosse dizer algo e ela fingia, claramente, como se eu houvesse dito pra ela pra ela vir, eu não chamei, eu bebia o café e mergulhava o biscoito para deixá-la a vontade, livre para me contar com sinceridade sua história. No entanto Angella Jolie, boneca, na casa dos 32 anos, acompanhante e depiladora com cera quente preparada por ela própria, fantástica, não agride a pele, dissolve com água, leva vidros de Karo, me olhava de cima e muda, constrangedora: a sua integridade... fincada no orgulho, na arrogância e me prestava aquele favor ali sentada comigo como se fosse meu amante impaciente.
Ela comentou do esmalte, que o acabamento nunca ficava bom mas era uma cor tendência e tinha de usar, tinha de dar um jeito, levava horas pra limpar tudo e ficava com aquele aspecto e saía em duas lavagens de louça. Me estendeu a mão, os seus dedos, eu peguei examinando, não era bonito, mas de longe quem se importa?
- Eu pinto todo dia agora porque isso aqui fica fosco, uma merda, o pior é que é um saco pra tirar ao redor da unha né, mas mulher, mulher é foda. Mas homem sendo mulher é pior né? - aí ela riu, que dentes lindos lindos - Eu faço a chuca quase todo o dia.
Eu não consigo, comentei.
- Dói...
- Dói? Ah, me respeita, passiva não tem isso não, é que mulher tem buceta, com buceta é mais fácil, a passiva só tem ali, então vamos fazer a chuca? Vai lá e faz, não dói, cê aceita os fatos e vai.
Soprava a franja que caia no olho e eu me sentia como numa poltrona morna e confortável porque ela ria, eu era um pivete na porta da lanchonete pedindo pra me pagar um hamburguer, que ela me falasse, me apaixonei e fiquei rindo jogando a cabeça pra trás, ninguém nos olhou mais do que já olhava ao entrarmos, rimos e eu me localizei numa existência que eu sempre gostaria, o meu abismo de falta, eu era um pivete na porta da lanchonete na Rua Uruguaiana roubando um suco como se fosse fome e necessidade.
- Então, como você tá agora? Fui frontal, usei de cumplicidade. Angella Jolie, boneca, 23 motivaços, detalhe de Adão, cabelos implantados na altura da cintura com fios humanos, pele morena clara, adorando anal, o cara sumiu e lhe tinha prometido um dinheiro, agora ela precisava, não queria fazer programa porque estava cansada, gastava muito tempo, ela disse, que não queria aquilo, estava apaixonada, queria calma, amor, dormir. Queria dinheiro, ótimo, eu disse demonstrando o que eu sabia fazer bem: que nada me chocava, me diga, conte. O cara era um executivo e tem essa galera que gosta de companhia pra beber pra comer depois sexo se rolar
- .. mas ele não é assim, eu não sei explicar. Eu preciso de dinheiro, mas preciso mais dele. Ele sumiu, sabe, eu sinto falta porque a gente conversava muito, a gente sonha, né? Eu sonhei que a nossa situação fosse evoluir e que, sei lá, podíamos nos ver sempre, ele podia ficar com a esposa, você já está gravando?
Não.
- Ele deixou um bilhete com o porteiro do meu prédio, fiquei mal à beça. Porque eu acho que pra você terminar a pessoa tem que aparecer, tem que falar na cara, achei muito escroto. E começou a fumar ao que o garçom disse que era proibido e ela guardou de novo o cigarro na bolsa de couro (bolsa da Lóis, bolsa da Louis) e levantamos pra ir pra outro lugar. Eu a chamava no meu íntimo de Gran Titan, usava salto, claro, a Angella tem uma correspondência com os clichês e é por isso que eu não gravo. Ela em si, Angella Jolie em si, travesti, alta, peitos belíssimos, romântica e flamenguista, sabe, o tipo de coisa que você escreve sobre e dane-se isso se vê todos os dias, não, há um toque, eu quero um olhar sobre o furtivo, emoldurá-la, eu a invento e ela não sabe pensando em extorquir o cara, foda-se porque é provável que eu nem escreva nada, pensei, como de fato não escrevi, penso, porque ficamos preocupadas com o sucesso de Armínia como uma não-atriz que protagonizava a novela das oito, assustadas. Ele ia separar de Armínia?
- Ela é linda.. não perco a novela, adoro auqela novela! quando ela fica se agarrando com o Luiz Sandro Alencar de Ferreira e eu penso que o filho da puta, ah! Tá vendo! É a sua mulher! porque ele diz que não tem ciúmes (eu li uma entrevista dele outro dia) mas sente, claro. Eu mesma sinto por ele, fico ali tensa sentindo ciumes pelo pobrezinho. Vamos pra Carioca?

O dia estava frio e por isso as minhas pernas ressecaram que ficou igual couro de cobra, conversamos. Ficou decidido que o melhor era ser na casa dela, que a gente podia tomar uma cerveja com calma. Queria abraçá-la Passiva Gran Titan, você não sabe tudo que eu sei de você e o quanto você é minha e o quanto te adultero quando te imagino sendo eu no seu próprio corpo, se movimentando harmonicamente sendo a minha própria mãe. Eu nunca vi minha mãe, Angella, eu quis contar, mas fiquei com vergonha na hora e com medo dela se sentir desprivilegiada, queria que ela se sentisse protagonizando. A ideia era publicarmos tudo, foder com a vida do cara, ela se faria umas melhorias no nariz na panturrilha, todo mundo quer saber agora disso de celebridade, ia vender. Ela achava que eu era que eu era uma grande escritora, Clarisse uh uh! e ela acendeu o cigarro e foi sincrônico o vento batendo e aqueles shows mambembes no Largo da Carioca. Eu vestia jeans e uma camiseta azul, sapatilhas. Angella Jolie veste peça única estampada, discreta, floral, perfume também floral. Foi a segunda vez que nos vimos e decidi naquela semana que iria ficar sóbria, tomar os antiinflamatórios com maior justeza.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

pequenas revisões: Aspectos cansados do sentido

Escrevi esse texto há mais de dois anos, certamente. Não me acontece agora ânimo de ir procurar a data exata, mas não é particularmente importante. É mais importante a época das coisas e à época eu era apaixonada pelo Bruno e estava conhecendo o Rafael do jeito que dava - porque do jeito que dava pra conhecer o Bruno não dava mais, aquele delicado. Escrevi, era de manhã e eu tinha ido ao mercado e jurava, sabe.. relances, jurava que no chão da calçada tinha sangue e eu desviei da mancha porque achei desrespeitoso pisar num sangue de quem eu nem conhecia. Me ocorreu esse texto porque naquela época eu sambava muito, bebia muito e vivia escrevendo, a época de outro, diz o Ronaldo. Nada.
Lia Anna Karenina que comprara no Al Farabi, todo despencando, em inglês, baratíssimo. Pensava em muitas coisas. Embora fosse a proclamada "época de ouro" eu vivia uma incompletude dessas que você olha pra pessoa e dá até dó, doem um fubá pra pobre, doem sei lá, pega aquela lata de óleo, óleo é não-perecível, né. É assim que as pessoas atendem quando você bate de porta em porta pedindo doação de alimentos, era assim que mais ou menos eu permanentemente me via.
Naquele momento - do sangue - eu pensei que, sei lá, me segura que eu tô escorregando e, porra, igual todo mundo eu queria ser salva e fui. Mais tarde, era o mesmo dia, reli para o terapeuta e ele disse que eu não queria ficar com ninguém porque termina com "Queria ser a mulher do padre". Justo, mas não niguém, hoje.. exatamente agora pensando é que percebo, mulher do padre... não é que era ninguém porque na minha cabeça Rafael era pastor e aí eu já tinha anunciado a escolha mas ia escrever "mulher do pastor"? Seria besta, besta. Pus "mulher do padre" que tem a ver também com corrida, com criança, com boas lembranças lúdicas. Mas no fim, Teresa, ela não fica com ninguém e quem acredita que sendo de alguém se tem tudo. Uma parte deve sempre ser preservada, embora acredite que amor é escravidão. Algum lugar de sombra, terra de Malboro, mata ciliada, eu quero essa parte preservada nas coxas de Teresa.

Teresa e Maria nasciam ali, personagens que apareceriam mais tarde, melhor exploradas embora inacabadas. Nomes clichês, contraposições, uma mulher fraca resignada e entregue ao amor, outra selvagem, escassa de si, desumana e livre. Segue o texto. Pretendo por algumas vezes fazer isso, explicar, me explicar. Acho que é um exercício melhor esse resgate do que insistir em escrever bobagens, tolices rasas como um pires. Esse forte gosto por complicar...

ASPECTOS CANSADOS DO SENTIDO
Passando pela calçada, disseram p'ra tomar cuidado. É sangue! Era sangue dos tiros. Mas passamos pela calçada em cima do sangue mesmo porque não era um sangue nosso, o que achei muito natural; ia ter de haver muita água dentro dos corpos pra se chorar tanta gente desconhecida. De qualquer forma, passamos na calçada e nem havia mancha nenhuma lá; mas houve, eu achava; sangue dum atropelamento. Os dias passam e a calçada desbota mesmo. É coisa do tempo, desbota e apaga que ali tinha tido muita tragédia, tragédia de cruzamentos e que iam sumindo um mais ou um menos.

Pensei que partíamos, mas só andávamos na calçada quase sentidos da pouca certeza que assim entre nós se estabelecia então. Maria não poderia se chamar outro nome se não não seria Maria, seria uma outra pessoa que não faço idéia de quem seja, Maria, se se chamasse
Sandra, talvez fosse até parecida mas, por exemplo, se fosse Laura, ia ser outra sem o menor sentido. Maria se chamava Maria porque Maria é o nome de toda heroína de doçura resignada, retardada; já muito diferente de Teresa. Teresa descia o morro de Santa à pé porque achava desaforo pagar 60 centavos de bonde. Teresa tem umas coxas tão duras que eu queria morar numa casa feita nas coxas de Teresa. Teresa sabe ser doce, mas geralmente nunca é porque são passagens da rudeza da vida, igual a calçada, a doçura em fade in. Teresa nas histórias é sempre toda combatida (ou combalida?) e declara neste ato que gosta mesmo é de ser comida de quatro.

Mas não é de Teresa que íamos dizendo, mas de Maria. Maria apaixonou-se, como já era de se esperar, e íamos todos passando pela calçada. Ele disse: reter a existência me empobrece a alma... Como Maria não tivesse mais nem um centavo e a alma já não lhe nunca pertencesse mais, chamou hipérbole e sacou o próprio corpo, atirou-se em baixo do ônibus vindo, imagino que por pensar muito forte que fosse Anna Karenina. Era assim de fazer tudo nos seus impulsos fracos, mas extremados, porque sentiu-se culpada por não saber fazer mais nada além de querer segurar o tantinho que tinha, não só daquele amor histérico, mas daquela razão calma que lhe dava sentido e identificava para além da inveja que sentia de Teresa, ficava feliz com ele assim de ser Maria por ser bem querida e cantada de tiara branca: nunca antes havia sido notada. Ele disse: isso é coisa que demora, não é assimmas, sabia lá ele que o tempo de Maria, ou o meu, de Sandra, Dita - não o de Tereza que não precisava de ninguém - demorava exactos dois segundos pra fazer uma hora? Ele escorria (o tempo), vazava e correndo no meio fio não há água que fique potável! Ela não pôde e o que fez, implorar, entristecia por gargalhadas a alma do seu rapaz que não a mais quis. My love grows more and more passionate and selfish, while his is dying, and thats why we are drifting apart.

Eu lembrava Maria, devia lembrar porque minha mãe constantemente me chamava assim, mas nunca realmente a conheci.Tinha sangue na calçada, mas algo muito insinuado já tão ido, alguém tinha caído e batido com a cabeça. Eu segurei a sua mão um pouco aflita e disse: me segura qu'eu tô escorregando. Assíndeta nessas coisas imperiosas d'eu ter te conhecido... Queria ser a mulher do padre.
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