domingo, 31 de agosto de 2008

Pensar em que amar


e inda dá tempo de pensar em que é amar: jogar-se sobre dois pés e pedir pra ficar lá pra sempre igual quem pula do andar térreo e cai lá no chão com a testa.


(queria que
ele tivesse mais
metros
longos - o térreo, os pés, o chão


toda declaração de amor é uma entrega de mão única, nunca recíproca. o ser que a recebe nada pode fazer a respeito para defender-se da fraqueza do outro: o pior, o poder dos humilhados

(que o térreo fosse uma queda longa pra você não me ver cair,
não queria te incomodar com minhas necessidades Maria Madalena de beijar teus pés. quero beijar teus pés hoje, domigo, dia santo. quero ser o pecado da idolatria. quero beber a sua perna, o seu gozo, seu olho como se nunca tivesse conhecido fortaleza, agora que não a tenho mais... seja pouco paciente na falta desse meu jeito pelo térreo
dos pés e um seu
chão: conluio das delícias)

Viver num mundo sem Alicia


Alicia y Benigno
Quando Benigno é mandado pela prisão, no começo do fim do filme, escreve uma carta dizendo que não quer viver num mundo sem Alicia, num lugar onde não o deixam ter a presilha dos cabelos dela.
Benigno tinha cuidado da mãe desde sempre, mas disse que ela não era inválida, ou louca, jamais! De qualquer modo, cuidava dela, lhe dava banho, fazia-lhe as unhas, maquiagem... é possível que a mãe de Benigno não fosse mesmo dependente, talvez ele tenha criado uma dependência para ela, para que ela ficasse atrelada a ele. Os quatro anos que viveu com Alicia foram os melhores da sua vida. Ele adora os dias de chuva porque era um dia de chuva quando ela, Alicia, sofreu o tal acidente de carro que a pôs num coma e, a aprtir daí, ele pôde estar com ela todo o tempo; enfermeiro.
Já Marco e Lydia... Lydia tinha a mesma fobia de cobras que a ex-mulher de Marco, é tão incrível a cena em que ela dá aquele grito e sai correndo de casa porque tem uma cobra na cozinha, então entra no carro de Marco e se esfrega com as mãos, o colo, o pescoço. Antes eles haviam conversado, ele queria uma entrevista com ela que é toureira, mas admite não entender nada de touros:
- Então que faz aqui?
- Não entendo nada de touros, mas sim de mulheres desesperadas.

Lydia está completamente antipatizada com ele, ofendida no orgulho: desesperada? Então encontra cobra na cozinha e corre de volta para o carro de Marco. Ele mata a bicha e retorna segurando a bolsa de Lydia, a leva para um hotel, ela diz que nunca mais voltará àquela casa. No hotel, a deixa no quarto, ela se senta à beira da cama e então ele está novamente lá.
- Quer que eu fique? Posso dormir no sofá, não seria a primeira vez.
- Não, tenho de aprender a ficar sozinha.

Eles haviam se conhecido naquela noite.

Marco y Lydia
Anos mais tarde, os dois estão juntos. Assistem uma apresentação do Caetano e Marco está chorando, se vira e sai. A toureira vai até ele, passa pela piscina, mil cordões, brincos chamativos, os cabelos, os cachos, orelha com flor, na noite e no vento, um nariz grande demais, perfeito. Que força tem Lydia ali! Mais que à frente da porta donde um touro vai sair. Ela passa pela piscina, enlaça a cintura de Marco pelas costas, pergunta porque ele chorou naquela noite em que caçou a cobra e ele fala da ex-mulher:
- Odeio essa mulher...
- Não a vejo há anos.
- Pior.


Marco é reporter, escritor eventualmente, eventualmente também faz as mais variadas coisas na área da escrita. A ex-mulher tinha problemas com drogas e por isso os dois viajavam muito, ele diz que os dois juntos só funcionavam quando estavam longe de Madrid, mítica. A família dela decide retê-la e eles ficam longe. Não se deviam separar as pessoas que se amam, diz. Costuma ir a lugares, apresentações de dança, músicas; o fazem chorar porque queria que ela também visse o que via e sentisse aquilo daquele espetáculo, daquele momento, daquele som, e ela não estava. Ele sempre se emocionava por isso. Depois o amor acabou.

Benigno diz a Marco que ele deve falar com Lydia, mesmo com ela estando em coma; o touro a tinha pisoteado, arrastado e agora ninguém sabia se ela ia acordar algum dia. Marco diz ao Benigno que não reconhece mais o corpo da mulher, que não consegue ajudar em nada, nem a virá-la e por conta disso se sente um inútil.
- Fale com ela. Diga isso à ela.
Mas Marco argumenta que isso é um absurdo e o outro está pegando o aparelho de pressão, o estetoscópio para examinar Alicia; ela não pode ouvir, o cérebro dela não funciona mais. Como ele poderia ter tanta certeza disso?
- A mente da mulher é um mistério, ainda mais neste estado. Tem de prestar atenção nelas, falar com elas, pensar nos pequenos detalhes... acariciá-las. Lembrar que existem, que vivem e que são importantes para nós.

Marco y Alicia
Depois Benigno se despede. Ele acha que com Alicia é mais feliz que a maioria dos casais, quer se casar com ela. A prisão é o de menos, pior é não ver Alicia e se diz capaz de qualquer coisa se não lhe derem alguma informação, qualquer coisa. Ele morava em frente à academia de dança dela, um dia, por acaso, teve a oportunidade de descobrir a sua casa e daí entrou, até no quarto dela. Antes haviam conversado e ela contou que descobrira o cinema mudo. O quarto de Alicia é burguês e doce, com quadros de balé na parede e cordões na cabeceira da cama, bolsa de ginástica Adidas. Ela está no banho, sai do banho e topa com Benigno à saída do banheiro, obviamente que fica chocada e ele diz:
- Não se assuste! Só queria te ver. Sou inofensivo.
Diz que é inofensivo, absurdo ter dito isso. Alicia atravessa a rua e para no meio dela daí acena para o Benigno. Só se pode estar calmo, sereno e abraçar a metade da rua com os carros passando quando já não se percebe certos tipos de morte, quando não se percebem certos perigos e Alicia não tem medo das coisas, nem das pessoas. Fica buscando o que tem além disso porque isso não existe. Fico contente como Alicia falou da sua descoberta, do cinema mudo e das viagens e do balé, principalmente, com Benigno, como se fosse normal dizer por aí essas coisas, e pros desconhecidos. Marco vai cruzar a antesala do teatro quando a vê e ela retribui o olhar alheia à tudo que está torto nisso.

A prisão
A prisão é o de menos, ruim é um mundo sem Alicia, um lugar onde nem se pode ter a presilha dos cabelos dela, separado e ficar assistindo algo, ouvindo algo e sem poder partilhar, ver pelo outro distante, descrever, contar pra distância, tentar reaver algo que, na verdade, já está perdido, embora exista. Quando está na cadeia, Benigno está longe de Alicia e, como Marco percebe, longe já se está preso no corpo de outra pessoa e ela não é você. Coma. Lydia precisava mais dos touros.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Conluio das delícias

1997, sábado: ressonante (Tangerinas de Mulholland Dr.)
o cavalo desceu a rua com pressa e levantou pouca terra, corria no asfalto.os dois sentaram um do lado do outro e não se puseram a conversar. não acreditava naquela época que se falasse em despedidas. ele passou correndo, o cavalo.

p146 (Sangue de Coca-Cola)
A merda toda é esta saudade. No apartamento do 8º andar, sentado num sofá, ele que, quando a lua surgir, vai matar alguém de olhos verdes com um fuzil de mira telescópica, Tyrone Power repete alto, como se não estivesse só: - A merda toda é esta saudade.

p211 (Sangue de Coca-Cola)

É esse filho da mãe de lança-perfume que me fez abrir a torneira. Agora fico pingando Bebel. Fica pingando Bebel como uma torneira mal fechada pinga de noite, caramba! E a torneira pode abrir, eu juro que pode. Aí onde eu vou parar Santo Deus? E se eu rezar? Eu podia rezar, caramba! De noite ela rezava. Ficava ajoelhada de mãos postas rezando! Por Deus que ela parecia uma menininha que ia fazer 1º Comunhão, por Deus que parecia! Depois eu apagava a luz e ela me fazia subir na parede, caramba! (aquela língua de cobra)


o que vem embaixo se liga à Tangerinas de Mulholland Drive dezembro de 2007

Conluio das delícias

Quando essas pessoas saíram de perto foi que deu pra ver, eu vi, as pessoas iam saindo, andando pra longe e eu soube que era melhor segurar no corrimão da escada que eles andavam como se fosse carregar junto. Às vezes acontece demais isso: da pressa. Quando Analice chegou na cidade, uns meses atrás que não foram muito tempo, anos, achou tudo difícil. O bonde contornou o teatro João Caetano articulado, era isso: a poesia desceu pra barriga. Analice fugiu lá de Resende e andou toda aquela estrada de Resende até o Rio só porque, além de gostar de Emilinha Borba, não ia ficar lá e ver a filha nascer no meio da terra.
O médico olhou pra Ana e perguntou se ela ia ter o filho e ela disse que não, daí Alice se olhou no espelho e perguntou pra que é que adiantava todo o sacrifício de ser poesia, descer pra barriga e depois ficar com a sensação de que comeu uma laranja muito rápido e tá entalado, ou comeu pipoca e a casca fica presa perto da faringe. Ela não entendia, eu também não, meu Deus linspectoriano, o mundo é muito esquisito.

Analice não achou o amor no Centro do Rio, ao contrário, comia mal demais. Ela não tinha esperança que fosse achar o amor, só a Emilinha Borba de quem comprou o disco assim que deu. Trabalhava numa sapataria, às vezes errava o troco, conseguiu o trabalho rápido. Tinha uma prima do namorado que gostava dela e que morava ali perto da Gomes Freire e ela arranjou o bico na sapataria. Era bom, calçava 36 e experimentava os sapatos quando tinha tempo. Às vezes tinha muito tempo. As pessoas tinham medo, ou tinham pena, ou era mesmo gentis, porque ela estava grávida e só, e só. A barriga crescia rápida, algo ao nível de dizer que crescia explêndida. Alice vingou feito doença em velho, pensaram. Ana esperou as pessoas se apressarem atravessar a rua, entrar no bonde, entrar no teatro, comer pastel porque preferia ficar por último. Era tão mais resignada, devia tê-la conhecido só agora, nunca antes com aquele olho de que sabe antes, de anunciação. Agora ela brincava, mas antes não, lá... Nunca. Seduziu por acaso o rapaz que trabalhava com carros, consertando carros, motores de carro. Ele às vezes bebia; viu Analice escorada nas grades de ferro e pronto, e Analice arranjou um namorado.

Quando Alice pensou que ia se despir, nem tinha mais tempo. Não a exemplo da mãe, a mãe não tirava nunca a roupa. Alice tirava ou a roupa era tirada e ela não via como acontecia, ela que não via nada direito andando na calçada porque era muito míope mas não tinha uma grana pra comprar óculos. Alice pelada no quarto claro, via o rapaz entrando e achava a mecânica das entradas e saídas muito lubrificadas e redondas. Dessa vez, agora dessa vez eles me entendem, que eu levei Alice até aqui pra vê-la achando que as entradas e saídas eram redondas. Alice que queria pendurar uma âncora e se jogar da ponte, era isso meu Deus linspectoriano, ela passou por isso pra ver, só e só o ônibus aportando em Campo Mourão e ela saindo com medo das escadas, corre-mão, e ficar tão quieta de ver a primeira vez o olho verde dele. Depois é que não se vê mais nada nunca, amar é igual escorregar levemente e bater os ombros num poste porque o carro tá em movimento ainda, essas coisas não sei bem. Alice abraçou-se com os dois olhos que eram verdes dum modo que ele entrou nela e disse: agora você é minha. Então ela esperou uns minutos até que ouviu o que devia ter sempre sido o som de Emilinha Borba: os meus olhos razos d'água. Depois não quis mais ir, passou os anos e não quis mais ir, nem ver a mãe, nem saber quem era afinal o pai mecânico, nem o médico que pôs no mundo e ela nunca gostou dele. Pra que no mundo? Fazer o que dentro dele? No Centro, no João Caetano, nos dias com frio que fazia na Gamboa, tanto cheiro ruim na casa que ela corria lá fora vomitar e depois voltava pra limpar tudo bem justo. O rapaz chegava pra não dar pé, não enxergar, hoje eu sei. Vim até aqui com Alice e não deixei ela pular da ponte como quis, nem perguntar a mãe porque não pediu pro médico fazer ao contrário e matar, que lugar de poesia não era na barriga. Vieram socorrer, eu disse que era bom rezar. O seu rapaz tinha uns suspiros e Alice ia neles até chorar muito quando tinha de ir embora; back to the old house. Eu não queria chorar não, dar adeus bem lento é pra quem espera que deitar de luz acesa não seja errado.


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Sangue de Coca-Cola, Roberto Drummond, um livro favorito. Aqui.

sábado, 23 de agosto de 2008

Diálogo com o leve crescimento do caninos (ou Bela Lugosi was dead)

Um cometário muito longo para a Cris Simon do Usina, que passo pra cá porque escrever em primeira pessoa propositalmente é uma coisa que não sei como faz.

Em tempo, o Usina é dos melhores espaços. A cada vez que essa moça escreve, lá vou com meu bloco Hangtian pra anotar as referências sempre plenas duma delícia rara.

o dito

Passei na locadora e peguei Nosferatu - O Vampiro da Noite, do Herzog. Eu queria mesmo era ver o Drácula mais clássico de todos, de 1931, com o Bela Lugosi (a página oficial dele é MUITO legal. Ele mesmo dá as boas-vindas aos visitantes). Foi, por sinal, o filme que tirou o ator do anonimato, e pelo qual ele ficou conhecido mundialmente. Depois de Drácula, Bela Lugosi fez alguns filmes baseados na obra do Edgar Allan Poe (outro MESTRE) e outros, mas jamais alcançou novamente tanto fervor nas telas como em seu primeiro papel. A biografia do ator é bem interessante, embora triste. O Fantaspoa deste ano exibiu um documentário sobre a vida dele, mas a única sessão era durante a tarde, num dia de semana, horário em que medíocres mortais estão fora de seus caixões, trabalhando. Perdi. Falando em caixões, Bela Lugosi morreu (supostamente) em 1956 e foi sepultado junto com a capa de seu personagem mais famoso. Voilà, Bauhaus! Na minha opinião, a versão de Bela Lugosi’s Dead que o Nouvelle Vague regravou é melhor do que a original.

* Tentei pegar também, além de um terrorzinho, o filme que a Prill me indicou nos comentários do post anterior, Uma Janela para o Amor, mas não encontrei na locadora. Tentarei achar em outra. PORÉM aluguei um que eu queria ver faz tempo, e perdi quando estava nos cinemas: Em Paris, com o Louis Garrel, que também fez Amantes Constantes e Os Sonhadores, e o Romain Duris (Bonecas Russas é o mais famoso dele) . Vi Amantes Constantes no Guion no ano passado, e valeu MUITO a pena. É totalmente em P&B, com uma fotografia fora do sério. Duração média: três horas, e um público total de no máximo seis pessoas na sala de cinema. O DVD é uma futura aquisição. Lindo, lindo.


a resposta

Caninos na carótida! Sou totalmente apaixonada pelo Bela, mesmo que digam que ele morreu. A versão do Nouvelle Vague é perfeita, mais que a do Bauhaus que todo mundo fica aclamando como gótica. Não consigo nem sentir cheiro do gótico em Bauhaus; é depressão pura e simples.

Conheci o Bela no Ed Wood, grandessíssimo cartão de visitas. Depois fui atrás dos filmes originais dele (do Wood) e até consegui baixar o Plano 9, mas nesse, definitivamente, Bela Lugosi was dead. Tudo bem. Continuo atrás do Nosferatu; no Rio parece impossível de achar, talvez na Zona Sul, mas daí eu não poderia pagar.

Tenho o Amantes Constantes em casa, mas Cris, não sei o que há que não consigo sair da parte das barricadas, bombas, policiais, etc etc. Acho que porque fui com muita sede procurando “um outro lado” do The Dreamers, como se fosse um disco, sabe. Eu queria ouvir mais do mesmo. Em Paris é bom? Pensei em assistir da última vez que estava aqui em Londrina, mas fiquei desconfiada porque no cinema daqui só entra obras com a Cameron Diaz… desconfiei e não fui. É bacana?

Uma Janela para o Amor é impecável (e o título certo é “Room with a view”, achei que fosse window). cê gosta da Helena Bohan Carter? foi o primeiro filme dela que eu vi, depois disso se tornou minha heroína. me diz um filme ruim com essa mulher! Depois ela apareceu na minha frente como Marla Singer e quase morri. É um filme super hiper simples, até hoje sei lá o que há nele que é tão arrebatador: no início do século XX, uma mocinha inglesa viaja para Florença com sua tia solteirona (Maggie Smith, saca o elenco…) e outra espevitada (Judi Dench). Na pensão onde ficam hospedadas, conhece um rapaz excêntrico ao estilo esquizofrenia leve. Coisa boba, mas o andar da carruagem é uma vertigem. É engraçadíssimo, romântico e tanto perturbador.

(...)

beijo

(...)

e fui obrigada a voltar…

pensando aqui: Helena Bohan Carter se liga ao Tim Burton, que se siga ao Johnny Depp, que se liga ao Edward Wood Jr. e este, então, se liga ao Bela Lugosi.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Desejos incontidos, fingidos de tropeço (ou, Bela Lugosi's dead)

Algumas certezas são mesmo peça de incredulidade. Veja Reinéria, ela se levanta a cada dia numa hora diferente que é sempre a hora errada. Mantém discursos de escritório mas contraditórios, nunca condizente com os espíritos que, volta e meia, correm pra sua cara fazendo com que ela ganhe feições de quem é Reinéria: ela faz política. Também não gostaria de ceder o lugar na janela do ônibus, apesar disso, seu doce é gentil e deixa sentarem. Acredita que nada mais importante no mundo que ser gentil, mas queria saber como é o vento e os quadros que vemos nos coletivos e esquecemos.
Não sei se devo escrever muito mais dessas coisas dela porque são só detalhes, apesar de que Reinéria pensa muito neles. Ela acha fortemente que quando ela é feliz é que fica mais difícil viver. Olha, é que Reinéria não sabe como fazer com as mãos, em que bolso pôr, quando acontece aquele algo de bom e daquele que é bom durando por hoje e amanhã e amanhã, dias à frente, durando. Ela fica toda sem jeito segurando as rosas e tão nervosa que finge que tropeçou e as flores vão lá e caem e daí passa um caminhão da Comlurb por cima delas, meu Deus. Reinéria mete os pés no bolso.

Vai andando e, porque não sabe andar, Reinéria vai trotando pra pegar as flores ou rosas que ela derrubou por desejos incontidos fingidos de tropeço. Proposital era também porque deitava com o rapaz louro do RH sob argumentos de que ele lhe daria lições administrativas auto-gestoras; e ela usaria tudo na sua empresa de roupas, com paredes de vidro, móveis conceituais, chá com bolachas e recital toda quinta-feira. Reinéria que é tão amiga e tão próxima da amiga que semana passada teve terçol e ela foi em sua casa fazer compressa morna, mulher do rapaz loiro que trabalha horas explorativas no RH da Contax.
Reinéria agora toma banho esperando a novela e vai limpar os vidros da janela mas, e se, sem querer, pular? Disseram que ela ia ter um amor mas foi que chegou atrasada e ele foi embora. Desde então prefere limpar os vidros suicidas da janela, ser sozinha. Desse modo, preocupada em como vai resolver as coisas tristes de amanhã (desenvoltura nas tragédias de um minuto) só consegue fechar um olho que. Enviuvado, floricida.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

sobre os passarinhos no galho do twitter: cafeína

tenho escrito muita merda... peço perdões.




mas não deixa de ser louvável, se for esse o caso, que o chefe dessa nação o esteja fazendo de um modo tão contemporâneo, tão gossip (in obvious: bruni sarkozy)

Pessoalidades via twitter (postagem feito casa de varetas)

passarinhos esperando alguma coisa, invariavelmente, nos galhos do twitter (in: why?)


As moças mais antigas costumam calcular o tempo que leva entre uma menstruação atrasada e a outra porque mulher tem água e água, sabe-se a lua puxa. é por isso que tem momentos em que as mulheres começam a parir demais, a beber cerveja demais ou a se jogar no primeiro chafariz de praça disponível.

Isso aconteceu com Rosa Alice, 27 anos, residente e domiciliada no número 316 sito à Rua St. Bueno, Goiania, onde tem aquelas pizzarias, lembra?
Tinha um bloco de anotações verde escrito Hangtian na frente onde punha seus compromissos e as pessoalidades. Arrancava a página e espalhava pelas casas. Certo dia disse pro seu moço: vamos fazer só um pouquinho então - porque tinha muita vontade - e lá se foi. Anotou tudo depois num caderno de capa azul, que era pra pôr em ata o que havia de inconfessável. Entrou na roda das amigas que, virgens, anotavam o atraso menstruativo para caso de necessidade nos seus futuros férteis, casados; assim repartia a preocupação sem que ninguém soubesse.

Rosa Alice desceu do ônibus com Hangtian na mão e lápis 6B na outra, escrevendo o que lhe vinha de agonia e deitava tudo, cada um papel de página, numa porta que via diferente pois precisava só dizer e contar. Ato contínuo, quarto-crescente, e lá ela feliz com o sangue caindo. Terminou o namoro e inseminou um novo hábito de verter desavisos textuais a torto, a direito. Foi bastante seguida, montou um espaço e hoje se frustra com o Yahoo! posts: gostam apenas das noticias onde não se apregoa cotidianidades. Pensa que isso é torto. Só frequenta o blog da Rita Apoena.

#pessoalidades
-125
se digo isso assim, não é por preguiça de me explicar nem nada. só acontece. sento pra escrever que sonhei que me seguiam e eu me escondia e depois eu descobri que quem me seguia era o Rafael, descobri isso meio mergulhada na lama onde eu dormi (como hidden place).

-70
é compreensível que o que escrevo não faça sentido. algumas pessoas dizem que entendem melhor depois de ficarem mais próximas, mas não sei. não costumo me comunicar oralmente, é isso: falta coesão de discurso.

12 de agosto
sobre cartórios, vi no de londrina ontem uma senhora q foi casar. ela pediu os papéis, assinou e disse q o noivo ia amanhã pôr o nome dele.. ...

02 de agosto
pessoalidades via twitter:fui lá comprar ração pros cães. cruzei com o pai tão bêbado q nem me reconheceu.tão vendendo açaí aqui do lado hmm ...

6
dizia que no sonho fugia do Rafael, aquele meu moço, é porque são das coisas inconfessáveis que ele me extrai; aquele meu saca rolhas.

14 de agosto
estou em londrina, como já se sabe. aqui chove muito e não tenho roupas pra sair de casa. o rio de janeiro me é outro país. dá falta...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

3 minutos: hesitar

Genalva, vem me buscar qu'eu to odiando.



Pela meia noite, a gente entrou numa dessas de conversar a respeito do preço do maço, coisa estúpida. Coloquei a mão entre o braço e o peito porque o frio era o pior desde que tinha chegado. Meu avô recostou a almofada na cadeira lá do outro lado da rua e eu tentei entender o que é que a gente tinha de dizer pra sair daquela e ir pra outra. O rapaz não respondia e eu ficava pensando nas invenções de assunto, nas invenções de pássaros. Pássaros passam pouco de noite, sempre pensei que estavam atrasados pra chegar em casa. São noturnos, ele comentou e fiquei sem graça junto lá, e ainda abraçada com a minha imaginação. Pássaros retardatários.
A cidade era muito pouco parecida com a que eu tinha, com a que a gente brincava. O meio fio continuou sendo meio e sendo fio. Genalva, liga pro teu pai. Fiquei quieta e fiquei em silêncio olhando pro pé das formigas, ele continuava e parecia que ia fazer discurso: Genalva, liga lá, não deixa ficar tão tarde. Você entristece todo mundo com seu sumiço valioso e eu não posso mais te esconder.

3 minutos: hesitar
Genalva era uma garota de montar daquelas casas, aquelas de vareta que você encaixa um pano por cima; o pano fica no formato das varetas. Ela vestida com um casaco roxo do material parecido plástico e ela guarda ainda fichas de orelhões da Telerj. Ela é muito moça, embora a cara. Agora está de noite e Genalva decidiu que ia embora usando seu casaco tactel roxo com aplicação de gola feita de lã.

As pessoas é que não percebem (por ser Agosto) quando algumas coisas acontecem e são escritas: essa moça tinha pai, tinha mãe e tinha um avô, mas Genalva parecia uma jibóia gorda andando pela casa onde nada era dela, nem os lençóis que ela lavava às vezes. Ninguém dizia nada, as pessoas deitavam no lençol e deixavam um cheiro que ela não sabia como suportar, por isso lavava com Omo Multiação, por isso se sentia às vezes sem braço de tanto esfregar e sem olho que derretia saindo pelos buracos.

Você entristece todo mundo com seu sumiço valioso... Ela achou que bom do cigarro é que não se viam os aumentos do preço. Genalva é igual a mim, gente sem lugar pra ir, pra ficar. Ela devia pegar o primeiro ônibus, dar adeus pro avô - corda dos afetos com a família - depois mandar carta de tudo bem e Genalva não ia sem antes beijar uma boca curta. Beijar Tenório.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

3 minutos: des-sentido

Questionado sobre o que se devia dizer a respeito, pronunciou o parágrafo:
Linhas de escrita só se mostram verdadeiras quando molhadas em delírios demandados feito pão de três dias em café com leite. O bom delírio é o que pesa e causa preguiça de carregar mas, ainda sim, vão lá as vírgulas, os acentos circunflexos, mergulhar nele e deixar ir enchendo de cinco horas da tarde quando a gente junta o ânimo e o sol começa a melhorar.
Mas se o passar do pensado pro dito-escrito tem de ser entrado em coisas que flanam, que voam e que se não têm sentido, como então o texto vai ser texto? Pergunto:

Daí de cima, então? Como o texto vai ser texto?

O parágrafo desconversa, os repórteres resolvem que é boa hora de começar a fotografar todo mundo, o parágrafo toma água, o parágrafo ajeita os óculos e os papéis, penso que entramos na TV Senado:
Não há mesmo texto se for só delírio, mas ele tem de ser afresco. Não existe afresco no gesso seco, só no molhado, por isso uso isso de mergulhar. As linhas do escrito precisam vir dum caos tão grave que, quando imaginado, dão uma preguiça constante e o moço, que escreve, pensa que não quer ir lá não, apertar as teclas ou procurar o grafite 0.5. O dito que se põe pra escrito, precisa vir do surto. Quanto à forma estética, que transforma escritos delíricos descompassados em texto, essa vem durante e vem depois mas, como é que vem durante, isso eu não sei.
A assembléia levantou-se atônita. Ele não sabia. Não esperávamos. Cruzei as pernas e ninguém ignorou que esqueci de pôr as calcinhas - ficaram penduradas juntas no varal por detrás da toalha. O delírio tinha de ter forma?
Minha senhora, o delírio, o des-sentido tem de ter forma. Forma de baleia que é peixe, pero mamífero.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Apreciando um doce e mil cheiros

foto dum doce árabe que eu não sei do que foi feito


O primeiro cheiro que me chega perto do nariz é o de damascos. Às vezes acho que é porque nunca comi damascos, não assim, a fruta, já geléias. Deve ser por isso que eu entro e penso em como o cheiro, de tão coral, se espalha entre os outros e sobrevem.


As ruas estreitas nunca mais me lembraram maquetes depois que cresci; quando os pés vão gastando as pedras do chão, quando o corpo já entrou em contato direto com a parede e quando os olhos mediram como devia ser a queda do telhado, as noções fantasiosas param de ser inexistentes e é possível, finalmente, ficar fascinado com a realidade vinda pros sentidos. São sobrados ou quantos andares? Por que não nos lembramos bem do que acontece sempre? E é um de frente para o outro à pouca distância porque assim o sol vai bater e, fora o meio dia, podemos contar com a sombra diagonal, contar com...

A casa que vende é grande, essa tem dois andares e é ampla, pouco arejada, o que favorece. Na porta ficam gordas sacas de temperos, no meio, colunas de aquário com uvas secas, tâmara-sem-caroço, mel com própolis, cravos-da-índia, nozes, pistache, desconhecidos e aqueles inacreditáveis paus de canela que têm o tamanho de um braço. A soma de uma prateleira com bacalhau, outra com chocolate, outra vinhos e mais então esfiha doce causa um caos olfativo e a minha sorte é que me prendo em ver, meu sentido é de ver mesmo sem óculos, mas são lugares da experiência do tato que causa um milhão de perfumes entre as comidas, os condimentos e os vendedores.
Clandestino doce folhado de maçã dentro dum saco pardo. Mordi ali mesmo, o rapaz mal tinha terminado de embrulhar com o chapéu branco, eu mal agradeci o troco de tão ansiosa e criminosa. Sinto muitas saudades do meu pâncreas, o único que eu amei... Por que me apego então ao meu próprio organismo e ao meu próprio pâncreas? A mordida nessa receita tem uma textura, um cheiro, um risco que vão me formando lembranças do tempo paralisado, mas que vai refreando os segundos tão distraidamente que tudo ao redor se torna capturável, isso é um momento.

Depois passei a mão na boca por conta dos farelos, baixei os olhos pro saco pardo malhado de gordura. Delicioso folhado de maçã... peguei o embrulho de plástico e amassei com o papel, os guardanapos, fundo da lixeira preta. Senti tudo colorido com pesar pecaminoso dos que não se desfazem na saliva.

domingo, 3 de agosto de 2008

Poço cartesiano (ou Chapter 4: The Rabbit Sends in a Little Bill)

Era ir embora de outro lugar que não aquele,
de fotografias propositalmente desaparecidas.



A referência que tenho remete a 1885, quando se pensava possível sair de casa com óculos escuros retrofuturistas. Nos desiludimos porque ninguém mais ouve New Order. Desde o ônibus, não fazia idéia que fosse encontrar os corpos empilhados como eram; irreconhecíveis. Discou o número que era 4399-8061 e contou o que tinha havido: um acidente onde morreram muitas pessoas. Em sonhos, não sabemos o que houve, somos dados a saber, e foi dada a saber que houve um tal acidente e que muitas pessoas haviam morrido por causa de futebol.

a fotografia foi sumindo devagar, era ruim, e aos poucos. Deu ainda pra reconhecer quem era: uma senhora e uma moça, com algum sangue que saía do canto da boca, nem sei. Parecia que tinham sido difícil pra tentar fazê-las sobreviver, mas elas tinham morrido. Disquei o número e dava ocupado. As certeza são isso: inexistências de quando se pode andar mais um pouco e foi por isso que não insisti. Também comentei [como mentira] não querer falar. Chiados. E até agoraas pessoas estavam lá empilhadas num terreno esperando um parente e um reconhecer. Reconhecer nem sempre é patente, where the true lies.


[...] parte suprimida porque estou um tanto oca.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Resumo fantástico do escrito anterior

Dos quatro aos treze vemos o nascer exuberante dumas coisas que crescem em qualquer lugar.

fotografia que a isabella kantek tirou

Mais de um ano com o limão e tenho pensado constantemente nos escritos e nas mudanças de rumos. não, essa não é uma postagem que se despede, é só reflexão, exercício de reflexão que passa pelo estreito canal discurso em primeira pessoa.

talvez porque eu não seja primeira pessoa, nunca consegui me perceber bem assim: não tenho povos fronteiriços. e no início do espaço pensei nisso, em criar umas cercas separativas entre o que parecia comigo e todo o resto. deve ter sido isso, não lembro direito.
na época, a idéia era escrever qualquer coisa, eu não fazia idéia de que algum dia ia acompanhar ansiosa o lançamento daquele filme sobre a Clarah Averbuck, e morrer de inveja da lagartixa da Rita Apoena, a Judith. eu não conhecia essas pessoas, nem o inseto; a compenetração era toda a universidade e as coisas vistas por lá, coisas da pesquisa. sabem, eu trabalho com pesquisa há algum tempo, ou tento, eu gosto muito de fazer isso, mesmo sem saber se faço direito -fatal que não.

só vi na vida uma pessoa que fale mais mal do que faça do que eu, foi a Diana Krall no programa do Jô. ela dizia que cantava mal, que tocava mediocremente e que não fazia ideia do que estava fazendo ali. foi um bocado constrangedor, como não elogiá-la? ela é incrível. ela se acha miseravelmente artista, disse que era mesmo muito dura consigo. constrangedor, não sei explicar. mas ela disse que estava melhorando.

enfim, o que ia dizer não era isso.

o limão começou falando de coisas completamente dispersas. num carnaval que passei em Sta. Teresa ano retrasado, um casal muito querido não parava de transar (amorosamente) no quarto ao lado e me vi compelida a escrever , não sei que me houve. peguei uma agenda que a Luiza havia me dado de presente e comecei a despejar frases e frases sem a menor ligação entre si.
1.
Cinco situações diferentes o levaram até ali; mas nenhuma poderia se caracterizar numa boa história que valha a pena se contada.
Basta ao leitor saber que ele estava ali, em frente a praia, parado, sozinho, em pé, nu.

3.
As canetas nunca tinham tampinhas. Nem as novas. Cito esse dado por me parecer intrigante, ainda que sob a aparência de inultilidade.
assim.
eu escrevia em fonte Trebuchet e o layout tinha só duas colunas.
depois não conseguia mais parar, tornou-se um hábito escrever pequenos textos como se fossem partículas de uma história maior. talvez fossem. era algo que me agradava, me dava uma sensação alucinada de que, não só não haviam povos fronteiriços, como eu era uma ilha que vai afundando.
nessa época eu já conhecia o Bruno. passamos a conversar muito e desenvolvi por ele uma paixão doentia de base poetica, o máximo que ele permitia. a partir dessas conversas foi que a ilha finalmente se dissolveu e os pólipos ficaram visíveis, bem visíveis sob a água. coloridos à beça

serei

a

sereia

serei-a

foi o texto roubado que mudou os rumos do que eu vinha fazendo. desde então, infiltrei nos paralelepípedos diversos mundos imaginados e semânticos que vertiginosamente foram publicados, e publicados e publicados. veio a Kantek e foi laço. quem tinha aparecido antes fora o Benjamin, o Obvious, todo sedutor, cheio de propostas muito decorosas e algum tempo depois eu etava lá escrevendo apavorada para uma quantidade de pessoas apavorante.

mas a Kantek foi laço. a minha escrita foi amarrada por ela. desenvolvida, instigada, treinada, exigida enquanto mexíamos cada uma numa panela e pensávamos em formas geométricas, doces esporádicos que pausam com dois pontos: como se encantamento fosse certeza.

nessa época eu já ouvia a Winehouse, bebida desvairadamente e caía igual a Björk em Triumph of a Heart. nas descontruções que me vinham do Bruno, pensava em outros lugares feito contar histórias antes de dormir. o moço era muito de outros mundos, outros lugares. veio "a terra dos balões voados" onde tinha o moço e o laço; foi de lá que achei que via as formas escritas que eu queria pra sempre igual na fotografia (que é) do Bavcar.

a terra dos balões voados


tua bicicleta e a pista secreta dos pássaros
não sei se você sabe, mas existe a terra dos balões voados. acho que você recorda bem daquele dia em que você deixou o balão escapar - sem querer, coisas de quando se tem menos de 9 anos. ele escapou, eu vi...estávamos juntos e fiquei em silêncio vendo você acompanhar a subida do balão (não lembro a cor). ele subiu muito, foi muito alto mesmo e tinham umas ávores e ele foi mais alto que a mais alta e, de repente, desapareceu. esses dias eu fiquei pensando nisso...pensando muito forte nisso. daí acabei descobrindo que você tem razão, ele desapareceu. não estourou, nem ultrapassou a estratosfera... ele foi para a terra dos balões voados, a terra onde estão todos os balões que nós ganhamos nas quermesses, festas de aniversário, feiras e pracinhas. estão todos lá, como a gente lembrava que eles eram. fácil de chegar lá não é...não mesmo. há de se seguir alguns pássaros e outros balões que constantemente vêm sido perdidos por meninos e meninas com menos de 9 anos. o que sei com certeza é que ele fica bem próximo da Terra das Sombrinhas desaparecidas.
foi o período, o junho, em que mais escrevi. obcessivamente, passionalmente, alcolicamente. olhando esse ponto, considero que o que de melhor já fiz está lá e não sei se volto de novo. em diálogos cortados com o Bruno e constantes com a Isabella, a Estella, mais o bebê que a gente ainda nao sabia que ia nascer.

em agosto, certamente por conta dos abusos etílicos, entrei o agosto muito doente, neuropatia, disseram. passei os dias antes do aniversário dentro do hospital, neropatia dos meus versos e o Bruno desaparecido dentro da propria cavidade umbílico-esquizofrênica. não sentia parte da minha mãe esquerda e me perguntava: a mão ou a garrafa?
foi numa noite desses dias que conheci o Raphaël e ele disse que, se eu escolhesse a garrafa, ia ter de beber de canudinho. ri. eu não fazia idéia que ia me apaixonar por ele, de forma alguma, essas coisas a gente não sabe. ou sabe completamente, mas o que está na nossa cara é impossível de ver, como se sabe.

em outubro o volume de escritos já tinha despencado de 23 pra 9 textos. o primeiro do mês se referia ao livro que ele tinha me dado. fiquei feito idiota lendo o cartão meio disléxico que tinha vindo junto. eu sabia, eu já devia ter sabido pela quantidade de vezes que lia aquele cartão meio disléxico que aquilo ia ser abismo puro.
por conta dos atrasos frequentes, que derrubaram metade da minha vida na pesquisa, o de Góes me recomendou um psicanalista e passei a ir vê-lo. não escrevi mais 23 textos por mês.

o envolvimento com a pesquisa e com o término da faculdade, com a monografia minaram bastante a esfera aleggro-imaginativa que se via no limo, mesmo nos momentos melancólicos. acredito que foi o momento de consolidação das linhas. algumas chaves como a letargia da miséria, a questão do conceber uma criança sem sentido mais a assumissão das personagens femininas ficaram bastante recorrente. tudo isso sob a disciplina da Kantek, ela vai discordar, mais foi. faltava amarrar o que havia e, nesse momento as vírgulas pararam de recorrer à vodka para ser sentir sóbrio.
Eu queria poder dizer o nome dela que passou as fichas duma mão pra outra, deu bom dia imaginário pra moça da fila, olhou o retrato e se convenceu que nem tão distante se podia enxergar a grandeza da sua precipitação hílare (ainda que com suas suspeitas de trágica). Desocupavam o telefone e se afastavam, ela se tropeçou, agarrou o fone vermelho, telerj, telerj e girou o disco com 8 5 2 – 2 4 8 – 9 5 3 1
por influência do Raphaël, via Kundera, também houveram aqueles pequenos e bestas ensaios que me ajudaram a ver outros rumos. gostei. veio a revista piauí e o Bruno já tinha ido fazia tempo, cuidar das construções navais. o Desmemorium da Kantek foi embora uns meses depois por conta da gestação da Virgília, foi justo e feliz.

hoje temos isso, eu escrevo, os povos fronteiriços vieram, foram embora e nem deixaram um bilhete, nem mesmo um vago. o Dostoievsky me alimentou. o Raphaël estava parado mostrando umas fotos da família e - ínterim - pedi um beijo que ele deu igual se dá dança. acho o que eu escrevo muito ruim e tenho bebido muito, muito menos. não me lembro bem do tempo em que tinham os homens, as marcas de noites e dias mal, essas coisas paralâmicas. não lembro, parecem outra vida. era.
tenho escrito muito pouco porque ainda não consegui terminar a monografia, é a minha Virgília, tenho de gestá-la, não tem jeito. agora ouço muito Feist e converso com a preta Juliana mais raramente, é um pouco pena. fiquei sem o álcool, é isso, acho que ela compreende [não aceita] (e) que podemos sempre fazer roubos efêmeros. outro dia andamos de metrô e dormimos num hotel na Lapa.
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